O brasileiro que trombou filho de John Lennon em show e virou seu tecladista
João Nogueira estava tranquilo em um show de Ty Segall quando olhou para o lado e viu um cara cabeludo e barbudo, de óculos. "Esse cara não é o Sean Lennon?", questionou-se. Era. João, um tecladista que foi estudar e fazer carreira nos Estados Unidos, tinha ouvido recentemente uma das bandas do filho de John Lennon. Ele só não poderia imaginar que, ao cutucar o músico para perguntar aquele despretensioso "Você é mesmo o Sean Lennon?", eles acabariam conversando sobre Milton Nascimento e iniciariam uma parceria musical.
Curiosamente, João foi ao show de Ty Segall sozinho. Músicos, diz o tecladista, têm má vontade de ir a shows dos outros, o que não ocorre com o pernambucano. Quando chamou por Sean Lennon - não antes de checar no Google, vendo fotos, a aparência do filho de John - e perguntou se era ele mesmo, ouviu como resposta: "Às vezes sou".
Papo vai, papo vem, Sean acabou percebendo o sotaque diferente de João e questionou a procedência. Quando soube se tratar de um brasileiro, disse: "Eu curto muito o Milton Nascimento, estava escutando esses dias a 'San Vicente', do 'Clube da Esquina'. O que você toca?". Esperto, João informou que era tecladista e já se ofereceu para tocar com ele. Só não contava que era exatamente o que Sean precisava.
Mãe, tô na NBC!
Neste mês de fevereiro, João Nogueira foi ao palco do programa "The Late Show with Stephen Colbert", um dos mais nobres talk shows da TV norte-americana. Tocando teclado, trajando um chapéu, até brincou em um post no Facebook, dizendo "mãe, tô na NBC".
À sua frente, Sean Lennon comandava "Blood And Rockets", novo single do The Claypool Lennon Delirium, banda que o filho de John Lennon tem ao lado do renomado baixista Les Claypool. Já um integrante fixo da banda, agora ele se prepara para muito trabalho e uma série de turnês com o grupo, que lançou o disco "South of Reality" no último dia 22.
Entrar para o The Claypool Lennon Delirium foi simples. Aquele papo na plateia do show de Ty Segall acabou com Lennon pedindo para o brasileiro mandar um vídeo tocando. João tocou justamente "San Vicente", o que o levou a uma visita à casa do músico, já para um teste para ser seu tecladista. A química foi instantânea, já no primeiro encontro eles compuseram trechos juntos e a visita se estendeu até as 2h da manhã.
Além de tocar, falaram sobre Beach Boys e Beatles, sobre física - João chegou a cursar faculdade nesta disciplina - e criaram amizade rapidamente. O detalhe final era a aprovação de Les Claypool, que veio fácil. "Se Sean está OK, eu estou OK também", disse o baixista e vocalista, apelidado de Coronel ("colonel", em inglês).
João chegou à banda com o novo disco pronto, mas tem liberdade para colocar seu estilo no palco. "Rola, sim, mas só porque fiz minha lição de casa. O Les odeia quem chega sem saber as coisas. Então, eu cheguei com tudo na manga, não teve muita giração de lâmpada, e assim ele gosta de abrir espaço para tocar junto, fazer jam. Nessa banda, diferentemente da antiga banda do Sean Lennon, tem muita jam. O Les é um ícone disso".
Da música clássica ao rock psicodélico
Se Sean Lennon teve a base do rock e do psicodélico em casa, João Nogueira foi criado em Recife, mas até hoje não é daqueles que aceita a definição do que se espera de um músico brasileiro, muito ligada a samba e bossa nova, por exemplo, o que ele chama de um "preconceito do bem" com que às vezes é tratado. Sua criação foi na música clássica, fruto do gosto musical do pai, que ainda incluía Ray Charles e Louis Armstrong. Ele embarcou nessa e pediu para ter aulas de piano.
Com um instrumento alugado, ele se dedicou ao estudo de piano desde os seis anos, até que na adolescência descobriu o rock e o metal, com Black Sabbath, Slayer, Iron Maiden e outros, que inspiraram sua outra banda atual, a Stone Giant, mais na pegada de Sabbath e Pink Floyd.
Mas, apesar de entrar em algumas bandas, a música ainda estava longe de se parecer com uma carreira profissional que João seguiria
Da física a Berklee
Na hora de optar por uma faculdade, o antes aplicado João virou um aluno um tanto "vagabundo", como ele mesmo se define, de física. Ele entrou para a Universidade Federal de Pernambuco, começou bem o curso, mas foi desanimando com greves e outras distrações. "Fiquei desmotivado, ficava só jogando sinuca", ri ele.
Um amigo sugeriu que o perfil do pernambucano tinha muito a ver com a Berklee, uma das faculdades mais famosas dos Estados Unidos para se estudar música. João até duvidou das chances de chegar lá, mas aceitou a ideia, foi para São Paulo estudar especificamente para isso e, em 2010, conseguiu sua vaga e uma bolsa de estudos razoável em Boston.
"Hoje eles são mais abertos a cabeludos e estranhos. Nos anos 1980 era praticamente só jazz. Eu estudei, também, mas não me considero um jazzista. Foi um curso puxado, mas foi com para conseguir a formação necessária e aprimorar o que eu queria", explica ele. Passaram pela Berklee nomes como Quincy Jones, John Mayer, Diana Krall e St. Vicent, só para citar alguns vencedores do Grammy.
Antes da "gig" com Lennon, João fazia de tudo: tocava em casamentos, hotéis, igrejas e em sessões de estúdio como músico contratado. Agora, comemora o trabalho fixo fazendo o que curte. "O rock continua vivaço aqui!".
Convivendo com o filho "do homem" e festinha com Yoko
Não há como falar com João e não questionar como é estar com o filho de John Lennon. O brasileiro admite que ele mesmo às vezes ficava temeroso com alguns temas, mas que Sean, hoje com 43 anos, trata tudo com naturalidade. "Às vezes conto algo do meu pai e ele fala: 'É, o meu também'. Só que o dele é o John Lennon", ri o tecladista, que muitas vezes visitou o músico na casa em que John e Yoko Ono moraram por muito tempo.
"É bem surreal essa convivência. No show de ano novo, quando percebo está lá a Yoko Ono olhando direto para mim. Depois, tocamos no Stephen Colbert e saindo de lá fomos para o Eletric Lady Studios, onde o Jimi Hendrix tocava. Era aniversário da Yoko. Lá chego eu, olho para um lado, tem uma coroa enxuta, loira... Era a Cindy Lauper. Do outro lado, uma mulher que parecia uma bruxa... Uma bruxa boa! Era a Patti Smith. É surreal", relata ele.
"Mas ele é muito de boa, já está mais velho, mais estabelecido. Já falamos muito da juventude dele, ele acordava e tinha 20 malucos cantando 'Imagine' na janela dele. A segurança era dobrada, era complicado", conta João, lembrando do assassinato de John Lennon. Hoje, Sean leva muito do estilo do pai em sua música, só que ainda mais calcado no psicodélico.
Ele teve uma boa banda, a The Ghost of a Saber Tooth Tiger, mas a dissolveu por não querer mais o desgaste de trabalhar com a companheira, Charlotte Kemp Muhl. Foi com este projeto que João conheceu a música de Sean. Para o brasileiro, o músico não nega seu DNA. "Ele faz as canções psicodélicos que, se fizesse um bem bolado, caberia ali no 'Revolver' e no 'Magical Mistery Tour'. Ele manja como construir boas músicas. John era um gênio, mas, como guitarrista, Sean é até melhor que ele", elogia João.
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