A segunda temporada de The End of the F***ing World poderia muito bem não existir. O primeiro ano da série, que tornou-se um fenômeno cult na internet com sua abordagem ácida, socialmente antenada e ocasionalmente surrealista das implicações de transtornos psicológicos, adapta todo o material da HQ quase homônima (seu título não censura o palavrão) escrita por Charles Forsman, sem deixar pontas soltas que não sejam propositais. O final, ambíguo, chega até a enriquecer o drama dessa comédia de humor sombrio que equilibra o tempo todo o rir com o chorar e o refletir. Ainda assim, essa continuação existe e, acredite, não decepciona
Lançada pela Netflix nesta semana (a série é uma produção do Channel 4 britânico, mas a distribuição internacional é do serviço de streaming), a segunda temporada consegue resgatar e expandir tudo de bom que o primeiro ano trouxe à tela, mesmo que, para isso, sacrifique a poesia de deixar um desfecho a cargo da mente do espectador.
Dois anos se passaram desde que James (Alex Lawther) e Alyssa (Jessica Barden), um garoto que acreditava ser um psicopata e uma garota com tendências depressivas, embarcaram numa caótica viagem pelo interior da Inglaterra. Juntos, eles penduraram contas em cafés, mataram um homem (surpreendentemente, sem quaisquer resquícios de motivação psicótica), reavaliaram suas noções de si, a relação entre eles, e se apaixonaram. Agora, eles estão separados, ambos afetados por um trágico evento na praia que fez de Alyssa uma sombra em busca de uma razão para viver, escondida numa cidadezinha e contemplando um casamento precoce e vazio, enquanto James... Bom, como (e se) ele retorna, é melhor não especificar.
O real conflito, e também como a nova temporada justifica sua existência, surge na forma de Bonnie (Naomi Ackie, impressionante): uma inesperada aliada do homem morto pela dupla de protagonistas que embarca numa caçada silenciosa para vingá-lo. Trata-se, claramente, de mais uma real psicopata colocada no caminho de Alyssa e James, numa repetição da fórmula que fez da primeira temporada tão irônica e divertida, mas com uma boa virada: um estudo mais profundo do que a levou a esse estado psicológico de quebra, antes reservado apenas aos protagonistas.
Assim, The End of the F***ing World 2 mais uma vez desenha, em meio a acontecimentos tragicômicos exagerados, um estudo humano da gênese de neuroses e psicoses, das condições que fortalecem doenças como a ansiedade e a depressão, e até de mecanismos que conduzem à psicopatia plena. Não é surpreendente que a principal resposta para todos os casos seja o abuso, em diferentes formas e por diferentes meios, numa crítica que vai muito além do maniqueísmo que o entretenimento de massa costuma usar para simplificar suas histórias.
Em tom, ritmo e estilo, a nova temporada volta a equilibrar referências a John Hughes, Wes Anderson e Quentin Tarantino. O texto da roteirista Charlie Covell, muito expresso por meio do fluxo de consciência dos personagens, é cativante, dinâmico, engraçado e atual. A direção, dividida entre Lucy Forbes e Destiny Ekaragha acompanha o ritmo com transições aceleradas, ângulos inusitados e muita comédia visual. Por fim, a trilha sonora confere à série um ar de atemporalidade, com faixas que vão de The Vogues a Bob Dylan; de Outsiders a Hank Williams.
Embora carregue em seu DNA um otimismo romântico, e encontre nesse seu segundo ano uma história mais positiva, não se engane: The End of the F***ing World não é uma série para se assistir casualmente. Os temas são pesados e há um constante incômodo permeando o desenrolar da ação, com a insistência dos personagens em repetir ciclos autodestrutivos.
Em momentos, é como ver uma pessoa querida se ferir por conta do que a própria mente dela a faz pensar de si. Mas é também essa franqueza, humanidade e até ironia ao abordar temas espinhosos que faz dela relevante num momento em que saúde mental é central a tantos sucessos na TV (This Is Us, Euphoria, BoJack Horseman) e no cinema (em especial com Coringa). De quebra, o público ainda ganha um final com cara de final, que deve ser mesmo definitivo no que depender de Covell, que já deixou claro estar satisfeita com a história.
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