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"É só um beijo!", diz menino de 8 anos que protestou na Bienal

Pedro Otávio, 8 anos, protesta na Bienal pela falta de gás na sua escola - Marcelo de Jesus/UOL
Pedro Otávio, 8 anos, protesta na Bienal pela falta de gás na sua escola Imagem: Marcelo de Jesus/UOL

Lola Ferreira

Colaboração para o UOL, no Rio

08/09/2019 04h00

Com apenas oito anos de idade, Pedro Otávio já chama a atenção por suas ideias. Na linha frente do ato que encerrou o penúltimo dia da 19ª Bienal Internacional do Livro do Rio, ele portava um cartaz pedindo ao prefeito Marcelo Crivella o restabelecimento do gás na cozinha de sua escola. "Coloca gás na minha escola. Estou sem merenda há dois dias".

Pedrinho chamou a atenção também por entoar com toda força os gritos de "não vai ter censura" ou aqueles que pediam por mais educação de qualidade.

De acordo com a mãe dele, Camila Motta, 30 anos, a ideia do cartaz veio do menino, sem nenhuma interferência de adultos. Pedrinho perguntou o que estava acontecendo na Bienal, já que tinha visita marcada para este sábado. Quando a mãe explicou a ação do prefeito para tentar retirar as histórias em quadrinhos com beijo gay das prateleiras, o menino questionou o motivo.

"Ele disse: 'Mas, mãe, é só um beijo! A minha escola não tem gás há dois dias. Não era isso que o prefeito deveria estar vendo?'", afirma Camila.

Indignado com a situação, Pedrinho perguntou se poderia fazer a visita com um cartaz de protesto e foi prontamente apoiado pela mãe. Ao contar do momento em que ouviu o pedido do filho, Camila se emociona.

"Criança é o futuro. E, diante de tanto retrocesso, tenho o sentimento de que o estou criando certo. Por mais que ele veja tanto ódio em torno dele, consegue compreender da forma correta como as coisas realmente são e consegue entender o que é errado", conta a mãe.

Estudante da Escola Municipal Avertano Rocha, na Cidade de Deus, Pedro faz questão de destacar a falta de gás na escola: "Se você for lá, a cozinha está completamente vazia, porque não tem o que fazer. E tem criança passando fome". A preocupação com os que estão à sua volta se reflete na profissão escolhida para "quando crescer": Pedrinho quer ser médico.

Camila afirma que atos como o que encerrou a Bienal neste sábado (7) dão a ela esperança de ver um mundo melhor para o filho: "A gente mostra que não vai ficar assim. As pessoas têm que ser conscientes na hora de votar. A gente paga muito bem nossos representantes, então ele [Crivella] precisa tomar conta do que é competência do município e fazer o trabalho dele".

Manifestação

"Onde houver ódio que eu leve amor", foi com esta frase que centenas de participantes andaram pelos três pavilhões da Bienal do Livro do Rio na noite de ontem (7) por volta das 20h30. Crianças, adolescentes e também casais LGBT+ saíram da mesa "Literatura arco-íris" em direção à sala administrativa onde a Secretaria Municipal de Ordem Pública estava reunida com a direção do evento.

Durante o ato, houve um jogral afirmando que "a Constituição assegura todo o direito à liberdade de pensamento e de expressão". Aos gritos de "Fora, Crivella", alguns manifestantes choraram.

Houve nova fiscalização na Bienal do Livro em busca de obras LGBT+ que não estivessem "protegidas" para crianças e adolescentes. Diferentemente da fiscalização de sexta (6), os agentes estavam à paisana. A recomendação foi feita pela organização da Bienal, para evitar que houvesse reação do público à ação ostensiva.

Sob argumento do artigo 78 do ECA, que pretende barrar pornografia, a decisão de fiscalizar as obras expostas na Bienal vem na esteira de eventos que teve início na quinta-feira (7), quando o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, afirmou que a história em quadrinhos "Vingadores: a cruzada das crianças" era um atentado contra as crianças por conter um beijo gay. O livro não tem nenhuma cena pornográfica.

Ainda assim, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro permitiu que a Prefeitura do Rio fiscalizasse todas as obras expostas na feira de livros em busca de obras LGBT+.

Neste sábado, a Bienal bateu recorde de público em um único dia: foram cerca de 70 mil pessoas.