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O #MeToo venceu a batalha contra Bill Cosby, mas a guerra não acabou

Bill Cosby é fotografado ao chegar para julgamento nos Estados Unidos -  Mark Makela/Getty Images
Bill Cosby é fotografado ao chegar para julgamento nos Estados Unidos
Imagem: Mark Makela/Getty Images

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

26/09/2018 04h00

Nesta terça-feira (25), o comediante Bill Cosby foi sentenciado por um juiz na Filadélfia, cidade dos EUA, a cumprir entre três e dez anos na prisão pelo estupro de Andrea Constand, uma das dezenas de mulheres que o denunciaram por abuso e assédio sexual. Cosby, 81 anos, será também registrado na lista de predadores sexuais do governo americano, o que significa passará o resto da vida em terapia e reportando suas atividades às autoridades, a fim de que não recorra em seus crimes.

O "The Hollywood Reporter" informou, em sua matéria sobre a condenação, que uma mulher que assistia ao julgamento teve uma reação visceral à condenação: ela levantou o punho no ar e sussurrou um vitorioso "sim!", ouvido por todo o tribunal. É uma comemoração compreensível, não só pela retirada de um homem perigoso das ruas, mas também pelo que a sentença de Cosby representa para o movimento #MeToo.

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Trazido à tona pelas denúncias de assédio em Hollywood no final do ano passado, o #MeToo na verdade existe desde 2006. É fruto do ativismo da americana Tarana Burke, que criou o movimento na rede social MySpace e tem usado a frase (que pode ser traduzida como "Eu Também") para promover "ações solidárias entre mulheres negras que sofreram abuso sexual" desde então. A hashtag foi usada pela atriz Alyssa Milano na época das denúncias de assédio contra Harvey Weinstein, estendendo a influência do #MeToo para vítimas de todas as cores, credos e gêneros.

Cosby é a primeira celebridade a ser condenada à prisão por crimes sexuais na era do #MeToo. Para conceder um pouco de perspectiva a tudo isso, no entanto, é preciso reconhecer que o caso contra o comediante vem desde 2005, quando Andrea Constand primeiro reportou o seu estupro às autoridades da Filadélfia. O caso tem uma longa e complicada história que inclui um acordo financeiro travado entre os advogados de Cosby e da vítima em 2006.

Andrea Constand deixa tribunal após julgamento de Bill Cosby - Mark Makela/Getty Images - Mark Makela/Getty Images
Andrea Constand deixa tribunal após julgamento de Bill Cosby
Imagem: Mark Makela/Getty Images

A denúncia de Constand foi reaberta em 2015, ainda antes da explosão do #MeToo. Na sua declaração durante o processo de 2006, que foi liberada para o público apenas uma década depois, Cosby admitiu que havia dado à vítima pílulas sedativas fortes, que conseguiu com um ginecologista. O comediante ainda confessou que usava a droga em vários de seus "encontros sexuais", pintando o retrato de um uso recreacional consentido das pílulas. Constand, no entanto, relatou que Cosby a disse que os comprimidos eram de um calmante de farmácia, o Benadryl.

O caso caminhou em passo de formiga para o tribunal - e foram precisos dois julgamentos para que uma sentença fosse dada. No primeiro, que concluiu em junho de 2017, o júri não conseguiu decidir, mesmo após dias de deliberações, se Cosby deveria ser considerado culpado ou inocente. O "empate técnico" levou a um segundo julgamento, com um grupo diferente de jurados, que foi concluído em abril de 2018 com um veredito de culpado.

Em suma, o caminho de Constand desde sua primeira denúncia (em 2005) até a condenação do seu estuprador (em 2018) foi longo e cheio de obstáculos. Embora ativistas do #MeToo e seus apoiadores com certeza devam comemorar esta como a primeira vitória concreta do movimento, o fim desta batalha está longe de significar o fim da guerra.

Bill Cosby é algemado após ser condenado nos Estados Unidos - Mark Makela/Getty Images - Mark Makela/Getty Images
Bill Cosby é algemado após ser condenado nos Estados Unidos
Imagem: Mark Makela/Getty Images

Só no último mês, pelo menos três investigações contra homens proeminentes acusados de assédio sexual e estupro foram abandonadas por promotores: Kevin Spacey não enfrentará consequências legais pelas denúncias contra ele em Los Angeles, embora a investigação em Londres continue; o mágico David Blaine não está mais sendo investigado pela Scotland  Yard pelo estupro de uma modelo em 2004; e Nick Carter, membro dos Backstreet Boys, também viu um caso de estupro contra ele ser descartado pela promotoria americana. Nos dois casos registrados em Los Angeles -- contra Spacey e Carter --, a justificativa os promotores afirmam que os casos já foram prescritos, ou seja, aconteceram por um período maior do que o considerado legal para que fossem iniciados os procedimentos de investigação e julgamento.

Enquanto isso, Harvey Weinstein ainda aguarda julgamento em liberdade, após pagar US$ 1 milhão de fiança e entregar o seu passaporte para autoridades nova-iorquinas. O produtor, acusado por dezenas de mulheres de assédio sexual de estupro, é indiciado por três destes casos, e seu advogado Benjamin Brafman já anunciou que Weinstein pretende lutar contra as acusações e continuar se declarando inocente frente ao juiz. É outra batalha legal que pode durar tanto quanto aquela contra Cosby.

Os trâmites judiciais de casos de assédio sexual e estupro ainda são muito lentos nos EUA, embora a atenção midiática e a pressão social do #MeToo tenha feito milagres para acelerá-los, e para retirar uma parte acusados da vida pública, onde podem perpetuar estes comportamentos. A sentença de três anos de Cosby, quando a expectativa da promotoria era de 30 anos encarcerado, também mostra que não é realista esperar que Weinstein receba a condenação máxima - em seu caso, prisão perpétua.

Quando o tema é espinhoso como assédio sexual no ambiente de trabalho, especialmente um que concentra tantas relações de poder desproporcionais quanto Hollywood, obter justiça nunca é fácil. A condenação de Bill Cosby é simbólica, mas é só um tímido primeiro passo para mudar isso.