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Karim Aïnouz celebra escolha de A Vida Invisível para Oscar: "Vamos levar resistência"

O diretor brasileiro Karim Aïnouz no Festival de Cannes - Oleg NikishinTASS via Getty Images
O diretor brasileiro Karim Aïnouz no Festival de Cannes Imagem: Oleg NikishinTASS via Getty Images

Renata Nogueira e Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

27/08/2019 14h37

A Vida Invisível, escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o país na corrida pelo Oscar 2020 de melhor filme internacional, também tem muita relevância política, segundo o diretor cearense Karim Aïnouz. Para ele, a obra é muito particular por abordar um tema universal sob um ponto de vista brasileiro.

"É um filme que fala de questões muito importantes que a gente está vivendo no mundo e a gente fica muito feliz que esse filme em particular tenha sido escolhido para representar o Brasil no Oscar. Vamos levar um pouquinho dos nossos trópicos, da resistência da gente para fazer jus ao trabalho do cinema brasileiro como um todo", declarou o diretor ao UOL em conversa por telefone logo após a indicação.

Ainda emocionado com a notícia da escolha, Karim falou sobre como a recepção internacional --o filme foi premiado em Cannes e nos festivais de Munique e Lima-- já trazia indicativos do potencial de A Vida Invisível como história global.

"É de fato uma história que conversa com o mundo. Ela se provou. A gente acabou de ganhar um prêmio de público em um festival no Peru. Quando o filme foi vendido para a China, os distribuidores falaram até de fazer um remake, pois ele fala muito com o público chinês e com a história das mulheres da China. São indicadores de que ele fala universalmente", disse o diretor.

A estreia de A Vida Invisível nos cinemas está marcada para 19 de setembro no Nordeste, e 31 de outubro no restante do Brasil. A première do filme no Brasil acontece na próxima sexta, na abertura no Cine Ceará, em Fortaleza.

Discurso antipatriarcal

A Vida Invisível traz no elenco Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier, Bárbara Santos, Flávia Gusmão e Fernanda Montenegro. Na trama, as irmãs Guida e Eurídice são como duas faces da mesma moeda --apaixonadas, cúmplices, inseparáveis. Eurídice, a mais jovem, é uma pianista prodígio, e Guida, romântica e cheia de vida, sonha em se casar com um príncipe encantado e formar uma família.

Um dia, com 18 anos, Guida foge de casa com o namorado. Ao retornar grávida, seis meses depois e sozinha, o pai, um português conservador, a expulsa de casa de maneira cruel. Guida e Eurídice são separadas e passam suas vidas tentando se reencontrar, como se somente juntas fossem capazes de seguir em frente.

"A gente aposta numa coisa que o cinema sabe fazer muito bem: trazer emoção. O filme toca no coração das pessoas de maneira muito forte. Politicamente é um filme muito importante também. E é um filme sobretudo antipatriarcal. Estamos vivendo um momento de várias crises que estão ligadas a isso. É uma crise do patriarcado, e o filme celebra a força das mulheres e a resistência. É um tema que também interessa ao mundo inteiro neste momento", concluiu o diretor.

Cena de A Vida Invisível - Bruno Machado/Divulgação - Bruno Machado/Divulgação
Cena de A Vida Invisível
Imagem: Bruno Machado/Divulgação

Disputa saudável

Sobre a concorrência acirrada com Bacurau na disputa para representar o Brasil, Karim se diz honrado e exalta a importância da união do cinema brasileiro em um momento de crise no setor cultural, que vem perdendo incentivos e patrocínios, por decisão do governo federal.

"É uma geração que está sendo colocada em uma ribalta, e é muito bacana que a gente possa ter dividido esse lugar depois do festival de Cannes [Bacurau venceu prêmio do júri no festival]. Fico muito feliz com a vida do Bacurau. Antes de qualquer coisa é um momento de estar junto. Juntos é melhor do que sozinho. Fico muito feliz de estar com eles e também com os outros que estão no páreo."

O diretor de A Vida Invisível diz ainda ter recebido uma mensagem carinhosa de Juliano Dornelles, codiretor de Bacurau com Kleber Mendonça, assim que a escolha foi anunciada. "Adoro o Kleber, adoro o Juliano. Já estivemos juntos em Cannes e nos outros festivais. Foi muito lindo quando a gente recebeu a notícia."

Nas redes sociais, o também nordestino Kleber Mendonça parabenizou publicamente o colega. "Karim Aïnouz, diretor de A Vida Invisível, é um grande cineasta brasileiro. Feliz por ele. E fica aqui um abraço pro Rodrigo e um beijo para Fernanda Montenegro", escreveu o diretor de Bacurau, citando também o produtor Rodrigo Teixeira e Fernanda Montenegro, que também está em A Vida Invisível.

Fernanda Montenegro, que, segundo a comissão da Academia Brasileira, pesou na escolha por A Vida Invisível, celebrou a indicação por meio de um comunicado."Isso demonstra que a cultura cinematográfica brasileira, num momento como esse, nos credencia como artistas e cidadãos. Karim merece."

Karim Ainouz posa com as atrizes Julia Stockler e Carol Duarte, estrelas de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" - Stephane Cardinale - Corbis/Corbis via Getty Images - Stephane Cardinale - Corbis/Corbis via Getty Images
Karim posa com as atrizes Julia Stockler e Carol Duarte, estrelas de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão"
Imagem: Stephane Cardinale - Corbis/Corbis via Getty Images

Caminho para a indicação

Além da presença de Fernanda Montenegro, indicada ao Oscar de melhor atriz em 1999 por Central do Brasil, o filme tem outro às na manga, que pode ser decisivo em uma eventual indicação na lista final: o produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, parceiro de cineastas influentes como Martin Scorsese e Olivier Assayas.

"O Rodrigo é um grande produtor e amigo, cheio de talento, incansável. Foi a primeira pessoa que me ligou após a notícia, muito emocionado. É lindo fazer uma parceria com alguém que acredita em você e no filme. O papel dele no cinema hoje é de protagonista. Qualidade impressionante e paixão infinita pelo cinema. Papel dele e da RT serão muito importantes."

No anúncio do escolhido pelo Brasil para tentar uma vaga no Oscar de melhor filme internacional, o presidente da Academia Brasileira de Cinema, Jorge Peregrino, afirmou que Ricardo Rihan participou da reunião que definiu o representante brasileiro, sem influir no resultado final, participou da reunião e sinalizou que o Ministério da Cidadania irá apoiar financeiramente o lançamento e a campanha publicitária de A Vida Invisível em Hollywood.

No ano passado, o filme O Grande Circo Místico, de Cacá Diegues, que não conseguiu passar à lista final de indicados ao Oscar, recebeu aporte de R$ 200 mil do antigo Ministério da Cultura para divulgação nos Estados Unidos. No entendimento de Anna Mulayert, diretora da comissão que escolheu o representante nacional, A Vida Invisível terá mais facilidade arrecadar verba para a divulgação em Hollywood do que teria Bacurau, dado o histórico de protestos do diretor Kleber Mendonça Filho e equipe.

A lista com os finalistas será conhecida em janeiro; os vencedores do Oscar, no dia 9 de fevereiro.