Como a Netflix quer gastar (e bem) o dinheiro que você paga a eles
Em 2018, a Netflix vai ganhar exorbitantes US$ 15 bilhões com as assinaturas de seus 117 milhões de membros. E a empresa tem uma meta principal: garantir que esse dinheiro seja bem gasto.
"Este ano nossos assinantes vão nos mandar US$ 15 bilhões de seu dinheiro suado, e cabe a nós pegar esse dinheiro e transformá-lo em ótimo conteúdo para benefício deles", disse o CEO Reed Hastings em conversa com jornalistas do mundo inteiro, incluindo a reportagem do UOL, no escritório da Netflix em Los Angeles (EUA). "A cada série que fazemos, nos perguntamos se gastamos bem o dinheiro do cliente: 'Criamos uma série que muitas pessoas querem ver, em relação ao custo?'".
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Não à toa, a Netflix gastará neste ano US$ 8 bilhões em 700 produções originais. Uma parte significativa desse montante irá para contratos multimilionários assinados com Shonda Rhimes (de "Grey's Anatomy") e Ryan Murphy (de "American Crime Story"). Dois dos criadores mais rentáveis da TV americana, eles firmaram com a plataforma negócios estimados na casa dos US$ 100 milhões e dos US$ 300 milhões, respectivamente.
Os valores são elevados até para o competitivo mercado de TV americano, mas, segundo Hastings, representam uma aposta da Netflix para trazer o bom conteúdo que eles tanto querem oferecer ao consumidor. "Nos preocupamos em pagar demais? Sempre. Estamos tentando administrar bem o dinheiro do assinante, então tentamos fazer negócios em que os criadores tenham incentivos para criar conteúdo incrível para nossos clientes".
Hastings sabe que há riscos. "Estamos fazendo apostas, e parte do nosso conteúdo pode não funcionar. E isso faz parte de ser agressivo e tentar esse tipo de coisa, mas estamos dispostos a tentar", completou, acrescentando que vê "boas chances de sucesso" na parceria com Murphy, que deve começar a trabalhar em produções para a Netflix já no meio de 2018.
Conteúdo internacional e cotas
A estratégia da Netflix para cuidar bem do dinheiro do assinante também envolve investimentos em conteúdos locais. Só no Brasil, por exemplo, a empresa já trabalha com cinco séries originais: "3%", "O Mecanismo", "Samantha!", "Coisa Mais Linda" e a recém-anunciada "Sintonia", criada pelo produtor musical Kondzilla.
"Fundamentalmente, a empresa está se tornando uma plataforma para encontrar os melhores criadores do mundo e compartilhar o conteúdo deles em todos os lugares, seja na Alemanha com 'Dark', no Reino Unido com 'The End of the F***ing World' ou no Brasil com '3%'", avaliou Hastings.
Questionado sobre as cotas para conteúdo local, presentes ou discutidas em muitos dos mercados onde o serviço opera, o executivo notou que nem sempre dão bons resultados, apesar de serem "bem-intencionadas". "No Canadá, por exemplo, é produzido muito conteúdo de uma qualidade não tão boa só para cumprir a cota, o que não fortalece o conteúdo canadense".
"Mas somos simpáticos ao objetivo", ressaltou. "Como um país garante que Netflix, YouTube ou qualquer empresa de internet invista nessas histórias? Acredito que cabe a nós nos adiantarmos e investirmos em todo o tipo de conteúdo na Europa e no mundo. Claro que se alguma regulamentação passar, teremos que segui-la. Mas a regra geral no mundo é que as isenções fiscais para estimular investimento têm funcionado bem".
No Brasil, as cotas para conteúdo são uma realidade na TV paga desde a implantação da Lei 12.485, em 2011. No entanto, em setembro de 2017 o Ministério da Cultura, liderado por Sérgio Sá Leitão, abandonou a ideia de estabelecer a mesma regra para os serviços de streaming.
Crítica vs. público
No final do ano passado, a Netflix entrou no embate que há anos domina a TV e o cinema: afinal, o que conta mais, a opinião da crítica ou a do público? "Bright", filme estrelado por Will Smith, chegou a receber de veículos especializados a pecha de "pior filme de 2017", mas se tornou o longa original mais assistido da empresa em seu fim de semana de estreia.
E é o amor do público que realmente conta para a empresa, segundo Hastings. "Não prestamos muita atenção ao que os críticos dizem ou ao que isso representa. Francamente, meu gosto está levemente alinhado ao dos críticos, mas isso é irrelevante. Estamos em um negócio de agradar às pessoas. Se muitas pessoas amam, é um grande sucesso".
O executivo admitiu que os números de audiência, que a plataforma não divulga, são usados para monitorar de perto a reação dos assinantes. "Nós medimos as visualizações e também quantas pessoas assistem a todo o filme, contra as que largaram no meio. Porque se alguém assiste por 30 minutos e para, isso não é sucesso para nós nem para o cliente. É no assistir completamente que nós prosperamos, e 'Bright' e 'Cloverfield Paradox' tiveram bons retornos nisso".
Competição com Disney-Fox e Amazon
A compra da Fox pela Disney, pela nada modesta quantia de US$ 52,4 bilhões, não é vista como uma ameaça por Hastings, apesar de a concorrente já ter anunciado que lançará um serviço de streaming próprio em 2019. "Ambos são bons produtores de conteúdo, e juntos serão ainda mais. A ameaça é nós ficarmos desleixados. Temos que lutar um pouco mais, contar as histórias mais ousadas que conseguirmos, compartilhá-las abertamente. Nos forçarmos a ser ótimos contadores de histórias".
Citando o exemplo da HBO, que também cresceu nos últimos anos, ele notou que há espaço para vários serviços deste tipo: "Não é uma soma zero". Quanto à Amazon, com a qual a Netflix já concorre há anos no streaming, o executivo ressaltou que ambas empresas têm seus sucessos, e que a estratégia da Netflix é continuar focada naquilo que faz bem. "Se produzimos ótimas séries e filmes, os clientes vão nos amar e vamos continuar sendo bem-sucedidos. Se nos distrairmos tentando copiar outras pessoas, nunca vamos ser bem-sucedidos naquilo".
No rol das iniciativas que a empresa definitivamente não irá copiar, está a transmissão de esportes ao vivo, algo já feito pela Amazon. "Seguir um concorrente? Nunca, nunca, nunca", disse Hastings, categórico.
Futuro da TV (e da Netflix)
A Netflix vez ou outra é acusada de estar causando a ruína das redes de TV tradicionais. Na visão do executivo, porém, a situação é diferente. "Na verdade, estamos comprando [conteúdo] delas em muitos casos", afirmou. "Os hábitos das pessoas estão se transformando. Em 50 anos a TV linear será muito menor, e a maioria das emissoras se tornarão emissoras de internet, da forma que a BBC começou como uma emissora de rádio e expandiu para a TV".
E como fica o futuro da própria Netflix, que precisa sustentar seus grandes gastos em conteúdo a longo prazo? "Como você mantém isso com uma assinatura barata? A resposta é: você tem que ter muitos membros. E nós temos mais de cem milhões de assinantes e não há motivo para não continuarmos a crescer conforme mais pessoas descubram os nossos benefícios. É assim que pagamos por isso".
Inclusão
Depois do Oscar, muito se falou da cláusula da inclusão, um dispositivo contratual citado pela atriz Frances McDormand para garantir que elenco e equipe das produções se tornem mais diversos. Mas a Netlfix, que fez fama com produções de elenco diverso como "Orange Is The New Black" e "Glow", não deve adotar a cláusula em seus contratos, de acordo com Hastings.
"Estamos tentando fazer as coisas pelos meios criativos. Não usamos os meios contratuais para muitas coisas. O que fazemos é falar sobre quão diversos são os nossos cineastas, quantas mulheres, quantas pessoas de diferentes etnias estão trabalhando no nosso conteúdo".
*A jornalista viajou a convite da Netflix
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