Topo

Dois Papas: Meirelles usa humor para "iluminar" relato sobre papa Francisco

Jonathan Pryce e Anthony Hopkins em cena de Dois Papas - Divulgação/IMDb
Jonathan Pryce e Anthony Hopkins em cena de Dois Papas Imagem: Divulgação/IMDb

Alicia García de Francisco

De Madri

19/12/2019 11h55

Fernando Meirelles é fã assumido do papa Francisco, um dos motivos que o levaram a dirigir Dois Papas, filme em que não esconde o lado misterioso do pontífice, mas com um envoltório brilhante e bem-humorado "para iluminar a história".

Com Jonathan Pryce na pele do papa Francisco e Anthony Hopkins como Bento XVI, o longa-metragem mostra os possíveis encontros entre os dois pontífices em um exercício de estilo, humor e elegância que chega nesta sexta-feira à Netflix, após ter estreado nos cinemas.

Inicialmente, o filme seria um retrato de Francisco, mas, devido ao livro O Papa, de Anthony McCarten, passou a contar com a figura de Bento XVI como um contrapeso à figura do argentino.

"A história toda é baseada numa pesquisa profunda, em entrevistas, em livros, nos sermões", explicou Meirelles. Segundo o brasileiro, alguns dos discursos foram transformados, palavra por palavra, em diálogos.

Detalhes como Bento XVI ter Fanta como o refrigerante preferido e Francisco ser apaixonado por futebol (ele é torcedor do San Lorenzo) são fatos reais que contribuíram para a veracidade de um filme que recria o que podem ter sido esses encontros e a relação entre os dois papas.

O passado de ambos também vem à tona, como o papel de Francisco na ditadura argentina e a relação de Bento XVI com o nazismo.

Os dois temas aparecem no longa-metragem, além da postura silenciosa de Jorge Mario Bergoglio quando era líder dos jesuítas na Argentina, já que Meirelles constrói a narração com flashbacks da juventude do argentino.

O passado de Joseph Ratzinger, com o possível encobrimento de casos de abuso de menores por clérigos, é menos explorado na obra. Embora já tivesse gravado conteúdo sobre o assunto, Meirelles opinou que o filme se tornaria uma história sobre os problemas da Igreja Católica caso essa parte fosse mantida.

"Não era a intenção livrar o Vaticano, falamos de corrupção e abuso de crianças no filme. Para mim, é um filme muito honesto", comentou.

O diretor de Cidade de Deus (2002) garante que não quis evitar nenhuma questão polêmica e admite que, embora a situação esteja mais calma agora, "há dois ou três anos houve muitas reprovações contra Francisco na América Latina".

Segundo o cineasta, o primeiro compositor no qual pensou para fazer a trilha sonora do filme foi o argentino Gustavo Santaolalla, que recusou a oferta.

"Ele me disse que nunca participaria de um filme do papa porque ele era um colaboracionista. Ele não está sozinho nessa ideia, muitas pessoas pensam assim", disse Meirelles, que, no entanto, declara que "a agenda política atual precisa de muitos como Francisco".

"Sou um grande fã do papa Francisco", afirmou o brasileiro, que não se importa de admitir que pensou que o pontífice "faria mais mudanças na Igreja do que está fazendo".

"Eu pensava que ele seria um revolucionário como João XXIII foi em seu tempo, mas ainda acho que ele é um papa muito importante", acrescentou o diretor, que mostra no filme o carisma do papa argentino através de uma soberba atuação de Pryce, que foi indicado para um Globo de Ouro pelo trabalho, assim como Hopkins.

Pryce foi a primeira escolha do brasileiro para interpretar Francisco, devido à semelhança física, mas a Netflix precisava de um nome de peso no elenco — logo, ele só pode ser contratado após Hopkins aceitar interpretar Bento XVI.

Os dois atores são muito diferentes. Hopkins é um pianista, metódico e muito meticuloso, e precisava de um roteiro completamente fechado para trabalhar. Já Pryce é como um músico de jazz, não tão interessado nas palavras como na linguagem corporal e no estado mental do personagem.

O resultado é um filme de grandes atuações e cheio de matizes, com uma bela recriação do Vaticano e da Capela Sistina, apesar da impossibilidade de filmar em palcos reais.

O longa foi recebido com certo alívio por pessoas próximas ao papa Francisco, como o cardeal Turkson, de Gana, que assistiu ao filme, gostou e disse que esperava algo pior, mais crítico, tanto que pediu à equipe uma cópia do filme para o pontífice.