Diretor de "Bacurau", Kleber Mendonça diz que Brasil de hoje "parece uma distopia"
Kleber Mendonça Filho pode ter optado por não fazer protesto no tapete vermelho de Cannes, ontem à noite, mas foi bastante combativo com o governo Bolsonaro na conversa com a imprensa, hoje pela manhã. O cineasta disputa a Palma de Ouro por "Bacurau", filme que co-dirige com Juliano Dorneles, que se passa em um futuro não muito distante, em uma cidadezinha no sertão de Pernambuco que, estranhamente, de uma hora para outra, some do mapa.
O filme começou a ser concebido há uma década, mas se parece muito com o Brasil da era Bolsonaro. "Começamos a pensar no filme em 2009, e não deveria soar dramático de forma alguma", disse Mendonça, na conversa com a imprensa. "Fiz outros filmes no caminho, muitas outras coisas, mas às vezes eu e Juliano nos reuníamos para voltar a 'Bacurau'. Depois de 'Aquarius', comecei a trabalhar mais sobre o filme. Não acho que seja uma projeção de onde as coisas vão parar, mas trabalho com uma percepção, uma atmosfera. O que acontece não é restrito ao Brasil", disse o cineasta. "Durante o processo, a realidade vinha alcançando o filme. É difícil... O Brasil de hoje parece uma distopia em vários aspectos"
O filme é uma história de resistência, de um vilarejo contra forças opressoras, o que pode ser visto como uma metáfora sobre a situação de certos grupos no Brasil de hoje.
"[Uma maneira de resistir é] não perdendo a sanidade. Não podemos pensar em coisas como 'perdemos 30% da educação' como algo normal. É isso: não se pode começar a concordar com o que você não acha certo", disse, referindo-se à recente anúncio de cortes do governo Bolsonaro na área da educação superior.
Mendonça comentou as manifestações de ontem pelo Brasil contra o corte do orçamento da educação. "Éimportante expressar sua infelicidade com o que acontece na sociedade. Nós apoiamos integralmente esse movimento", disse.
"Foi uma coincidência interessante isso acontecer enquanto estamos aqui no Brasil", completou Dorneles. "Tanto a gente aqui quanto eles lá estamos fazendo a nossa parte para não deixar que continuem destruindo nosso país"
Mendonça comentou a notificação que recebeu contestando a prestação de contas de seu filme "O Som ao Redor" (2013). O Ministério da Cidadania exige que ele e sua produtora retornem, até junho, R$ 2,2 milhões aos cofres públicos.
"Durante a filmagem de 'Bacurau' recebemos uma notificação do Ministério da Cultura de Temer pedindo para retornar o dinheiro de 'O Som ao Redor'. Nunca aconteceu com nenhum diretor, foi algo sem precedentes, especialmente em se tratando de um filme que foi entregue e se tornou referência internacional. Quando 'Bacurau' foi anunciado na disputa de Cannes, eles logo chegaram com outro anúncio na imprensa sobre essa questão, o que não foi coincidência", disse Mendonça, ressaltando que está com advogados tratando da questão.
Em 2016, Mendonça fez um protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff no tapete vermelho de Cannes, quando apresentava o filme "Aquarius". Ele e a equipe do filme levaram cartazes dizendo que o que se passava era uma tentativa de golpe de Estado. "Sou muito orgulhoso do que aconteceu no tapete vermelho em 2016", disse.
"É incrível ter este e outros filmes brasileiros expostos em Cannes enquanto tentam acabar com a cultura e esconder tudo o que é feito [pelos artistas brasileiros]. É ótimo que seja visto à luz do dia. É uma das várias razões que nos levou às lágrimas ontem", disse o cineasta.
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