A 25ª Bienal de São Paulo foi realizada sob um processo caótico. Com o tema "Iconografias Metropolitanas", o evento teve renúncia de conselheiros, crise financeira, indefinição sobre a condução artística do evento e foi adiado duas vezes. O curador Ivo Mesquita foi demitido, readmitido e desligou-se definitivamente para ser substituído pelo alemão Alfons Hug, o primeiro estrangeiro a fazer a coordenação artística do evento.
Ao assumir, Hug eliminou os "núcleos históricos" e rompeu com um formato que prevaleceu em todas as edições anteriores. A atitude do curador surpreendeu críticos, artistas e o meio cultural da cidade.
Temia-se que a ausência de grandes nomes da história da arte esvaziasse a Bienal. Sem Picasso, Van Gogh, Goya, Munch, e outros tantos nomes monumentais, previa-se que uma mostra centrada na arte contemporânea não garantiria a retomada definitiva do prestígio perdido com edições mal-sucedidas.
Apesar das críticas iniciais, a medida encontrou respaldo até de Ivo Mesquita, que antecedeu o alemão. "É assim que tudo acontece no Brasil, as crises ajudam a quebrar tabus e nesse caso liberou os curadores de se ocuparem do núcleo histórico; a função da Bienal é ser contemporânea", afirmou à Folha de S. Paulo.
Ao final, mesmo com um modesto orçamento em comparação aos anteriores, a proposta curatorial de Hug surpreendeu. A XXV Bienal bateu todos os recordes de público e levou 668.428 visitantes ao pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Ibirapuera.
Para montar as "Iconografias Metropolitanas", o curador escolheu 11 metrópoles: São Paulo, Istambul, Nova York, Pequim, Caracas, Londres, Berlim, Moscou, Tóquio, Johannesburgo e Sydney. Cinco artistas de cada cidade apresentaram seus trabalhos e outros 12 de diversas partes do mundo compuseram uma 12ª cidade "Utópica", "uma proposta estética para o novo milênio", segundo palavras do curador.
Menina dos olhos do curador, a cidade utópica não conseguiu agradar tanto. Os críticos preferiram as obras vindas das cidades reais. O professor Nelson Aguilar, curador da 22ª e 23ª Bienais, chegou a afirmar que "tratar a utopia como tema é ingenuidade, pois toda utopia não dá razão à crítica. As melhores utopias só funcionaram em certas circunstâncias, mas não na arte; o que acontece com a 12ª cidade é que ela parece um parque temático e não uma mostra de arte".
Ao contrário do crítico brasileiro, o inglês Gerard Hemsworth mostrou-se simpático ao conjunto do trabalho do colega alemão. "(A Bienal de São Paulo) é melhor que a de Veneza, no ano passado, mais divertida", disse Hemsworth.
Em vez dos nomes consagrados pela história, Hug escolheu para compor as "Iconografias Metropolitanas" os que ele considerava "os gênios do presente". Entre eles, os fotógrafos alemães Andreas Gursky e Thomas Ruff e os brasileiros Nelson Leirner, Carlos Fajardo e Karin Lambrecht.
Se a extinção dos núcleos históricos foi uma ousadia do curador, o evento ainda lançou mão das Representações Nacionais, a desgastada fórmula importada da Bienal de Veneza e utilizada desde a primeira edição da Bienal de São Paulo. O previsível desequilíbrio qualitativo entre os países gerou uma mostra de altos e baixos, como em outras edições anteriores.
Uma atração a parte foi o predomínio das linguagens técnicas. A 25ª Bienal recebeu uma grande quantidade de trabalhos em fotografia, vídeo, videoinstalação e projeção. Destacaram-se a iraniana Shirin Neshat; o vietnamita Jun Nguyen; Stan Douglas do Canadá; Anri Sala, da Albânia; e o fotógrafo alemão Andreas Gursky (um dos gênios de Hug).
O evento também teve uma certa "porosidade" que estimulou outros debates. Depois de driblar o sistema de segurança, o estudante de jornalismo Cleiton Campos colocou clandestinamente um quadro intitulado "Navio Pirata" na 25ª Bienal de São Paulo. O pequeno quadro permaneceu algumas semanas ao lado das obras escolhidas pelos curadores. Apesar de provocar a ira de alguns conselheiros da Bienal, o então presidente da Fundação, Carlos Bratke, "aprovou" a atitude do estudante. "Não vou analisar o quadro em si, mas ele conseguiu superar, em comoção, os outros artistas performáticos. E sem ter sido convidado. Acho que ele tem futuro na arte conceitual", afirmou Bratke.
Um outro "poro" que se transformou em uma polêmica foi o trabalho "Vazadores", de Rubens Mano. Localizado no térreo do pavilhão, o trabalho consistia em um corredor com duas portas, sendo que uma dava para o jardim da Bienal. Quem chegasse por essa porta podia entrar de graça na exposição. Poucos dias depois da abertura da Bienal, por ordem da organização, um segurança passou a controlar o ir-e-vir dos visitantes. Primeiro o segurança passou a trancar a porta nos horários de maior movimento, depois a trancou definitivamente.
Rubens Mano desejava colocar em debate o dinheiro como pré-requisito para a fruição artística, e o fechamento da porta foi visto por ele como uma "censura". Indignado, ele retirou seu trabalho da exposição, mas a porta do debate que propôs ficou aberta.
- Benjamin Yung
- Guilherme Facci
- Arquivos Folha de S. Paulo
- "As Bienais de São Paulo / 1951 a 1987", de Leonor Amarante
- "Bienal 50 anos", organizado por Agnaldo Farias
- Site oficial do Museu de Arte Moderna de São Paulo
- Fundação Bienal de São Paulo.
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