Análise: Lógica venceu emoção na escolha de A Vida Invisível para o Oscar 2020
A julgar pela justificativa da comissão que escolheu o drama A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, para representar o cinema brasileiro no Oscar de melhor filme internacional (nova nomenclatura para a categoria "filme estrangeiro"), a lógica venceu a emoção.
Foi uma vitória apertada, por um voto, de um total de nove, que derrubou o favoritismo do thriller político Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (29) precedido por intensas reações nas redes sociais.
"Possibilidades políticas foram debatidas, mas o que mais pesou foi a qualidade artística do filme, suas possibilidades de chegar ao Oscar, e o quanto os membros da comissão se identificaram com ele", disse a cineasta Anna Muylaert, diretora do colegiado da Academia Brasileira de Cinema.
O anúncio foi feito na manhã desta terça-feira (27), na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. A lista com os finalistas será conhecida em janeiro; os vencedores do Oscar, no dia 9 de fevereiro. A estreia de A Vida Invisível nos cinemas está marcada para 19 de setembro no Nordeste, e 31 de outubro no restante do Brasil.
Ambos teriam condições de chegar ao short list de nove pré-selecionados, a ser anunciado em dezembro - O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, foi o último a realizar esta façanha, em 2008.
Tanto A Vida Invisível quanto Bacurau são assinados por diretores de prestígio no circuito de festivais estrangeiros e ganharam prêmios importantes no Festival de Cannes deste ano (o principal prêmio da mostra paralela Um Certo Olhar e o prêmio do júri da competição oficial, respectivamente).
Há que se levar em conta também, a reputação dos produtores por trás de cada um. O filme de Aïnouz é produzido por Rodrigo Teixeira, um dos produtores de Me Chame Pelo Seu Nome, do italiano Luca Guadagnino, que venceu o Oscar de melhor roteiro de 2018.
Bacurau é coproduzido pelo franco-tunisiano Saïd Bem Saïd, que já fez filmes com Brian De Palma (Paixão), Roman Polanski (O Deus da Carnificina) e Paul Verhoeven (Elle).
Ou seja, cumprem um requisito importante da disputada categoria do prêmio da Academia de Artes e Ciências de Hollywood: a visibilidade dos selos de festivais internacionais e o aval de nomes reconhecidos pelo mercado.
O que faz pensar que na decisão --não unânime, vale lembrar-- pelo filme do diretor cearense, que já disputou o Urso de Ouro do Festival de Berlim, com Praia do Futuro (2015), tenha pesado um certo conservadorismo formal.
A Vida Invisível se aproxima do drama de época clássico, que ganha um tom atual por expor o machismo de um passado não tão distante. O filme é inspirado no livro homônimo de Martha Batalha, sobre duas irmãs muito unidas (interpretadas por Julia Stockler e Carol Duarte), separadas pelo conservadorismo do Rio de Janeiro dos anos 1950.
Já Bacurau arrisca-se pelo cinema de gênero, um thriller "futurista" que mistura elementos do faroeste americano e a mitologia do cangaço brasileiro, que convergem para uma vila do sertão ameaçada de extinção por um grupo misterioso. O colegiado da Academia preferiu não arriscar, votando pelas qualidades artísticas de um filme com tema universal, compreendido em qualquer lugar do mundo.
Mas há que se ter pela frente um concorrentes fortes, de gêneros e estilos distintos, como o thriller distópico Parasite, do sul-coreano Bong Joon-ho, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o irônico It Must Be Heaven, do palestino Elia Suleiman, todo estruturado em esquetes, vencedor de uma menção especial em Cannes; e o israelense Synonymes, de Nadav Lapid, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim.
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