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Como uma astrofísica virou editora-chefe da Marvel pela Panini no Brasil

Carol Pimentel, a editora-chefe da Marvel pela Panini no Brasil - Reprodução
Carol Pimentel, a editora-chefe da Marvel pela Panini no Brasil Imagem: Reprodução

Rodolfo Vicentini

Do UOL, em São Paulo

28/02/2019 04h00

Carol Pimentel sempre foi fã do Homem de Ferro, mas demorou para trabalhar diretamente com os quadrinhos de Tony Stark. Ela cursou cinco faculdades, terminou Física, virou diretora da Escola Municipal de Astrofísica de São Paulo e largou tudo para se dedicar ao que realmente ama. Agora, ela é responsável por todos os quadrinhos que a Marvel publica no Brasil.

"Conversei com uma amiga minha que trabalhava com quadrinhos, e ela me colocou em contato com o gerente da Marvel no Brasil em 2014. Comecei a ter um contato, e em três meses recebi um convite para trabalhar lá. Em abril do ano passado, virei editora-chefe da Marvel pela Panini no Brasil", conta Carol entusiasmada em entrevista por telefone ao UOL.

Carol estudou Medicina, Ciência da Computação, Letras e até Ioga antes de largar tudo para se aventurar em um mestrado sobre tradução de quadrinhos em 2012, algo até então inédito na Universidade de São Paulo (USP). Sua tese virou livro, "Tradução de Histórias em Quadrinhos - Teoria e Prática", onde explora também a dificuldade em traduzir conteúdos sobre super-heróis.

Mesmo em uma área tão diferente quanto a astrofísica, a editora garante que usa muito o que aprendeu na faculdade, justamente porque muitos super-heróis são "nerds" da ficção e abusam da tecnologia. "A tradução é um pouco puxada, e a física nunca deixou de me ajudar, porque temos sagas cósmicas, 'Guardiões da Galáxia', Homem de Ferro. Quando é algum termo muito técnico eu tento corrigir."

Uma jornada na Marvel - e uma ponta na DC

Carol entrou como assistente de edição na Marvel, mas já tinha experiência com tradução. Enquanto trabalhava com astrofísica, ela manteve sua própria empresa de tradução, responsável por textos técnicos e acadêmicos. A experiência foi essencial para que ela virasse um ponto de confiança em assuntos mais difíceis e seu lado fã de HQs também a ajudou.

Capa de "Peter Parker Especial - Homem-Aranha n° 1", editado por Carol Pimentel - Reprodução - Reprodução
Capa de "Peter Parker Especial - Homem-Aranha n° 1", editado por Carol Pimentel
Imagem: Reprodução

"Eu fazia textos para a contracapa, alguns que precisavam no meio do texto e comecei a ajudar na tradução. Aqui temos uma revisora de português e todo o material chega revisado, mas temos que manter uma identidade. Então temos que mostrar qual a saga do Aranha que está fazendo referência, por exemplo, ou completar com um balãozinho do 'Quero Ler Mais'". 

Carol era responsável pela linha do Aracno-Mutante, cuidando diretamente de Homem-Aranha, Velho Logan e X-Men. Enquanto isso, ela fazia freelancers para a DC, também pela Panini, em histórias do Batman, Canário Negro e Garra.

Atualmente, seu trabalho aumentou e ela tem que cuidar de todos os projetos da Marvel. "Eu controlo a produção como um todo. Tenho um editor que cuida dos Vingadores, um que cuida do X-Men, um para Homem de Ferro. Tudo que vai saindo eu tenho que ter uma noção."

O tradutor recebe o conteúdo original da HQ, traduz, devolve o material ao editor, que manda tudo para um "preparador de texto". Este profissional compara a tradução com o texto em inglês e faz as mudanças que achar necessárias. Em seguida, um revisor de português olha o material, envia para o editor aprovar, depois vai para o letrista e passa uma última vez na mão do editor.

O processo é longo, mas necessário para que não haja erros, ainda mais na complexidade que vemos nos quadrinhos. "Temos os trabalhos que ficamos especializados. Eu editei uma saga chamada 'Aranhaverso' que aparecem mais de 70 versões diferentes do Homem-Aranha, de várias Terras e todas já tinham sido explorados. Então eu sabia que aquele Aranha noir é da Terra X e o outro é da Y."

É aracnobô ou aracnorobô?

Uma das partes mais difíceis de ser editor de quadrinhos é acertar nos termos complexos que existem dentro das histórias e todo cuidado é pouco para não deixar os fãs irados. Carol tinha experiência para traduzir palavras relacionadas à física, mas aos poucos foi pegando os macetes da profissão.

Por exemplo, o tradutor pode não saber que na saga X-Men é usado "os sentinelas" em vez de "as sentinelas", "aracnobô" no lugar de "aracnorobô" no Homem-Aranha ou ainda as piadas indecentes de Deadpool. Fica a cargo do editor perceber o uso mais aceito pelos leitores e fazer as devidas interferências.

Carol não faz mais "frilas" para a DC por falta de tempo, mas passou por um caso curioso com o primeiro volume do Canário Negro aqui no Brasil. "A gente ficou com problema de tradução, porque todos os capítulos começavam com uma música do David Bowie. A exigência [da editora] foi de traduzir e a gente entende, porque o material está sendo oferecido para um país muito grande, então você tem uma deficiência de pessoas que não vão conseguir ler por conta de uma palavra."

Morte e Thanos na HQ "Desafio Infinito" - Reprodução - Reprodução
Morte e Thanos na HQ "Desafio Infinito"
Imagem: Reprodução

Qual quadrinho combinaria com a Marvel nos cinemas?

A Marvel ganhou muitos seguidores com a popularidade da saga "Vingadores" nos cinemas e também dos filmes solos dos heróis da empresa. O grande destaque do universo cinematográfico será "Vingadores: Ultimato", que chega aos cinemas em 25 de abril.

Carol arrisca que Doutor Estranho será o responsável por salvar os heróis, mas admite que queria ver mais dos quadrinhos nas telonas. "Eu fico na esperança de ver Thanos com a Morte, tenho essa vontade louca de ver o lado dos quadrinhos no cinema", diz Carol, citando a saga "Desafio Infinito" lançada em 1991, em que o Titã Louco é apaixonado pela Morte.

"O Miles Morales, que está [na animação vencedora do Oscar] 'Homem-Aranha no Aranhaverso', já me trouxe muitas surpresas. Eu dei um curso no SESC, e um garoto negro me fez chorar porque eu levei uns personagens que não eram tão comuns. E quando estava o Miles, ele falou que estava errado, que o Homem-Aranha é branco. Ele ficou olhando para mim chocado e perguntou se poderia ser ele", acrescentou.

"Eu queria muito que esses universos nos quadrinhos fossem representados [no cinema] e que as crianças saiam pulando nas paredes de todas as cores, raças e credos jogando teias em todo mundo."