09/12/2008 - 07h01
Mãe faz maratona judicial para libertar a pichadora da Bienal
Rodrigo Bertolotto
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Rosemari Pivetta da Mota peregrina pelos corredores da Justiça desde que deixou no dia 28 de novembro a suburbana Alvorada, na Grande Porto Alegre, e viajou para São Paulo. Já passou por tribunal, penitenciária, escritório de advocacia, defensoria pública e até prédio do Exército. Tudo para tentar libertar sua filha, Caroline, detida por pichar o prédio da Bienal de São Paulo.

Você acha que Caroline
deve ser solta?



Caroline foi presa no primeiro dia da tradicional exposição de artes, que se encerrou no último sábado. Vários artistas já se manifestaram pela libertação da garota, e pichadores fizeram grafites no centro paulistano e até na fachada da casa do ex-prefeito Celso Pitta, que está solto graças a um habeas corpus do TJ-SP (Tribunal de Justiça), após ter tido prisão decretada por não pagar pensão alimentícia a ex-mulher, Nicéa.

CENAS DA VIDA

  • Arquivo da família

    Rosemari (esq.) posa com a filha em foto feita em agosto último

  • Arquivo da família

    Na casa em Alvorada (RS), Caroline posa ao lado de girassol

  • Arquivo da família

    Retrato de Caroline quando tinha dez meses, segurando boneca



É justamente um habeas corpus que Rosemari busca para sua filha voltar para a rua após 45 dias atrás das grades, a maioria deles na cela 265 da Penitenciária Feminina Sant´Ana, na zona norte da cidade.

Há dez dias em São Paulo, a mãe só conseguiu ver a filha uma vez. "Eu me emocionei muito, e ela também. Nossa relação sempre foi de muito contato físico e acho que ficamos abraçadas muitos minutos, chorando, depois olhar nos olhos dela, acariciar seu rosto para só então falarmos", contou para a reportagem do UOL sobre sua visita da última quinta-feira.

Caroline faz 24 anos na próxima sexta-feira, e a mãe já imagina comemorá-los com a filha respondendo em liberdade. "Sou extremamente otimista. Meu sonho agora é passar o aniversário com ela", afirma.

Com o lema "Em Contato Vivo", a Bienal de Artes de São Paulo de 2008 foi marcada pelo andar vazio, lugar de intervenções que causaram polêmicas. Das oficiais, chamou a atenção o performer Maurício Ianês, que ficou nu para receber doações dos visitantes em uma ação intitulada "A Bondade de Estranhos". Das extra-oficiais, a invasão do grupo de 40 pichadores que grafitaram as paredes brancas do local acabou com corre-corre, confronto de seguranças e manifestantes e Caroline, como única detida - Rafael Martins foi preso já na delegacia quando foi levar os documentos de Caroline e acabou reconhecido pelos presentes, ficando oito dias confinado.

É esperando a bondade dos outros que Rosemari transita pelos corredores jurídicos. "Eu me locomovo de metrô e ônibus, sempre com um caderno à mão para anotar dados, indicações, telefones. Apesar de infrutíferas idas-e-vindas, fui atendida com muita presteza, educação", relata sobre uma burocracia cordial, mas que não resolve seu problema. Por esse mesmo motivo ela deve trocar de advogado nesta terça-feira.

A organização da Bienal soltou uma declaração oficial no dia seguinte do incidente classificando a atitude dos jovens de "autoritária". A Bienal prestou queixa, a polícia prendeu e a Justiça manteve detida a jovem cujo crime foi pintar uma parede branca dentro de uma mostra de arte. De lá para cá, os curadores e responsáveis pela Bienal não quiseram mais abordar o tema.

Rosemari compreende a situação em que a filha se meteu e se surpreende quando a ajuda vem do lado que menos espera. "Amor de mãe é incondicional. Não significa que uma mãe queira isentar seu filho de suas responsabilidades, mas não peça a uma para deixar que seu filho se vire. Mas eu a vi bem fisicamente na penitenciária, todos são atenciosos e sorridentes com ela, pois ela sabe cativar", lembra.

Trabalhando como artesã, Rosemari criou sozinha a filha. As duas trocaram o sul por Diadema, na Grande São Paulo, onde Caroline viveu de um ano de idade até os 16. Uma nova mudança as levou para Alvorada, município limítrofe com a capital gaúcha. Com a maioridade, Caroline quis voltar a conviver com os amigos que deixara em São Paulo. Em fevereiro último, voltou para a região e abraçou a causa da pichação, indo parar na delegacia várias vezes. Em uma delas, foi por grafitar um prédio pertencente ao Exército.

No ataque (jargão do universo do "pixo") feito na Bienal , Caroline adotou uma postura militante e, enquanto a maioria escapava (uns quebraram até um vidro do prédio na debandada), ela gritava "eu sou pichadora" e "viva a pichação" sendo levado à viatura policial.

Espírita, Rosemari encontra na religião forças para tirá-la da cadeia. "Quando sabemos que Deus nunca dá um fardo além de nossas forças, que nada é por acaso, que ninguém pode sofrer as nossas dores mas que podem nos ajudar a suportá-las, nossas forças centuplicam. Quando saí do Rio Grande do Sul, saí sabendo que não seria fácil, mas não imaginava encontrar o que encontrei."

O irônico é que Caroline tem a palavra "liberdade" tatuada no peito, mas ela não experimentou a liberdade de expressão na Bienal e hoje vivencia a total falta dela na penitenciária.

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