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Faltou elevar o Cosmo no decepcionante remake de Cavaleiros do Zodíaco

Nova versão de "Os Cavaleiros do Zodíaco" para Netflix ganha primeira imagem com novo visual - Divulgação
Nova versão de "Os Cavaleiros do Zodíaco" para Netflix ganha primeira imagem com novo visual Imagem: Divulgação

Eduardo Pereira

Do UOL, em São Paulo

29/07/2019 04h00

Os Cavaleiros do Zodíaco, o anime original dos anos 80, está longe de ser perfeito. Mas a série brilha com uma sincera e emocionante história de amizade, enquanto joga com o misticismo da cultura oriental e sua visão sobre a astrologia. Há um charme e uma honestidade ali que não marcam presença no remake que estreou recentemente na Netflix.

Por mais que a modernização corrija o que muitos diriam ter envelhecido mal (as lutas estão mais rápidas, o mundo parece mais próximo da nossa realidade), ela derrapa no mais importante: no final das contas, não se parece com Cavaleiros do Zodíaco. Faltou elevar o Cosmo.

Na nova versão, os tais cavaleiros são menos como guerreiros lendários e mais como super-heróis renegados. Antes protetores ocultos por conta de sua tradição, agora eles se escondem porque são vistos como ameaças para forças militares. As armaduras antigas, que antes carregavam em grandes caixas de pedra, agora se transformam em pequenos medalhões (que mais lembram plaquetas de identificação usadas por soldados americanos), matando aquela aura de introspecção e respeito que era tão fascinante. Quando os personagens as vestem, é na maioria das vezes para enfrentar helicópteros, tanques de guerra ou experimentos de laboratório. Podia ser Power Rangers, podia ser o Hulk do Ang Lee.

Comercialmente, faz sentido. Como o UOL mostrou em visita a Tóquio, a Toei Animation formatou essa nova versão do anime com dois objetivos: internacionalizar ainda mais a saga e torná-la mais universal. As vozes originais, por exemplo, não foram gravadas em japonês, mas sim em inglês. Até nomes de protagonistas, na versão norte-americana, foram radicalmente trocados. Além disso, a própria caracterização dos personagens foi aproximada da cultura dos EUA: Seiya, agora, anda de skate.

Não há mais dualidade entre golpes e poderes dos cavaleiros (é tudo, claramente, poder). Há muito mais ciência, e muito menos misticismo; até a importância do Zodíaco passa um tanto quanto batida. Sangue? Pode esquecer!

Tudo isso faz com que o remake pareça uma versão água com açúcar do que já foi feito, que não traz novidades relevantes à história e introduz conceitos mal explorados que levam a lugar algum. Pode interessar às crianças? Parece que sim, mas não exibe uma identidade que, num cenário tão saturado de opções, pareça ser capaz de segurar o interesse dos menores. Pode trazer algo de relevante para os velhos fãs? Parece que não. Até o novo vilão, o militar Vander Graad, que poderia representar o embate entre a tradição dos cavaleiros e o mundo moderno, acaba genérico e sem razão de ser.

Seiya x Shiryu - Reprodução - Reprodução
Uma das lutas mais importantes do original, Seiya x Shiryu passa voando na nova versão
Imagem: Reprodução

Para piorar, ao forçar os cavaleiros a se esconderem da humanidade, o novo anime mata passagens empolgantes do início da história. Lembra da Guerra Galáctica, um tipo de WWE de cavaleiros, com torcida fervilhando? Agora, ela acontece em um bunker, no meio do nada, com mais ou menos 10 pessoas. Até a clássica luta entre Seiya e Shiryu, que definiria a mais importante amizade da saga, dura poucos minutos, nos quais os personagens mal conhecem um ao outro. Difícil acreditar que alguém possa ir de querer matar uma pessoa a querer morrer por ela depois de trocar cinco socos e umas quatro frases.

Há também a tentativa colocar na origem dos cavaleiros um conflito ideológico, na onda de anti-heróis relutantes, ou super-heróis humanizados, que há anos bombam nos quadrinhos; algo que nunca foi uma marca do anime original. Não funciona, assim como não funciona a tão polêmica decisão de fazer de Shun de Andrômeda uma mulher.

A escolha do homem mais sensível dentre os protagonistas para ter seu gênero alterado dá à luz uma personagem que incorpora todos os estereótipos femininos que vemos há anos sendo desconstruídos no entretenimento. Logo, tudo envolvendo a Shun acaba sendo paternalista ou misógino -- especialmente sua relação com o irmão, Ikki. Seria ele o personagem ideal para ter o gênero alterado. Forte, raivoso, intenso, incumbido de proteger o caçula desde a infância. Num duelo entre uma mulher com essas características contra um irmão delicado e amoroso, que o novo Cavaleiros do Zodíaco conseguiria, de verdade, desafiar padrões.

Shun mulher - Reprodução/Netflix - Reprodução/Netflix
Shun de Andrômeda é mulher na nova versão de Os Cavaleiros do Zodíaco
Imagem: Reprodução/Netflix


O que funciona, muito graças ao retorno na versão brasileira dos dubladores Hermes Baroli (como Seiya), Élcio Sodré (como Shiryu) e Francisco Bretas (como Hyoga), é o resgate à relação entre os personagens. Se a nova Shun causa estranheza (não ajuda também que a dubladora Ursula Bezerra tenha a voz tão associada a um personagem masculino de animes, o Naruto), o reencontro com as vozes do trio e de Leonardo Camilo (como Ikki) apelam à memória afetiva. Mas só. O ritmo apressado, a arte que é bonita apenas em alguns momentos, e a falta de profundidade nos novos temas introduzidos fazem da experiência de assistir ao remake algo sem propósito.

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