Oscar: 'Democracia em Vertigem' enfrenta chineses dóceis e sírias corajosas
O Brasil enfrenta um exército chinês na disputa de melhor documentário do Oscar 2020. O principal rival de "Democracia em Vertigem", da diretora Petra Costa, é o longa "Indústria Americana". Produzido pelo casal Michelle e Barack Obama, narra a chegada de uma fábrica chinesa e de seus operários super obedientes a uma cidade do interior dos Estados Unidos.
"Indústria Americana" já abocanhou 16 prêmios no circuito de festivais, incluindo o de melhor direção no Festival de Sundance e o de filme independente no Gotham Awards. Mas engana-se quem pensa que a corrida será entre os dois filmes, ambos lançados pela Netflix. O restante da concorrência é também fortíssima e focada em mulheres corajosas.
Também na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro, "Honeyland", de Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov, narra a história de uma apicultora da Macedônia. Já os outros dois indicados, "For Sama" e "The Cave", vêm da Síria repletos de prêmios. Ambos trazem depoimentos poderosos (e cheios de sangue) de mulheres que viveram no centro nervoso da guerra civil que assola o país desde 2011.
Apesar de não acumular tantos prêmios como seus concorrentes, "Indústria Americana" é o queridinho dos críticos —a maioria americanos, assim como grande parte dos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood— nas apostas de quem vai levar a estatueta dourada. E não é à toa: o filme captura com maestria a encruzilhada da economia americana através de histórias pessoais de operários americanos e chineses, num momento de muita tensão entre os dois países.
O documentário segue o choque de cultura na implementação de uma fábrica chinesa de vidro automotivo numa cidadezinha americana de Ohio, em 2010. Enquanto os americanos lutam por segurança no trabalho e pagamento justo, os chineses reclamam que seus novos colegas são "lentos e falam demais".
Nos hospitais da Síria
Em "For Sama", a diretora síria Waad al-Kateab registra seus sufocos e raras alegrias em Aleppo durante os cinco anos em que a cidade ficou sitiada e foi bombardeada pelo exército do ditador Bashar al-Assad e forças russas. Sempre de câmera na mão, ela se casou, teve uma filha e filmou a rotina caótica num hospital liderado por seu marido. Sama é o nome da sua bebê.
"Em dez anos fazendo documentários em regiões de desastres humanitários, nunca tinha visto algo assim. Waad captura o conjunto todo da verdadeira experiência humana", disse o britânico Edward Watts, que codirigiu "For Sama" e passou dois anos ajudando a selecionar o material bruto captado pela colega.
"Mesmo em zonas de conflito, as pessoas têm senso de humor e se preocupam com o que vão comer e com as histórias que vão contar para seus filhos antes de dormir", continuou Watts, num evento em Los Angeles.
"For Sama" ganhou o principal prêmio da categoria no Festival de Cannes e é o documentário com mais indicações na história do Bafta, o equivalente britânico ao Oscar.
"The Cave" também se passa num hospital escondido numa caverna ("cave", em inglês), em outra região da Síria, perto da capital Damasco. A protagonista é a pediatra Amani Ballor que, além de salvar vidas e administrar o hospital, precisa enfrentar o machismo de alguns moradores locais. O documentário estreia no Brasil na próxima segunda-feira, 3 de fevereiro, às 21h, no National Geographic.
Visto negado
A direção de "The Cave" é do veterano Feras Fayyad, em sua segunda indicação ao Oscar. Ele foi o primeiro sírio a concorrer ao prêmio da Academia com o documentário "Last Men in Aleppo" (2017). Por conta de sua nacionalidade, Fayyad chegou a ter o visto para os EUA negado (o mesmo havia acontecido em 2018, quando quase perdeu a cerimônia do Oscar) e foi ainda detido neste mês pela polícia no aeroporto de Copenhagen, onde vive em exílio. Mas com ajuda da comunidade do cinema, ele finalmente conseguiu chegar em Los Angeles nesta semana.
"Queria mostrar às pessoas que uma mulher comum é capaz de coisas extraordinárias", disse o diretor à Variety sobre "The Cave". "Talvez isso possa mudar o mundo. Ela pode nos lembrar que somos todos humanos e compartilhamos uma humanidade que é mais poderosa que a violência."
Outra mulher também é o centro das atenções em "Honeyland", indicado tanto para o Oscar de documentário como para o de filme estrangeiro. A história se passa numa vila remota entre as montanhas ao norte da Macedônia, onde a apicultora Hatidze Muratova usa práticas tradicionais para cuidar de suas abelhas. O clima idílico é quebrado com a chegada de novos vizinhos, de olho no mel.O filme, que saiu do Festival Sundance com três prêmios é forte concorrente do longa brasileiro.
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