A dona do show

Conheça Paola Wescher, a mente e a força por trás do Popload

Débora Miranda Do UOL, em São Paulo Julia Rodrigues/UOL

"Você precisa escolher quem você não vai pagar. As pessoas não podem trabalhar achando que vão receber." Quando ouviu isso de um sócio, Paola Wescher tinha 24 anos e estava prestes a realizar a terceira edição de um festival em Curitiba que não tinha vendido ingressos suficientes para pagar as próprias despesas.

Abandonada pelos parceiros na véspera do evento, levou três anos até conseguir quitar todas as dívidas. E hoje, quase duas décadas depois, ela lembra do episódio com voz embargada e olhos marejados, mas sem se esquecer do que aprendeu.

"O meu pai me ensinou que dinheiro vai e volta. Mas o que você é, a sua carreira e o seu nome, isso fica para sempre. Ele me disse: 'Você vai perder dinheiro neste ano. Mas, se você fizer uma coisa bem-feita, depois vai recuperar. E se você for uma pessoa íntegra, não enganar ninguém, você vai passar por isso. Pode demorar, mas você vai conseguir sobreviver'."

Lição aprendida, Paola conseguiu, de fato, sobreviver. Hoje comanda a marca Popload ao lado do sócio Lucio Ribeiro, plataforma que une portal, festival indie e site de venda de ingressos e que, em março deste ano, foi comprada pela T4F (Time For Fun), gigante do entretenimento.

Avessa a entrevistas, fotos e badalação, Paola topou conversar com o UOL sobre sua trajetória, os tropeços, as conquistas, a fama de difícil, a parceria e a amizade com o sócio de mais de uma década. E, na véspera da sétima edição do Popload Festival, que acontece nesta sexta-feira, no Memorial da América Latina, em São Paulo, comemora mais um sonho realizado: oshow inédito da lenda do punk Patti Smith. "Acho que vou chorar horrores."

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"Gostava de trabalhar, mas não de ir para a aula"

Paola não se formou na faculdade. Queria cursar letras, sociologia ou publicidade, mas a família vetou. Acabou fazendo administração de empresas. "Naquela época eu ainda respeitava a vontade dos meus pais [risos]. Fiz o que era mais fácil de passar, para que eles parassem de perturbar a minha vida", lembra.

O desânimo para os estudos, no entanto, não se aplicava quando o assunto era trabalho. Paola começou a ajudar o pai em sua empresa de ar condicionado ainda na adolescência. Fez um curso de publicidade e viajou para San Diego, na Califórnia, para um estágio em uma produtora. "Eu tinha 17 anos, não era uma pessoa exemplar, ia trabalhar meio que fedendo a álcool [risos]. Fazia muita besteira e resolvi voltar para o Brasil."

Retomou a faculdade, rodou em várias empresas, trabalhou com produção e com marketing. "Eu gostava de trabalhar, mas não gostava de ir para a aula." Eventualmente, a faculdade ficou para trás.

Antes disso, no entanto, foi convidada para trabalhar na Fundação Cultural de Curitiba, cidade em que vivia. "Sempre tinha abertura de exposição, lançamento de filme, música, teatro. Então, todo dia à noite tinha alguma coisa muito mais interessante para fazer do que ir para a aula. Foi lá que eu me encontrei e vi que era com isso que eu queria trabalhar. Com cultura."

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O show de 100 mil dólares

Curitiba havia virado a capital americana da cultura e era função da secretaria organizar um grande evento para cada área artística. "Foi quando eu criei um festival, que era o Curitiba Pop Festival. Eu gostava muito de música, ia a vários shows e percebi que existia um gap. Havia os festivais grandes, como o Free Jazz, e os festivais pequenos independentes, como o Abril Pro Rock. Mas não existia nada médio. Minha ideia era pegar bandas internacionais maiores e bandas nacionais mais alternativas."

Paola teve que viabilizar a ideia. Com Leandro Knopfholz, que era o diretor artístico, aprendeu a vender patrocínio. "Ia às reuniões e ficava observando, aprendendo. Também não sabia como comprar um show de banda internacional", conta. Foi Marcos Boffa, que nessa época já promovia festivais, quem a ajudou. "Ele era indie, movimentava a cena alternativa em São Paulo. Aí fui atrás dele e pedi ajuda para trazer Breeders. E assim me envolvi nesse mercado."

No segundo ano do festival, Paola ficou sabendo que o Pixies ia voltar aos palcos para uma turnê com apenas dez shows. "Como eu tinha trazido o Breeders no primeiro ano, fiquei amiga da Kim e da Kelley [Deal, irmãs gêmeas que integravam a banda; Kim fez parte também do Pixies]. Foi o ano em que elas tinham parado de usar drogas, estavam muito mal, mas de alguma forma eu me conectei com elas. Fiquei amiga também do tour manager, que era meio empresário delas na época. Então, quando ouvi os rumores de que o Pixies ia voltar, falei: 'Vou trazer o Pixies' [risos]."

Paola entrou em contato, então, com a agência que estava cuidando da turnê, determinada a agendar o show. "O empresário me disse que eu não ia conseguir comprar. Respondi que precisava do preço, e ele me pediu 100 mil dólares. Na época era muito! Fui então falar com o Cássio [Chameki, secretário] e o Leandro, e eles disseram que íamos conseguir levantar esse dinheiro com patrocínios. Escrevi o fax confirmando o negócio. Nunca vou esquecer... Compramos o único show que a banda faria na América do Sul."

O festival estava agendado para acontecer na Ópera de Arame, em Curitiba, e os ingressos esgotaram rapidamente. "As pessoas ficaram com muita raiva, xingavam, ameaçavam a gente de morte [risos]. Aí decidiram reabrir a Pedreira Paulo Leminski [espaço para shows ao ar livre], que estava fechada havia tempos. Na época, para reabri-la, precisava dinamitar uma parte por causa da saída de emergência. E assim foi feito."

Depois disso, o festival saiu dos domínios da Fundação Cultural. "Viram que tinha muito potencial e havia um medo de que ele morresse quando a gestão terminasse. Então, me disseram: 'Abra a sua empresa e leve o festival'. Eu nem sabia o que estava fazendo, tinha 23 anos. Mas fui. Seria o ano do Weezer."

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Um golpe bem dado

"Eu estava sozinha. Quer dizer, tinha os sócios, eles falaram que iam me apoiar. Mas tem umas partes tristes nessa história... Nem tudo na vida é fácil. No terceiro ano do festival eu perdi muito dinheiro. Quando meus sócios viram que isso ia acontecer, me falaram: 'A gente dá um dinheiro para você sair, você cancela tudo. Você vai precisar de dinheiro para se restabelecer. Mas se você quiser fazer o festival, está sozinha. Porque a gente está fora'."

Quando Paola decidiu que seguiria com o evento, um dos antigos parceiros voltou. "Foi ótimo, porque ele tinha muita experiência. Uma semana antes, ele me disse: 'Você precisa escolher quem você não vai pagar. Porque você não vai ter dinheiro para pagar todo o mundo e você precisa avisar essas pessoas. Elas não podem trabalhar achando que vão receber'. Aí, antes da montagem, eu conversei com todo o mundo, falei que ia pagar metade, que não sabia quando ia pagar o resto. E quem quisesse sair, tudo bem. Todo o mundo ficou, muita gente diminuiu o valor pela metade. E esse foi o último ano do festival em Curitiba."

A experiência mostrou a Paola que: "Quando você abre uma venda de ingressos e não decola no primeiro dia, você vai perder dinheiro". Mas ela conta que aprendeu muitas outras lições nessa época. "Aprendi a dever dinheiro, porque eu achava que ia ser presa no dia seguinte. Aprendi a pagar dívidas. Foi tudo bem importante."

Depois de trazer Pixies para o Brasil, eu achava que, com 23 anos, sabia tudo. Foi um golpe bem dado para eu me situar, para que eu soubesse quem eu era na vida.

Sobre ter perdido dinheiro ao promover um festival

Reprodução

Acendam suas velas indies

Foi ainda na época do primeiro festival que Paola acabou conhecendo o jornalista Lucio Ribeiro. "Lembro que ele publicou uma matéria na Folha de S.Paulo dizendo: 'Acendam suas velas indies se esse festival sair'. Eu vim para São Paulo, ele estava discotecando em uma festa e fui lá só para xingá-lo [risos]."

Mas a verdade é que, tempos depois, traumatizada por todas as dificuldades que havia enfrentado, Paola não queria mais saber de fazer festival. Nem de ficar em Curitiba. "Vim para São Paulo com uma mão na frente e outra atrás. Morava de favor na casa de uma amiga de infância e meu pai me mandava um dinheiro mensal que era ridículo. Mas eu achava que não tinha mais nada a aprender em Curitiba. Se eu vencesse em São Paulo [se emociona]... Se eu conseguisse sobreviver e vingar no meu mercado, era porque eu realmente era uma boa profissional."

Paola pediu emprego a amigos, participou de sociedades e, naturalmente, promoveu muitos outros shows. Mas a vida mudou de verdade quando ela reencontrou Ribeiro. "Eu tinha a maior birra do Lucio, justamente pelo motivo que a maioria das pessoas tem: ele sempre falava que tal banda era a melhor do momento, da vida, do minuto", diverte-se.

Mas, um dia, os dois saíram para almoçar e ela lançou: "Quero te empresariar". Paola percebeu que a coluna Popload, assinada por ele na Folha de S.Paulo, tinha um público cativo e, portanto, atraía anunciantes. "Você deveria estar ganhando esse dinheiro", ela disse a ele. "Perguntei: 'Posso te vender?'. E ele: 'Beleza'. Ainda era uma época em que ninguém acreditava na internet, mas eu acabei vendendo o trabalho dele para o IG, que era enorme, por sei lá quantas vezes o que ele ganhava na época. Não tinha nem comparação."

E foi assim que a marca Popload, em formato de plataforma, deu seus primeiros passos. Além da produção de conteúdo, havia programa de rádio on-line. E os shows, que mostravam que os leitores, até então virtuais, também se interessavam pela música independente na vida real.

A birra virou, então, amizade. "O Lucio é a pessoa que me aguenta. Ele e meu marido, mas ele há mais anos [risos]. Ele é meu amigo, meu parceiro, está comigo há 13 anos, segura as minhas pontas, e a nossa troca é muito natural. Eu sou a pessoa que não gosta de sair. Não sou supersociável, gosto de ficar quieta no meu canto. Sou tímida. E o Lucio está em todos os lugares, fala com todo o mundo, é querido com todo o mundo. E isso é excelente para a Popload, isso é a nossa fonte da juventude. É o jeito de estar próximo do público, de saber o que ele quer."

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"Não sou de conversa, sou de ação"

Paola diz que faz tudo no Popload e conta que o jeito para os negócios "está no sangue". "Quando era pequena, as brincadeiras que eu fazia eram de vender suco na rua. E vender gibi. Fazer negócio para mim é natural, eu adoro negociar, sinto prazer, é uma coisa louca."

A fama de difícil vem daí —e Paola admite que prefere agir a falar. E até por isso não participa ativamente de associações ou grupos que fazem parte do seu universo de atuação. "Não sou uma pessoa de muita conversa, sou de ação. E, como não sou sociável, sofro muito de ter que ir às associações e ver as pessoas reclamando das mesmas coisas. Sou impaciente com o fazer. Entre pedir e fazer, eu prefiro fazer. Entre esperar e fazer, eu prefiro fazer."

A venda da marca para a T4F veio coroar esse trabalho. Paola conta que sempre teve o grupo como referência, como "a empresa de entretenimento que deu certo, que consegue fazer desse mercado que é uma bagunça um negócio rentável".

"A T4F era a chance de a gente crescer de uma forma bem mais organizada. Estávamos fazendo o que amávamos, achando que estávamos numa garagem, mas já não estávamos. E quando vira negócio não é mais tão legal, tem muito problema. Eu fazia tudo sozinha, era uma carga muito pesada para mim, sempre ficava doente."

Os planos, agora, são crescer, rejuvenescer e deixar a marca mais pop. "Se a marca envelhecer comigo e com o Lucio, a Popload morre", decreta. A primeira ação é fazer com que a plataforma se integre totalmente e ainda há planos de levar o festival para outros países. "Tem mercado para isso. Acho que na crise em que os países da América do Sul estão, se a gente estiver bem estável como marca no Brasil, pode arriscar nesses locais."

A T4F sabia que a marca era eu e o Lucio, era a nossa cabeça. A Popload sempre foi muito coração, sempre foi emocional. É a minha vida e a vida do Lucio. A gente ama o que a gente faz e se diverte muito. Mas esta é a primeira vez que eu não fico doente em véspera de festival

Sobre a intenção de permanecerem trabalhando na marca Popload, mesmo após a venda para a T4F

Lista de ingressos

Quando começaram a crescer e a ganhar dinheiro com a Popload, Paola e Ribeiro decidiram que era a hora de retribuir. "Queremos cada vez mais investir na plataforma social", conta ela, referindo-se à iniciativa de distribuir ingressos em troca de trabalhos voluntários em ONGs parceiras.

"A primeira coisa que a gente pensou foi: como a gente consegue fazer com que as pessoas que não têm dinheiro possam ir aos shows? As pessoas mandavam muitas mensagens com suas histórias de vida, pedindo ingressos, mas como dar para um e não para o outro? Criamos então o conceito de que se ela doar horas dela para um trabalho que ajuda alguém, aí sim ela ganha ingresso."

Ela continua: "Para mim isso tem muita importância. Nem eu nem o Lucio temos interesse em continuar fazendo shows apenas para quem pode pagar. A gente quer que isso cresça, porque é assim que se fomenta a cultura, fazendo com que ela chegue a quem não tem oportunidade. Eu adoraria que o projeto fosse ainda maior, mas até hoje não conseguimos nenhuma marca parceira. Elas acham lindo, mas não põem dinheiro."

Pedidos de ingresso, aliás, são um tema com que Paola lida muito bem, obrigada. "Poucas pessoas pedem diretamente para mim, pois sou aquela que fala não. Sempre prefiro dar a quem eu sei que não tem dinheiro para comprar e a quem me ajudou a vida inteira."

Para quem ela nunca dá? "Famoso", avisa. "Famoso está ganhando dinheiro, ele pode pagar. Eu sou muito antissistema. Quem tem fama e tem dinheiro ganha as coisas, quem é pobre se fode. Eu não consigo entender isso."

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Mulheres, presente!

Abrir espaço para mais mulheres no mundo da música também é uma preocupação. "É um mercado dominado por homens e extremamente machista. Nas mesas de reuniões sempre são homens, todos os promotores com quem me relaciono são homens. Acho que até por isso sou tão direta, é o jeito que aprendi a me defender."

Ela diz que, ainda hoje, é normal ter de ouvir piadinhas, mas que não recua. "Nunca tive medo e sou uma pessoa que não confia nos outros. Por isso tenho fama de briguenta, eu acho. Eu não sou brava, só não sou uma flor. E não fico acuada. Não me coloco mais nesse lugar."

A grande presença feminina no line-up do festival ela diz que é natural, pois sempre ouviu muitas artistas mulheres. "De uns anos para cá, a gente vem pensando mais nisso. Vai vir um festival da T4F e da Poplaod que é para empregar mulher. Porque a diferença ainda é muito ridícula, é gritante. Os tempos mudaram, e a gente precisa balancear algumas coisas", afirma, sem dar mais detalhes do novo projeto.

Entre as mulheres que a inspiram, Paola cita Emma Banks, agente com mais de 25 anos de experiência e que já trabalhou com grandes nomes da música internacional, como Katy Perry, Arcade Fire, Lorde and Florence + The Machine; além de Marsha Vlasic, presidente da agência AGI (Artist Group International).

"São mulheres que galgaram espaço quando tudo era muito mais difícil. Além disso, a Rita Lee é sempre uma excelente referência para a gente que gosta de música. Ela sempre rompeu um monte de estereótipos, fez o que queria, do jeito que queria. E, óbvio, Elza Soares."

Falando em artistas, alguém que sonhava em trazer para o Brasil e ainda não conseguiu? "Quem sonhava, não consegui nem vou conseguir é o Leonard Cohen. Com a Patti Smith eu também sonhava e acho que vou chorar horrores no show. Ela é muito foda. PJ Harvey e Wilco também eram um sonho. Mas tem ainda Neil Young e Elvis Costello, com quem sempre quis fazer um show especial."

As Donas do Show

Este é o primeiro capítulo de uma série de reportagens do UOL Entretenimento com histórias de mulheres que não necessariamente são famosas ou estão em cima do palco, mas que se tornaram referências no universo da arte.

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