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Como o Rush acabou aos poucos e encerrou as atividades sem dizer adeus

Neil Peart, baterista de quase todos os discos do Rush - exceto o primeiro - Divulgação
Neil Peart, baterista de quase todos os discos do Rush - exceto o primeiro
Imagem: Divulgação

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

26/01/2019 04h00

Quantas vezes você já duvidou de uma "turnê de despedida"? Ozzy Osbourne e Kiss são algumas das bandas que já prometeram deixar os palcos e seguem na ativa. Já o Rush, maior nome da história do rock progressivo, fez justamente o contrário - e é capaz de muita gente sequer ter notado que o fim chegou. O trio canadense não tem chances de voltar a se apresentar ou retornar ao estúdio, segundo os próprios integrantes.

Se você quiser culpar alguém, boa parte dessa responsabilidade pode cair em Neil Peart. Pois é, o baterista é quem definiu o futuro do Rush. O trio teve uma formação estável desde seu segundo disco, a estreia em estúdio de Neil Peart com a banda, ocorrida em "Fly By Night", quando ele se juntou a Geddy Lee (baixo e voz) e Alex Lifeson (guitarra). E foi este trio que seguiu até o fim, sem que os integrantes vissem chance de serem substituídos ou trocarem peças na banda. 

Então, quando Neil Peart decidiu se aposentar como baterista, não sobrou nada a fazer. Foi o fim do Rush. Sem grande alarde, sem uma grande decisão, apenas um processo que desenrolou para o fim.

O problema é que Neil Peart é um tanto recluso digitalmente, quase não dá entrevistas e não divulga novidades sobre sua vida nas redes sociais. Assim, a mensagem demorou a chegar, e veio da boca principalmente de Geddy Lee.

A banda Rush - Marcelo Justo/Folhapress - Marcelo Justo/Folhapress
Neil Peart em ação na sua sempre enorme bateria
Imagem: Marcelo Justo/Folhapress

Neil Peart, que tem papel chave nas composições do Rush, até indicou com letras bem claras em 2015 que estava na hora de pendurar as baquetas. "Minha filha Olivia me apresenta aos amigos da escola dele como 'um baterista aposentado.' Isso é verdade. E não me dói perceber isso, é como todos os atletas, há um momento no qual você sai do jogo", disse ele. A decisão teria relação com as dores que o desgastavam, fruto de artrite e tendinite crônica.

No entanto, ainda havia a esperança de que o grupo ficasse junto para compor e para tocar shows mais espaçados, sem a pressão das turnês mundiais. 

Mas é preciso por na equação que Peart teve problemas familiares que o afetaram e o fizeram querer ficar mais tempo próximo dos seus. Após as mortes da primeira mulher, Jacqueline Taylor, e da filha Selena Taylor, em 1998, ele se casou de novo e teve Olivia, filha que nasceu em 2009, com a fotógrafa Carrie Nuttall.

O primeiro sinal

De acordo com a revista "Rolling Stone", a última turnê sequer deveria ter saído do papel, se a decisão final tivesse sido de Peart. De certa forma, ele acabou sendo pressionado por Alex Lifeson, que começava a sofrer de artrite, mas que pediu a chance de ir para a estrada com o Rush por uma última vez. "Eu percebi em um contexto meio solidário que não queria ser o cara a desligar as máquinas. Eu deixei uma janela aberta que se alguém quisesse tocar, eu o faria", disse Peart. "E Alex deu essa cartada. Eu tive um ataque naquela noite, mas no dia seguinte falei: 'tudo bem, vamos lidar com isso'."

A R40 teve 35 datas na América do Norte e os empresários até tentaram prolongar a turnê, o que foi barrado pelos músicos. Peart sofreu no meio da jornada um problema sério no pé.

Ele ia de show a show viajando de moto e, após tomar uma chuva torrencial, pegou fungos que causaram uma infecção grave. "Tocar bateria virou uma agonia".

O fim, por Geddy Lee

Para Geddy Lee, ainda havia esperanças após aquele último show. Questionado pelo "The Guardian" se ele sabia que eles estavam terminando ali, explicou: "Não totalmente. Neil (Peart) estava convicto, tocou como se fosse o último show, tanto que ele deixou a bateria e se juntou a nós num abraço no palco, coisa que ele disse que nunca faria. Mas eu ainda estava otimista, o que não aconteceu. Acho que Alex (Lifeson) aceitou mais que era o fim. Eu penso que nós detonamos naquela noite, mas é difícil dizer pois os últimos vinte minutos foram muito emotivos. Foi a primeira vez que me engasguei em um microfone. Então, no fundo, uma parte de mim sabia que era o fim".

geddy lee  - Getty Images - Getty Images
Geddy Lee em ação com seu baixo
Imagem: Getty Images

O baixista, tecladista e vocalista nunca escondeu a saudades de tocar com seus parceiros. "Não sinto falta de pegar estrada, mas sim de estar no palco com aqueles caras, o que era uma grande honra pra mim. Tenho certeza que voltarei a tocar ao vivo, mas nada vai substituir a intensidade do que era um show de três horas com o Rush, aquilo me fazia dar o máximo de mim, coisa rara em minha vida". À rádio SiriusXM, complementou. "Alex e eu fomos visitar Neil há poucas semanas e nos mantemos em contato. Ainda somos parceiros e todos nos falamos, mas aquele período de nossa vida acabou."

Geddy teve apenas um álbum solo na carreira, "My Favourite Headache", de 2000, gravado com Ben Mink na guitarra e Matt Cameron na bateria. Na última semana, ele definiu como "bem possível" que lance um novo disco. "Eu estive focado no livro ["Geddy Lee's Big Beautiful Book Of Bass"] nos últimos anos. Mas, quando terminar a promoção dele, vou voltar minha mente para compor", disse ele, à CTV.

Alex Lifeson, ainda segundo Lee, tem frequentado estúdios e gravado com diversas pessoas, mas ainda não há notícias de que ele lançará um sucessor para seu disco solo, "Victor", de 1996.

O fato é que o Rush clama que não é "dessas bandas" que troca integrantes. E por isso, sem Peart, devem sobrar apenas Lee, Lifeson, ou algo que junte os dois, mas sem levar o nome do ícone do prog rock. 

"Não somos do tipo de pegar outros membros, botar na banda e seguir", diz Lifeson. "O Rush nunca foi assim, nunca faríamos algo assim". Lee concorda: "Sempre dissemos que se os três não estivessem a bordo, não faríamos nada. Se um cara não quer fazer isso, que eu amo, isso dói. Mas não há o que fazer." 

Após 40 anos, o Rush deu adeus sem saber, ali no palco, e com Peart num lugar inédito, na frente do palco, garantindo um fim inesquecível. "Eu nunca tinha cruzado a linha de bateria. Eu fico atrás dela e nunca vou à frente, porque não é meu território. Mas eu me convenci a ir lá. Era a coisa certa a se fazer."