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"Eu plantava o caos", diz Cuarón sobre "Roma", ganhador de três Oscars

Cuarón exibe os três Oscars que ganhou por "Roma" - Frazer Harrison/Getty Images
Cuarón exibe os três Oscars que ganhou por "Roma"
Imagem: Frazer Harrison/Getty Images

Fernanda Ezabella

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

25/02/2019 06h00

O diretor mexicano Alfonso Cuarón, que ganhou ontem três estatuetas do Oscar com "Roma", contou que a reação mais interessante ao seu trabalho foram as discussões levantadas sobre racismo, diferenças de classe e empregadas domésticas no México.

O longa recebeu os Oscars de filme estrangeiro, fotografia e direção, mas perdeu o prêmio principal para "Green Book: O Guia". "Roma" segue a relação de uma família de classe média com a empregada doméstica Cleo, de origem indígena, interpretada por Yalitza Aparicio, indicada ao Oscar de atriz. Ela cuida dos quatro filhos do casal e mora na mesma residência, no bairro La Roma, na Cidade do México, nos anos 1970.

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Cuarón ficou um ano fazendo a escolha do elenco e contou que Aparicio surgiu bem no final do processo. De imediato, soube que era a escolha certa. A atriz, que nunca tinha atuado, tem sido alvo de comentários racistas e críticas duras por celebridades e desconhecidos em seu país por estar ganhando atenção internacional sem ser atriz profissional. 

"É a primeira vez que uma mulher indígena é representada num filme mainstream [de grande alcance, no país]. E Yalitza tem sido uma influência para as pessoas, ela é incrivelmente esperta e sabe da importância do personagem", disse Cuarón, acrescentando que o país é racista, tem problemas de classes e que a discussão é necessária.

"O filme virou uma plataforma para organizações de empregadas domésticas pedirem legislação", continuou, num evento na sede da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Los Angeles. 

O diretor, que já tinha um Oscar de melhor direção por "Gravidade" (2013), contou que "ficou um pouco perdido" nos ensaios com os atores antes da filmagem, já que a maioria eram amadores. Mas a equipe criou um jogo com o elenco, que passava boa parte do tempo reunido na casa da família de "Roma", usada de locação.

"A gente dava instruções, eles se chamavam pelos nomes dos personagens e assim foram surgindo dinâmicas. Eu dava instruções específicas aos atores, de forma confidencial, mas muitas vezes eram informações contraditórias", disse. "Então eu plantava o caos e colhia os resultados. Às vezes não funcionava, era demais."

A atriz profissional Marina de Tavira, que faz a matriarca da família Sofía, teve problemas em seguir esse processo no início, enquanto Yalitza Aparicio tirou de letra. "Foi mágico. Vimos Yalitza construir seu próprio personagem, dar as nuances necessárias e costurar tudo de maneira muito sutil", disse Cuarón.

A cena em que Aparicio dá à luz no hospital foi filmada sem ela saber que o bebê nasceria morto. "Ela estava animada com a cena, achava que teria um bebê de verdade ali, vivo", contou. "Filmamos duas vezes só. Na segunda vez, quando ela já sabia o desfecho, sua performance foi inacreditável. Foi o testamento de como ela é uma grande atriz."
 
Para escrever "Roma", ele comentou que o fez em apenas duas semanas, embora o processo de pensar na história tenha sido muito mais longo.

"Queria passar para o papel minhas memórias sem contaminação nenhuma", disse Cuarón. "Decidi fazer descrições bem longas. Quebrei outras regras do roteiro também. Por exemplo, descrevi cheiros e sons. Eram essências que eu queria poder depois imprimir no filme."