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Fernanda Young ganha homenagem em texto de Fernanda Torres: "Fui seu alter ego"

26/08/2019 11h29

(...) A morte dela é também a minha, a de nós todos. Tão nova, e linda, e mãe, e mulher pra cacete. Como é possível?"

A atriz Fernanda Torres fez homenagem à xará, Fernanda Young, que morreu neste domingo, em Gonçalves (MG). Em um texto escrito para a revista Época, Torres falou do tempo em que elas trabalharam juntas em Os Normais, quando interpretou a personagem Vani.

Young era uma das roteiristas da série, coestrelada por Luiz Fernando Guimarães, e Torres considera que Vani era uma espécie de alter ego da fluminense de Niterói, que interpretava nas telas.

Os Normais - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

"Por caminhos que ninguém explica, nos fundimos numa mesma Vani. Por três anos de série e duas películas dos Normais, fui seu alter ego anárquico e desconcertante. Ganhei de bandeja um ser tão potente, tão fruto das qualidades da Young, que acabei me tornando ela. Me tratavam, até hoje me tratam, de doida demais na rua", escreve Fernanda Torres.

Elas perderam contato mais íntimo, mas se falaram recentemente. "Há cerca de um mês, depois de assistir Shippados, lhe escrevi para dizer o quanto havia gostado do seriado. Hoje, nossa última troca de e-mails me serve de alento. É como se o destino tivesse me dado a chance de confessar o meu amor, minha gratidão e admiração por ela."

Ontem, Fernanda Torres já havia comentado a morte, no Instagram:

Fernanda Young teve uma crise de asma seguida de parada respiratória, ontem, e foi enterrada no mesmo dia.

Confira o texto completo de Fernanda Torres:

Tínhamos o mesmo nome, Fernanda, e também escrevíamos e atuávamos, uma mais, outra menos, uma menos, outra mais. Mas éramos diferentes.

Devo muito à Fernanda , à jovem e young Fernanda de Nikiti Niterói.

Por caminhos que ninguém explica, nos fundimos numa mesma Vani. Por três anos de série e duas películas dos Normais, fui seu alter ego anárquico e desconcertante. Ganhei de bandeja um ser tão potente, tão fruto das qualidades da Young, que acabei me tornando ela. Me tratavam, até hoje me tratam, de doida demais na rua; riem comigo e agradecem o prazer da convivência com aquela alma liberta. Minha persona pública se mesclou com a da Fernanda sem que eu tivesse que ter o peito, a ousadia e a coragem dela de encarar a cafonice do mundo, de denunciá-la e virá-la do avesso.

Fernanda e Alexandre são dois punks que se travestiram de cordeiros, de noivos, de normais, para incitar a loucura geral da nação. E eu e Luiz Fernando Guimarães surfamos na pele deles, do Rui Alexandre e da Vani Fernanda, no melhor "ménage a quatre", na melhor das orgias que um ator pode sonhar participar.

Por isso, a morte dela é também a minha, a de nós todos. Tão nova, e linda, e mãe, e mulher pra cacete. Como é possível? Passado o estupor da notícia, me veio a tristeza imensa, imensurável, de quem perdeu uma parte de si mesmo. Só posso explicar assim.

Fernanda limpando as gavetas, num programa que fez para a TV fechada; Os Aspones, Minha Nada Mole Vida e Macho Man; O Pau e a Vergonha dos Pés; e a coelhinha da Playboy, e as entrevistas, e as crônicas; e a foto da semana passada, dela nua, tatuada e sexy, beijando outra Fernanda. Ela fará mais que falta nesse melê retrógrado, nesse pesadelo moralista e tosco em que nos metemos.

Quase não nos falávamos, mas há cerca de um mês, depois de assistir Shippados, lhe escrevi para dizer o quanto havia gostado do seriado. Hoje, nossa última troca de e-mails me serve de alento. É como se o destino tivesse me dado a chance de confessar o meu amor, minha gratidão e admiração por ela.

Os Normais e os Shippados são parentes próximos. Mas o Enzo e a Rita de Eduardo Sterblitch e Tatá Werneck possuem uma dor, um romantismo melancólico que inexistia na euforia doida demais de Rui e Vani. A consciência do amor. Algo que a Fernanda e o Alexandre devem ter aprendido com o casamento e as crias, com o tempo e a vida.

Em resposta ao elogio, Fernanda concluiu com uma frase que, hoje, me soa como profética: "ensinai-me a entender o mistério do sofrimento." Foi a última linha que me escreveu. Desde que soube de sua partida, não tenho pedido outra coisa.

O mundo que pariu Os Normais nos permitia ser crianças, alegres e loucos. Youngs. Não mais.