Cancelada, "One Day at a Time" era a série de TV que melhor entendia a homofobia
ATENÇÃO: Este texto contém spoilers das três temporadas de "One Day at a Time". Não leia se não quiser saber o que acontece.
Os fãs de "One Day at a Time", sitcom da Netflix, lamentaram ontem a notícia do cancelamento da série após três temporadas. A produção conquistou o seu fiel grupo de admiradores não só pela excelência cômica, como também por abordar questões sociais importantes de forma sempre acertada -- entre elas, a vivência LGBTQ+ e a homofobia dentro do ambiente familiar.
A decisão do cancelamento vem, pelo menos em parte, por conta do esforço da Netflix para se firmar como produtora, e não só distribuidora, de conteúdo -- "One Day at a Time" era fruto da parceria com a Sony, e por isso já estava em posição fragilizada dentro da plataforma.
Enquanto o estúdio promete tentar achar uma nova casa para a série, sabemos que será uma missão difícil. A Netflix tem os direitos exclusivos das três temporadas já lançadas, de forma que produzir um quarto ano de "One Day at a Time" não parece um bom negócio para outros serviços de streaming e canais convencionais.
É uma pena, mas pelo menos "One Day at a Time" teve tempo de contar uma das histórias sobre homofobia mais importantes dos últimos anos de TV. No decorrer de suas três temporadas, a série da Netflix mostrou Elena (Isabella Gomez) sofrendo com a rejeição do pai, Victor (James Martinez), se fortalecendo no amor do resto de sua família, e encontrando enfim uma espécie reconciliação.
O mundo fora do armário
A decisão tomada por Elena de se assumir para a sua família foi um dos momentos centrais da primeira temporada de "One Day at a Time". Logo de cara, a série acertou ao não forçar uma circunstância em que a sexualidade de Elena é exposta sem sua permissão, baseando as cenas decisivas de sua saída do armário em diálogos com a família.
Penelope (Justina Machado), a mãe de Elena e protagonista da série, sabe que não há nada de errado ou imoral na sexualidade da filha -- mas, ainda assim, tem algumas dificuldades para entendê-la, acolhê-la e (com o tempo) celebrá-la. A jornada da personagem é honesta, refletindo como um pai ou mãe que respeita a causa LGBTQ+, mas nunca precisou pensar muito nisso, provavelmente lidaria com a descoberta que seu filho ou filha faz parte desta comunidade.
A situação é diferente quando Elena reencontra o pai, que trabalha com segurança privada fora dos EUA e vem para o país a fim de comparecer à festa de aniversário de 15 anos da filha. O "machão" Victor (James Martinez) não reage bem quando a filha se assume para ele, negando-se a reconhecer que sua sexualidade é válida ou algo além de uma fase -- argumento que muitas pessoas LGBTQ+ já ouviram de parentes.
No episódio final da primeira temporada, Victor se enfurece com a filha por ela ter escolhido usar um terno (costurado pela avó, Lydia) ao invés de um vestido na festa de 15 anos. Ele deixa o evento antes da tradicional dança de pai e filha, levando a um dos momentos mais tocantes de "One Day at a Time", provavelmente a cena pela qual a série vai ser mais lembrada: Penelope se levantando da mesa e tomando o lugar do ex-marido na dança.
Família "remendada"
Nas temporadas seguintes da sitcom, a história de Elena e a rejeição de Victor ficaram em segundo plano. Trata-se de outro acerto de "One Day at a Time": pessoas LGBTQ+ não são definidas pelas feridas deixadas pela homofobia, e Elena era uma personagem única, cheia de dimensões, que tinha toda uma família para fortalecê-la. Quando o tema ressurgia, no entanto, a série tratava de deixar claro a profundidade destas feridas.
Isso aconteceu, especialmente, nos episódios finais da terceira temporada. Neles, Victor retorna para a vida da família a fim de anunciar que vai se casar novamente, e chamar os dois filhos para serem padrinho e madrinha na cerimônia. O pai de Elena mostra esforço genuíno para não ofender a filha, e diz que a nova namorada o guiou por um caminho de empatia e aceitação.
Onde a série acerta nesta reconciliação é em colocar o fardo sob os ombros de Victor, e não de Elena. Muito frequentemente, personagens LGBTQ+ na ficção levam broncas ou são punidos por não procurarem fazer as pazes com aqueles que os rejeitaram, ofenderam, abandonaram ou machucaram. Em "One Day at a Time", a linha desenhada é clara: Victor estava errado, e é dele a responsabilidade de reconquistar a confiança da filha.
O último momento entre os dois é simbólico. Reconhecendo o esforço do pai, Elena faz um brinde durante o casamento que o emociona, mas confessa ao irmão, Alex (Marcel Ruiz), que ainda sente a dor do abandono, de quando ele a deixou sozinha na sua festa de 15 anos. E "One Day at a Time", mais uma vez não castiga ou critica Elena por este ressentimento, porque entende que ele é válido.
Ao invés disso, a série faz Victor provar seu comprometimento com a aceitação da filha ao chamá-la para dançar "De Niña a Mujer" durante a festa -- a mesma música que tocou no finale da primeira temporada da série. De todos os momentos em que "One Day at a Time" mostrou entender um leque de temas complicados melhor do que qualquer outra série de TV, este talvez seja o mais potente.
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