Sem show nem grana: como cancelamento do SxSW afetou artistas brasileiros
O cancelamento do festival SxSW (South By Southwest), anunciado na última sexta na esteira da pandemia do novo coronavírus, deixou vários artistas brasileiros na mão. O evento que acontece anualmente em Austin, no estado americano do Texas, e serve de farol para música, cinema e inovação teria oito nomes nacionais na programação, com uma noite inteiramente dedicada à nossa música, a Brasil Music Club, prevista para o dia 21 de março.
Com estrutura independente e voltado a cenas alternativas, o SxSW, que aconteceria entre 13 e 22 deste mês, é conhecido por não pagar cachê nem arcar com custos dos músicos convidados, deixando vistos, passagens, hospedagens, transporte e alimentação a cargos das próprias bandas ou via parcerias.
Resultado: sem o festival e com dólar nas alturas, grupos nacionais contabilizaram prejuízo de até R$ 10 mil —nem tudo é pago por eles— e, em alguns casos, turnês e importantes reuniões com selos internacionais, músicos e produtores também tiveram de ser cancelados.
Quem mais sofre nessa dança são os grupos pequenos, aqueles que não contam com apoio de grandes gravadoras e possuem cachês robustos e dependem de uma agenda gorda e da própria divulgação para continuar na ativa. É o caso da banda instrumental paulista Höröyá, que perdeu mais de R$ 6.000 referentes entre vistos americanos e taxas de embarque em aeroportos, que não puderam ser canceladas.
"Seria uma viagem de R$ 60 mil reais, mas num esquema de guerrilha, com todo mundo dormindo no mesmo quarto. Felizmente, conseguimos reaver a hospedagem, porque ficamos amigos da mulher do hotel, e também as passagens, que estavam em pré-reserva. Mas foi uma rasteira. Uma decepção muito grande", diz ao UOL André Piruka, líder da banda.
Ele também lamenta um prejuízo artístico "incalculável". "É preciso entender que somos um grupo de música experimental, que junta sonoridades da África e do Brasil. Temos vários integrantes na formação e toda uma produção envolvida. Nesse formato, fica difícil de vender nosso show aos produtores no Brasil, por sermos 'caros' e não termos viés mercadológico."
Turnê perdida
Outra banda a amargar a onda de cancelamentos em decorrência do coronavírus, a paraibana Glue Trip saiu com mais de R$ 9.000 de prejuízo, relativos a passagens áreas de ida e vistos americanos expedidos para os quatro integrantes. Foram meses de ensaios para dois shows no SxSW, e eles se hospedariam na casa de amigos nos Estados Unidos.
Mas o dano maior foi artístico. "Ainda faríamos 17 shows por lá, mas tivemos de cancelar. Depois iríamos para Europa, mas, por causa do coronavírus, estamos segurando. Também faríamos o Treefort nos EUA agora em março, que foi adiado para setembro. Quando fazemos essas turnês, os cachês dos shows praticamente pagam os custos. Tudo isso demanda muito esforço e investimento", diz Lucas Moura, vocalista do Glue Trip.
Com o alto investimento e um buraco de dois meses na agenda, os integrantes escolheram passar as próximas semanas enfurnados em estúdio, trabalhando em material para futuros lançamentos. "Quem sabe, de algo muito ruim não nasça algo muito bom? Lamentamos muito tudo o que aconteceu, que foge do nosso controle e do controle do festival, mas estamos todos otimistas."
Acompanhando por WhatsApp
Escalado para encerrar o Brasil Music Club em Austin, no Lucille Patio Lounge, o DJ carioca João Brasil, do hit "Michael Douglas", diz ter perdido quase R$ 5.000 em passagens de ida e volta, adquiridas com antecedência. "Estão achando difícil devolver o dinheiro. Mas talvez seja possível reagendar a viagem, para eu poder viajar em outra época. Estou nessa negociação", diz ele ao UOL, que ser apresentaria pela segunda vez no evento e também em outra festa em Austin, a Peligrosa.
Ele conta que, na expectativa pelo cancelamento, os músicos brasileiros do festival usaram um grupo de WhatsApp para acompanhar as notícias do coronavírus e debater o eventual cancelamento. A notícia foi comunicada aos músicos no mesmo dia do anúncio oficial à imprensa, na última sexta. Isso deixou muita gente de mãos tatas, como o duo paulistano FingerFingerrr.
"Como compramos passagens antes e não conseguimos pegar o dinheiro de volta, decidimos ir do mesmo jeito. Vamos aproveitar outros compromissos que teríamos lá. Vamos gravar clipes", revela o vocalista Flavio Juliano, que estará em Austin com o parceiro Ricardo Cifa de qualquer forma. "Ainda está rolando uma movimentação por lá, em casas de shows, bares e comércios locais, que talvez recebem alguns shows. Vamos ver o que acontece."
Nem toda a conta é o artista que paga
Parte do rombo causado pelo cancelamento do SxSW é coberto pela BM&A (Brasil Música e Artes), associação que tradicionalmente promove o Brasil Music Club em parceria com o festival e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento). É oferecida ajuda de custo e outras facilidades como o acesso a transporte e backline —a aparelhagem de amplificação nos shows, que é alugada nos Estados Unidos.
De acordo com Leandro Ribeiro, gerente de projetos da BM&A, a associação registrou um prejuízo quantificado até aqui de R$ 20 mil, dentro dos cerca de R$ 200 mil reais alocados para o festival, Mas esse número deve aumentar. "Já tínhamos contratado assessoria de imprensa e produzido material de divulgação. Estamos tentando contornar isso."
"O fato de não ter um festival como esse é um baque na continuidade do nosso trabalho, de mostrar ao mundo o que é a música brasileira orgânica, fora de estereótipos. Fazemos questão de participar da SxSW. Vamos ficar com um 'gap' em 2020 e nem digo de um ano, mas de dois. Porque vamos deixar de mostrar muita coisa a muitas pessoas importantes."
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