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"Era Uma Vez em Hollywood", filme de Tarantino, é uma decepção monumental

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes (França)

21/05/2019 16h05

O filme mais aguardado do ano estreou mundialmente em uma sessão lotada para a imprensa, agora à tarde, no Festival de Cannes. Antes de "Era Uma Vez em Hollywood" começar, um representante do evento subiu ao palco e leu um pedido de Quentin Tarantino: que nenhum jornalista presente na sessão revelasse mais do que deveria em suas críticas e reportagens, para não atrapalhar a experiência do espectador quando o filme entrar em cartaz pelo mundo.

Nem precisava: qualquer pessoa de bom senso vai saber guardar silêncio sobre o que acontece no filme - e de fato há algumas surpresas criativas e interessantes. Mas o que Tarantino não conseguirá evitar, infelizmente, é que os jornalistas digam a grande verdade sobre seu novo longa: "Era Uma Vez em Hollywood" é uma decepção monumental.

Quer dizer: decepção para quem ainda tinha grandes expectativas sobre o diretor, que foi uma das vozes mais autênticas do cinema americano da década de 1990, com filmes como "Cães de Aluguel" (1992) e "Pulp Fiction" (1994), mas que há anos vem se repetindo filme após filme, em uma fórmula estética e temática da qual se tornou um lastimável prisioneiro.

O novo longa, pelo menos, traz uma novidade a ser valorizada: não é uma história de vingança - e isso já é uma evolução. Mas há uma repetição de uma constante em sua carreira: a homenagem ao cinema. Desta vez, o foco é no poder transformador da sétima arte, na capacidade de Hollywood de criar sonhos, de modificar a realidade - e, assim, nos ajudar a viver.

Filme à deriva

Tarantino - Andreas Rentz/Getty Images - Andreas Rentz/Getty Images
Imagem: Andreas Rentz/Getty Images

Pode parecer algo positivo, até poético, mesmo que sem muita novidade (quantos filmes sobre Hollywood já não tiveram essa mesma intenção?). Mas o problema é que, em sua cinefilia obsessiva, ao que parece Tarantino se desconectou de vez do mundo fora da tela. Fez um filme chocantemente desligado da realidade - tanto da de hoje quanto daquela da época em que o filme se passa, no fim dos anos 1960. "Era Uma Vez em Hollywood" é um filme à deriva, perdido no tempo.

A tônica do longa é dada por um dos gêneros favoritos de Tarantino, o western, agora adaptado para diversas situações na fervilhante Los Angeles de 1969. Era a época da explosão hippie, da geração enfurecida com a Guerra do Vietnã, empenhada em revoluções comportamentais e nos movimentos feministas, negros e sexuais. Mas no filme, nada disso tem muito relevo. Os hippies até aparecem, mas mostrados em um retrato superficial e caricato, por vezes até preconceituoso. Isso quando não estão na tela como um grande estorvo social. Tarantino tem a mesma visão moralizante sobre a juventude que os velhinhos conservadores daquela época. Algo fica claro: a devoção do cineasta por aquela época se dá antes pelo seu apelo estético do que pelo seu significado subversivo.

Tarantino cria uma trama meio verdadeira, meio fictícia, sobre um astro de filmes e séries B da televisão chamado Rick Dalton (Leonardo DiCaprio, a melhor coisa do longa), que sofre por perceber sua carreira entrando em declínio. Afinal, já não é tão jovem e não soube gerenciar direito a própria trajetória (o excesso de bebida também contribuiu para sua derrocada). Ele conta, no entanto, com a amizade incondicional de seu dublê, Cliff (Brad Pitt), que também já tentou a carreira de ator, mas que hoje se contenta em viver à sombra do parceiro.

Rick mora em uma casa em Los Angeles na Cielo Drive, rua para onde, logo no começo do filme, se mudam o diretor Roman Polanski e sua mulher, a atriz Sharon Tate, naquela época um dos casais mais cool de Hollywood. Na casa da dupla, meses depois uma tragédia aconteceria: Sharon Tate, então grávida, e mais três amigos seriam assassinados por um grupo de jovens filiados a uma seita racista, liderada pelo abominável Charles Manson.

Não cabe aqui dizer detalhes sobre como a trajetória de Tate e de Rick confluem, mas o diretor traça um paralelo entre a derrocada dele e a ascensão profissional dela (quando morreu, Tate era uma atriz bastante promissora). Mas isso surge de uma maneira mal elaborada, com uma porção de cenas que parecem que vão dar em alguma coisa, mas que terminam frustrantemente no vácuo, sem dizerem a que vieram. É o roteiro mais frouxo de Tarantino, com o agravante de que, desta vez, não conseguir nem mesmo ser engraçado; aliás, na maior parte do tempo, seu filme sequer é divertido.

A recriação de época é extraordinária, mas muitas vezes a impressão que se tem é que o filme inteiro existe apenas para Tarantino se divertir na reconstituição daquele período. As cores, os produtos industrializados, a moda, a música: "Era Uma Vez em Hollywood" é mero pretexto para o diretor recriar e filmar esses elementos. Não há uma ideia, sequer um conceito por trás; o filme é lastimavelmente oco. É um brinquedo nas mãos de um adulto com cabeça de criança.

Crime tratado com futilidade

Sharon Tate - Divulgação/VF - Divulgação/VF
Imagem: Divulgação/VF

O diretor gasta grande parte da minutagem de seu filme encenando trechos de cenas dos programas e filmes de qualidade duvidosa protagonizados pelo personagem de DiCaprio. Ali o filme é mais honesto, porque Tarantino ao menos está fazendo aquilo de que realmente gosta: dirigir cenas descomprometidas, de estética excessiva e que não pretendem ser nada além de mero passatempo.

Talvez "Era Uma Vez em Hollywood", no geral, também não se preocupe em ser nada muito sério, mas tratar com futilidade um tema como o assassinato de Tate, em um filme que se passa em um período da história em que tudo era tão politizado, é uma ideia no mínimo discutível.

O maior diferencial de Tarantino no começo de sua carreira foi ser capaz de levar elementos e energia adolescente para produtos voltados ao público adulto; usava o pop para transmitir sua visão de mundo. De lá para cá, no entanto, ficou absorvido demais pelo universo que ele mesmo criou, enquanto o bonde do mundo (e do cinema) continuou a passar. Sua paixão excessiva pelo cinema lhe fez mal: tornou-lhe um diretor cada vez mais pueril. É muito triste ver um homem que já revolucionou uma arte hoje fazer produtos tão pouco desafiadores e enquadrados. "Era Uma Vez em Hollywood" é um filme tristíssimo.