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Coluna

Aline Diniz


Não estamos saindo nas nossas casas, mas eles estão entrando nas nossas

Elenco de Casamento às Cegas - Divulgação
Elenco de Casamento às Cegas Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

29/03/2020 04h00

Há alguns dias co-escrevi um texto com Liv Brandão comparando as paralisações de produções audiovisuais durante a crise do coronavírus com as paralisações em Hollywood durante a greve de roteiristas de 2008. Já tínhamos falado um pouco sobre os reality shows e como, naquela época, houve um grande boom na produção de programas desse tipo pelo simples fato de não ser necessário um roteirista. No caso do cenário atual tudo muda um pouco de figura. É aí que entram dois pontos muito importantes: a busca por programas de realidade como contato social e o pico de acessos, criando uma alta demanda que pode indicar outro ápice na criação de realities —só que não agora, mas sim depois que a crise passar.

Dessa vez, chamei meu amigo e colega de faculdade Isaque Criscuolo para colaborar —já que a ideia da pauta foi dele. Pensamos na loucura que vai ser quando passar esse isolamento, todo mundo estiver na vontade de sair para as ruas, e a Netflix bombando nas novas temporadas de realities.

O isolamento social voluntário decorrente do coronavírus fez com que parte da população ficasse em casa. Aqueles que podem estão saindo o menos possível, trabalhando de casa e dedicando-se ao máximo para garantir que a curva de contágio diminua. Sendo assim, muitas pessoas estão sozinhas ou com seus parceiros e famílias —o que significa, é claro, uma necessidade muito maior de contato social por outros meios. Operadoras de internet se mobilizam para facilitar os acessos, canais de streaming limitam a qualidade de seus conteúdos para desafogar as bandas e, enquanto isso, o público faz happy hour virtual e assiste aos reality shows disponíveis.

Tudo bem que o BBB já estava dando o que falar antes mesmo do coronavírus, mas a quantidade de gente falando sobre "Casamento às Cegas", "The Circle", "Soltos em Floripa", entre outros realities pelas redes é surreal. O sucesso é tanto que a Netflix já prometeu mais temporadas dos seus dois programas, garantindo novas temporadas para depois da crise. É o efeito de querer se aproximar socialmente sem poder sair de casa, de querer participar de um coletivo estando sozinho. É genial.

Na ausência de ações em nossas vidas diárias, observar e falar da vida alheia é um prato cheio. Basta olhar os trending topics do Twitter, por exemplo, para ver a quantidade de conteúdo sendo produzido a respeito do BBB20 e cada uma das reviravoltas dos últimos dias. Sobra tempo para analisar cada detalhe e construir teorias e opiniões em torno disso.

Manu Gavassi no BBB20 - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

E como falamos da greve de roteiristas, a maior diferença entre 2008 e a crise de 2020 seja na produção de reality shows —mesmo que o "Big Brother" ao redor do mundo tenha iniciado sua nova temporada antes da pandemia realmente se alastrar, protegendo os participantes na casa, é inviável produzir qualquer coisa nesse momento, já que é necessário muito mais do que 20 pessoas em qualquer set de gravações.

O que o BBB20 está fazendo ao manter o programa no ar é algo sem precedentes. Como será que estão protegendo a equipe de se contaminar? Quem sabe até de levar o vírus para dentro da casa? Qualquer que seja a medida de segurança, é irresponsável seguir com o programa nessas condições, principalmente quando países como Itália e Canadá decidem encerrar suas temporadas antecipadamente. Pense, os confinados sabem que existe uma doença, mas não entendem os desdobramentos disso.

Se existe uma certeza é que quando as coisas voltarem ao normal, veremos um fortalecimento nos formatos ao vivo e reality por causa do isolamento atual e nosso genuíno interesse em ver pessoas em situações inusitadas, sem um roteiro definido e onde tudo pode acontecer. Se envolver interação do público para alterar os rumos da história, então, melhor ainda.

Aline Diniz