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"Ainda estou pagando pela proibição", diz biógrafo de Roberto Carlos

Em imagem de 2007, o historiador e jornalista Paulo César de Araújo chora ao final de audiência em que ficou definida a interrupção definitiva da produção e comercialização do livro-biografia não autorizado "Roberto Carlos em Detalhes" - L. C. Leite/Folhapress
Em imagem de 2007, o historiador e jornalista Paulo César de Araújo chora ao final de audiência em que ficou definida a interrupção definitiva da produção e comercialização do livro-biografia não autorizado "Roberto Carlos em Detalhes" Imagem: L. C. Leite/Folhapress

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

10/10/2013 19h39

Primeiro a trazer à tona a polêmica das biografias não autorizadas, quando teve seu “Roberto Carlos em Detalhes” proibido pelo cantor em 2006, o jornalista Paulo César de Araújo diz que até hoje sofre as consequências da proibição.

"Os prejuízos são imensuráveis. São de toda ordem, não foi financeiro, foi emocional. Eu só vou mensurar isso no fim da vida. Ainda estou pagando pela proibição, mas não pela publicação, porque o livro está aí, circulando no mundo pela internet. Eu só tenho o prejuízo financeiro, mas eu fiz o livro para ser lido”, afirma.

A polêmica sobre as biografias voltou a ser debatida no último sábado (5), quando a produtora Paula Lavigne, porta-voz do grupo Procure Saber (formado por músicos como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo Carlos), afirmou em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" que os músicos estavam se mobilizando para impedir a mudança na legislação que submete a publicação de biografias à autorização dos biografados.

O grupo é o mesmo que, em julho, conseguiu pressionar o Senado a colocar em pauta e aprovar o projeto de lei que modifica as regras de arrecadação e distribuição de direitos autorais musicais.

Para Araújo, os artistas reunidos no grupo Procure Saber estão tentando combater algo que não existe.

“Pelo jeito que eles falam, parece que estavam sufocados por biografias não autorizadas. Não tem biografia de Caetano, Djavan, Chico Buarque! Só livros acadêmicos e reunindo letras. O único desse grupo que tem é o Roberto Carlos. Eles estão combatendo o quê? Não temos essa tradição biográfica ainda. Eles estão se posicionando contra algo que não existe”, afirmou por telefone.

Onde vamos parar? Que juventude é essa que dizia que queria tomar o poder lá em 1968 e agora pede isso? Que velhinhos são esses?

Paulo César de Araújo, referindo-se a artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque

Entre os integrantes do Procure Saber, além de Roberto Carlos, apenas Gilberto Gil tem uma biografia: "Gilberto Bem de Perto", escrita a quatro mãos pelo músico e a jornalista Regina Zappa

Araújo disse ainda estar “sob o impacto” da notícia. “Que Chico Buarque compactue com isso? Onde vamos parar? Que juventude é essa que dizia que queria tomar o poder lá em 1968 e agora pede isso? Que velhinhos são esses?”, questiona.

“O que me chama a atenção é que, embora se fale em privacidade, a questão é financeira. Ela [Paula Lavigne] fala que pode colocar na internet, desde que não se ganhe dinheiro. Privacidade não se vende, honra não se vende”, diz o jornalista, referindo-se à declaração da ex-mulher de Caetano Veloso à "Folha", em que afirma que seu grupo “é contra a comercialização de uma biografia não autorizada” e que não seria justo que somente editores e biógrafos lucrassem com a venda das biografias.

“O que é surpresa é isso, colocar ênfase na questão financeira. O Roberto Carlos fez isso, disse que estava prejudicando as vendagens do disco dele. Mas a gente até espera isso do empresário do Roberto Carlos, alguém que vive no mundo do mercado imobiliário. Mas que Caetano, Chico, Djavan estejam fazendo isso, é decepcionante”, completa Araújo.

Reprodução
Pelo jeito que eles falam, parece que estavam sufocados por biografias não autorizadas.

Paulo César de Araújo, autor da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", sobre os artistas que se mobilizaram contra este tipo de livro

O jornalista também questiona a afirmação feita pelo cantor Djavan em nota enviada ao jornal “O Globo” de que “editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação”. “Isso é um delírio do Djavan! É o contrário. Quem ganha dinheiro aqui são os cantores, compositores. Para se fazer uma biografia, são pelo menos dois anos de trabalho. Você gasta muito em viagens, fitas, documentos, livros antigos”, afirma Araújo.

Araújo se alinha ao grupo de escritores representados pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), entidade que move no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, alegando que os artigos 20 e 21 do Código Civil, que dão margem à proibição de biografias não autorizadas, opõem-se à Constituição, lei máxima do país. De acordo com o texto da Constituição, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. O grupo também apoia o projeto do deputado Newton Lima (PT-SP), que tem como objetivo alterar o artigo 20 do Código Civil.

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O jornalista teme que a pressão dos artistas do Procure Saber possa mudar o rumo dos debates e influenciar na decisão do STF. “O lobby deles pode sim influenciar. Eles foram outro dia a Brasília e aprovaram a lei do Ecad em um dia. E parece que já tiveram um encontro com a [ministra] Cármen Lúcia, relatora do processo no STF”.

“Era o momento de a gente estar virando a mesa. Era para esses artistas estarem alinhados ao avanço na legislação”, afirma. Caso a decisão do STF libere a publicação de biografias não autorizadas, Araújo diz que vai relançar “Roberto Carlos em Detalhes” em edição atualizada.

Araújo acredita que o Brasil deveria adotar o modelo de outros países democráticos, como os Estados Unidos, em que a constituição garante a liberdade de expressão e a legislação considera que biografias não comercializam a imagem do biografado, mas sim as opiniões e pesquisas do autor. “Nos Estados Unidos, na Espanha e em outros países europeus, o autor tem o direito de escrever. Se caluniar, responde a um processo. A nossa legislação já prevê isso. Mas o Brasil coloca uma censura prévia, algo que vemos na Rússia, na China e em países com tradição autoritária recente”, compara.