Roger Waters se despede do Brasil sem menções a Bolsonaro e encurtado pela chuva
O estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, foi o palco do oitavo e último show da turnê "Us + Them"?, do músico inglês Roger Waters, antes de deixar o Brasil. Após sete espetáculos marcados por forte politização e polêmicas no clima eleitoral, em que Waters chamou Jair Bolsonaro de "fascista", a banda encarou o público pela primeira vez após o resultado das eleições ser conhecido. A confirmação da vitória do candidato do PSL não impediu que o show mantivesse o tom político, mas, desta vez, não houve menções diretas ou indiretas ao agora presidente eleito —nem o nome de Bolsonaro nem o lema "ele, não" apareceram no telão em Porto Alegre.
No palco, o repertório ouvido nas etapas anteriores da turnê se manteve, com grande presença de clássicos do Pink Floyd, dos álbuns "The Dark Side of The Moon", "Wish You Were Here", "Animals" e "The Wall". A única mudança em relação aos shows anteriores foi um bis abreviado, que Waters justificou pela chuva forte que caía sobre o estádio e os raios que riscavam o céu da capital gaúcha. "Por questões de segurança", disse o músico, "vamos pular direto para a nossa última canção". Assim, os gaúchos não chegaram a ouvir "Mother", que estava prevista para a noite desta terça-feira, indo direto para a performance de "Comfortably Numb".
As manifestações políticas da noite não fugiram ao roteiro habitual da turnê, com menções a Donald Trump e pedidos por resistência e ativismo político. Na performance de "Another Brick in the Wall, Part 2", doze crianças subiram ao palco com macacões laranjas, característicos de presidiários norte-americanos, e durante a música retiraram a parte de cima da roupa para exibir camisetas que diziam "Resist". Ao final do primeiro ato, Roger Waters conclamou os presentes a "tomar parte na resistência". Seria sua única fala direta com o público sobre o clima político atual.
No Instagram, Waters se despediu: "Obrigado por três semanas incríveis... Sejam gentis uns com os outros, Brasil!".
Ausência de críticas a Bolsonaro surpreende
Antes do show, a expectativa de muitos presentes era que as críticas a Jair Bolsonaro voltassem a aparecer no Beira-Rio. A funcionária pública Liane Cardoso comprou ingressos após a repercussão das primeiras apresentações da turnê, e decidiu levar os filhos Lívia e Caio para testemunhar o show também. "Convidei meus filhos como uma maneira de me consolar pelo resultado das eleições", disse Liane. "Eu gosto do Pink Floyd mas não sou fã de carteirinha. Decidi vir pela questão política envolvida."
Na visão da filha Lívia, o fim das eleições poderia proporcionar um espetáculo ainda mais contundente que os anteriores, já que Roger Waters não se complicaria mais com a lei eleitoral. "O risco não estava só nas eleições. Ele ainda existe no dia a dia e a crítica permanece válida", afirmou. Para Caio, sem as restrições legais que marcaram as apresentações anteriores, era a chance de "um show inteiro" com comentários sobre o novo mandatário do Brasil. "Essa galera que vaia tem que entender o que está escutando", apontou Caio.
Por outro lado, houve quem comparecesse ao show de Porto Alegre apesar do posicionamento explicitado por Waters nos momentos anteriores da turnê. Foi o caso de Rubens Gomes, que assistiu ao primeiro show em São Paulo, votou em Bolsonaro e decidiu viajar para ver a apresentação em Porto Alegre com uma camisa estampando o rosto do candidato.
"Eu lamento muito a posição política dele, até pelo fato de não conhecer a nossa situação aqui", disse Gomes, que garante ter vaiado o ídolo no Allianz Parque. ?Mas está perdoado, ele é um gênio, temos que relevar isso aí. O que importa é a arte dele e o show é espetacular", argumentou. "Eu estou curioso para saber qual será a reação dele após as eleições. De qualquer maneira, vão ter que se conformar. Chamaram ele de fascista, de homofóbico, de racista, e agora vão ter que chamar de presidente?"
No Rio Grande do Sul, onde Bolsonaro venceu com mais de 63% dos votos e os dois candidatos a governador classificados ao segundo turno anunciaram apoio ao agora presidente eleito, os gritos de "ele, não" foram respondidos com vaias, como ocorreu em outras partes do país. Nenhuma crítica direta, porém, partiu de Roger Waters.
A única menção às polêmicas anteriores ocorreu no intervalo de quinze minutos entre as duas partes do show, quando o telão voltou a mostrar uma lista de líderes apontados como neofascistas, como Trump, a francesa Marine Le Pen, e o premiê húngaro Viktor Orbán. Novamente, a última linha —onde o nome de Bolsonaro apareceu ainda no primeiro show, em São Paulo— foi censurada por uma tarja preta.
Turnê polêmica no Brasil prossegue fora
Acusada de violar a lei eleitoral, a lista de líderes neofascistas passou a apagar o nome do então candidato do PSL após o primeiro show no Brasil, substituindo-o inicialmente pela mensagem "ponto de vista político censurado" e, posteriormente, pela tarja vista em Porto Alegre.
Outros detalhes dos shows também variaram conforme o local. Em Salvador, no dia 17, Waters aproveitou para homenagear o mestre capoeirista Moa do Katendê, morto a facadas após uma discussão política na cidade na noite após o primeiro turno das eleições. Uma semana mais tarde, no Rio, o show destacou a figura de Marielle Franco, e a família da vereadora carioca assassinada no início deste ano foi convidada a subir no palco.
Na última apresentação antes das eleições, em Curitiba, na noite de sábado (27), Roger Waters foi alertado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) que poderia até ser preso se fizesse manifestações políticas após o horário permitido pela lei. Faltando dois minutos para as 22 horas, o telão informou ao público que aquela era a "última chance de resistir ao fascismo antes de domingo", e em seguida projetou a mensagem "Ele, não". Quando a hora limite chegou, foram exibidos os dizeres "obedeçam a lei", e as referências diretas pararam.
No domingo, o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Jorge Mussi, autorizou a abertura da ação apresentada pela coligação de Bolsonaro, que pedia a inelegibilidade de Fernando Haddad, candidato do PT, alegando campanha irregular nos shows de Roger Waters. Segundo os advogados de Bolsonaro, a realização de uma turnê "em desfavor da campanha" do então candidato do PSL configuraria "abuso de poder econômico e desvio de recursos não declarados para campanha eleitoral, portanto, caixa 2".
Após gerar grande discussão no Brasil, a turnê sul-americana de "Us + Them" agora deixa o país e vai a Montevidéu, capital do Uruguai, onde Roger Waters toca na noite do próximo sábado (3), no estádio Centenário. Na sequência, Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Costa Rica e México aparecem no roteiro do grupo ao longo do mês que vem.
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