Em artigo sobre biografias, Chico Buarque diz que foi censurado pela Globo
Do UOL, em São Paulo
16/10/2013 08h57
O cantor e compositor Chico Buarque entrou pela primeira vez na discussão sobre a proibição de biografias não autorizadas. Em resposta a um texto publicado pelo jornalista Mário Magalhães em seu blog no UOL, Chico assinou artigo em "O Globo" desta quarta-feira (16) alegando que a TV Globo o censurou nos anos de 1970 e que ele vai receber a pecha de censor, se um dia impedir que a emissora o homenageie. Antes de Chico, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que fazem parte do grupo "Procure Saber", já haviam publicado artigos em "O Globo" sobre o tema.
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- http://entretenimento.uol.com.br/enquetes/2013/10/05/voce-acha-que-as-biografias-de-artistas-devem-passar-por-uma-autorizacao-previa.js
"Foi além da Censura, (a emissora) proibiu por conta própria imagens minhas e qualquer menção ao meu nome. Amanhã a TV Globo pode querer me homenagear. Buscará nos arquivos as minhas imagens mais bonitas. Escolherá as melhores cantoras para cantar minhas músicas. Vai precisar da minha autorização. Se eu não der, serei eu o censor", escreveu.
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Escritor premiado por "Leite Derramado" e "Budapeste", Chico elogia a biografia que Magalhães fez sobre Carlos Marighella, mas comenta que acompanhou de perto o imbróglio que os herdeiros do jogador Garrincha moveram contra a editora Companhia das Letras pela publicação de "Estrela Solitária", de Ruy Castro, obtendo, no final do processo uma alta indenização da editora. "Não sei quanto foi, mas acho justo".
Procure Saber
Chico Buarque é integrante da associação Procure Saber, que reúne nomes como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Djavan e Milton Nascimento. O grupo encabeçou a discussão após sua porta-voz, a empresária Paula Lavigne, afirmar ao jornal "Folha de S.Paulo" que os músicos estavam se mobilizando para impedir a mudança na legislação que submete a publicação de biografias à autorização dos biografados.
Na primeira linha do artigo publicado, Chico fala sobre Roberto Carlos, que deu o pontapé em toda a polêmica ao proibir a circulação de "Roberto Carlos em Detalhes", biografia escrita em 2006 pelo jornalista Paulo César de Araújo. "Pensei que o Roberto Carlos tivesse o direito de preservar sua vida pessoal. Parece que não".
Paulo César de Araújo também é alvo de crítica no artigo, por ter publicado uma declaração atribuída a Chico no livro "Eu Não Sou Cachorro, Não", onde o compositor criticava Caetano Veloso e Gilberto Gil, então no exílio, por denegrirem a imagem do país no exterior.
"Era impossível eu ter feito tal declaração. (...) As fontes do biógrafo e pesquisador eram a 'Última Hora', na época ligada aos porões da ditadura, e uma coluna cafajeste chamada Escrache. Que eu fizesse tal declaração, em pleno governo Médici, em entrevista exclusiva para tal coluna de tal jornal, talvez merecesse ser visto com alguma reserva pelo biógrafo e pesquisador. Talvez ele pudesse me consultar a respeito previamente e tirar suas conclusões. Mas só me procuraram quando o livro estava lançado. Se eu processasse o autor e mandasse recolher o livro, diriam que minha honra tem um preço e que virei censor".
Entenda o caso
Embora a Constituição preveja a liberdade de expressão, o Código Civil brasileiro possui artigos que vedam a comercialização de biografias não autorizadas. Atualmente, tramita no Congresso um projeto para mudar o Código, do deputado Newton Lima (PT-SP) e, no STF (Superior Tribunal Federal), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade referente aos artigos do Código Civil que interferem na questão. O Procure Saber é contra as mudanças.
Segundo o grupo, o posicionamento não tem a ver com censura prévia, mas com a preservação de direitos. "A Procure Saber pretende apresentar proposta de alteração do Código Civil, de forma a acomodar interesses comerciais de todas as partes — escritores, editoras, biografados e seus herdeiros —, cuidando de preservar a intimidade e a vida privada do biografado, que não podem ser subjugados para proteger outros direitos que, de fato, não estão sendo prejudicados ou violados", publicou a empresária Paula Lavigne, que gerencia a carreira de Caetano Veloso.
O grupo é o mesmo que, em julho, conseguiu pressionar o Senado a colocar em pauta e aprovar o projeto de lei que modifica as regras de arrecadação e distribuição de direitos autorais musicais.
Nesta segunda, o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, afirmou ser a favor da publicação de biografias não autorizadas. "Não acho razoável a retirada do livro do mercado. O ideal seria a liberdade total, mas cada um que assuma os riscos. Se violou o direito de alguém vai ter que responder financeiramente por isso", disse Barbosa, durante debate na Conferência Global de Jornalismo Investigativo, no Rio.
Diversos escritores e artistas também já se manifestaram contra a proibição de biografias. Entre eles, Ruy Castro, Paulo César de Araújo, Alceu Valença e a filha de Adoniran Barbosa.
O STF anunciou que fará audiências, previstas para os dias 20 e 21 de novembro, para discutir a validade dos artigos 20 e 21 do Código Civil. É este trecho da lei que dá margem à proibição de biografias não autorizadas, ao prever que "a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais".