Afinal, o GRLS! foi o festival das minas ou das gays?
Quem entrou no Memorial da América Latina no sábado (7), primeiro dia da primeira edição do festival GRLS!, se surpreendeu com o público presente formado, em sua maioria, por homens. Não que isso seja exatamente incomum - algumas pesquisas realizadas nos Estados Unidos revelaram que o público de festivais costuma ser quase 60% masculino. É possível projetar que os números sejam parecidos no Brasil.
Mas a maioria masculina surpreendeu por, de alguma maneira, ir na contramão do que pretendeu ser o GRLS!: um festival com um lineup exclusivamente feminino e uma série de palestras e workshops (ou "talks") que discutem os papéis de gênero e questões ligadas ao feminino. Criado por Paola Wescher, uma das promotoras do Popload Festival que acumula mais de 20 anos trabalhando com festivais, o GRLS! foi divulgado com um discurso de empoderamento e respeito às minorias.
E, de fato, as minorias estavam presentes. Grande parte dos homens que formavam o público eram gays, com muitos acessórios estampados com as cores da bandeira LGBT e camisetas e faixas que traziam o nome da headliner do dia: Kylie Minogue. É possível que a cantora australiana tenha influenciado no público presente; afinal, ela é considerada um ícone gay desde seu começo de carreira, nos anos 1980.
O casal Renê Marques, 41, e Fábio Elias, 33, fazia parte da multidão de homens que esperava a cantora no sábado. Fãs de Kylie desde 2000, depois do estouro do grande hit "Can't Get Out of My Head", os dois compraram os ingressos para o festival imediatamente depois do anúncio de que Kylie estaria no line-up. "Quando eu coloco as músicas para tocar, eu viajo na dela, porque ela é linda, ela é sexy, ela é sensual e não é vulgar. É isso que ela me passa", explica Renê.

Moradores de Recife, o casal se enrolava em bandeiras do estado de Pernambuco para deixar claro que saíram de longe para vê-la. "Quero mostrar que vim até São Paulo só para ouvir todos os 'hinos'", diz Renê. Seu pedido foi atendido: em uma hora e meia de show, Kylie tocou suas músicas mais famosas, de "The Loco-Motion" a "All the Lovers", com direito a globo de espelho e bailarinos no palco para intensificar o clima de boate gay.
Mas a contradição com o nome do festival não passou em branco, e chegou a ser motivo de piadas nas redes sociais: "A maior quantidade de gay por metro quadrado tá localizada aqui no GRLS! pro show da Kylie Minogue", disse um membro do público no Twitter. "Gente o GRLS! parece balada gay, 80% viado, 20% minas, tem que rever esse nome aí...", disse outra.
Empoderamento para todos
No domingo, o público parecia mais equilibrado para o show do quarteto britânico Little Mix (na apresentação, acabou sendo um trio: o grupo foi desfalcado por Perrie Edwards, que cancelou sua participação dois dias antes do festival), conhecidas por ter diversas músicas sobre empoderamento feminino, como "Salute" e "Power", e se declararem feministas. Como seria natural para uma girlband, uma parte da plateia também era formada por crianças e adolescentes.

Carregando uma bandeira LGBT nas costas enquanto aguardava pelo Little Mix, o mineiro Bruno de Almeida Moreira, de 19 anos, saiu da cidade interiorana de Teófilo Otoni (MG) para assistir ao show da britânicas. Foram dez horas de ônibus e uma de avião para chegar a São Paulo. Ele fala que as cantoras também são preocupadas com questões LGBTQ+ e fazem o possível para conscientizar os fãs. "Todas apoiam muito o movimento LGBTQ+, então elas querem muito colocar na mente dos fãs mais retrógrados que isso é algo normal."
Durante o show, elas fizeram uma apresentação emocionante de "Secret Love", canção dedicada a relacionamentos entre pessoas de mesmo sexo, enquanto exibiam no telão uma bandeira do Brasil com as cores da bandeira de arco-íris.

A carioca Mariana Holst, 22, que acompanha das cantoras desde 2015, acha inevitável que um festival com diversas atrações parte da cultura pop atinja esse público. "Estou acostumada com o Rock in Rio, e você percebe a diferença de um público voltado para a cultura rock e para a cultura pop", fala. "Acaba enquadrando muita gente que é diminuída por gostar de pop: não só mulheres, mas também os LGBTQ+."
De baixo para cima
A criadora Paola Wescher conta que a ideia do festival surgiu em meados de 2015, enquanto estava em Buenos Aires com alguns outros promotores da América Latina. Para facilitar contratações e negociações, ela pensou em de fazer um festival no Dia Internacional da Mulher e contemplar, além do Brasil, países como Argentina e Chile. O projeto não saiu do papel até agosto do ano passado, quando a promotora viu que o 8 de Março de 2020 cairia num domingo e decidiu vender sua ideia para a T4F.
As atrações acabaram não se apresentando em outros países devido ao curto tempo de negociação, mas a primeira edição do GRLS! foi realizada com sucesso. Paola conta, porém, que ela e os demais organizadores ficaram surpresos com a presença masculina em peso no festival —mas a surpresa foi mais positiva do que negativa. "Quando pensamos na escalação fizemos uma pesquisa de dados de nas redes sociais e sempre chegávamos a um público que era em torno de 45% homens e 55% mulheres. Mas uma coisa é o que a gente consegue de informação nas redes e outra é o que acontece, não temos controle", fala. "Para mim, isso indica que temos um mercado ainda maior e no ano que vem podemos duplicar ou triplicar o nosso público."
Line-ups mais equilibrados
O esforço de tornar line-ups mais equilibrados entre os dois gêneros tem sido global. No ano passado, por exemplo, o Primavera Sound, grande festival realizado anualmente em Barcelona, anunciou que a edição de 2019 seria denominada "The New Normal" ("o novo normal", em tradução livre), pretendendo normalizar o equilíbrio entre atrações femininas e masculinas. Nos line-ups de 2019 e 2020 do festival, as mulheres representam cerca de 60% dos artistas confirmados.
Para Paola, esse esforço tem que vir de baixo para cima: ou seja, mais mulheres trabalhando como promotoras poderia garantir um line-up mais diverso e equilibrado. "No Popload, sempre tivemos essa preocupação porque, por eu ser mulher, naturalmente já penso em incluir mulheres. [Mas] são poucas as mulheres bookers, promotoras, na América Latina. Os line-ups são reflexo disso."
Mas Paola faz questão de frisar que o objetivo do festival é incluir a todos, e se diz satisfeita com o resultado da primeira edição:
Se [a comunidade LGBT] se sentiu representada, eu fico feliz. O festival teve uma energia boa, as pessoas se sentiram felizes, acolhidas. Claro que tem coisas que precisamos arrumar para a próxima edição, mas eu estou feliz com o resultado
11 Comentários
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É só remover a segunda letra da sigla e tá tudo certo.
Se, foi uma surpresa para os organizadores o público que compareceu ao festival, sinal que nada sabem dos artistas convidados e mais estudos devem ser feitos. kylie Minogue e Little Mix são plateia para público gay SIM. Festival bem mal organizado, sem informações prévias, confusão com vendas de ingresso... no dia foi lindo mas foi um péssimo exemplo de organização entre outras coisas....