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Com boas doses de terror e sátira, "Velvet Buzzsaw" quer (e consegue) provocar

Rene Russo e Jake Gyllenhaal em cena de "Velvet Buzzsaw" - Divulgação/Claudette Barius
Rene Russo e Jake Gyllenhaal em cena de "Velvet Buzzsaw" Imagem: Divulgação/Claudette Barius

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

02/02/2019 04h00

Durante as quase duas horas de "Velvet Buzzsaw", fica claro que o filme da Netflix, lançado nesta sexta-feira (1º), é uma obra muito pessoal para o diretor e roteirista Dan Gilroy. Excêntrico, o longa passeia entre clichês da comédia satírica e do terror psicológico, mas sempre retorna a uma tese principal: a arte é mais do que uma mercadoria, e o preço a pagar se nos esquecermos disso é o da nossa própria humanidade.

Para um criador como Gilroy, que passou anos na labuta dos filmes de estúdio, sem muito reconhecimento, até conseguir fazer os próprios longas (o ótimo "O Abutre", também com Jake Gyllenhaal, foi o primeiro), é um tema muito próximo ao coração. Este envolvimento profundo fica claro mesmo enquanto o filme nos apresenta personagens coloridos, cheios de "problemas de primeiro mundo" -- em muitos momentos, é ele que mantem a coisa toda nos trilhos.

"Velvet Buzzsaw" examina o que acontece quando uma ambiciosa assistente de galeria (Zawe Ashton, recém-saída da ótima série "Wanderlust", também da Netflix) encontra as centenas de pinturas deixadas para trás por seu vizinho recluso, que acaba de morrer. As obras do homem encantam a comunidade artística, incluindo a galerista Rhodora (Rene Russo) e o crítico Morf (Gyllenhaal), mas logo todos começam a perceber que há algo muito estranho com elas.

"Velvet Buzzsaw" se delicia em destrinchar as contradições com as quais estes personagens convivem no bizarro mundo da arte contemporânea. Porque é um ótimo roteirista, Gilroy não se contenta em tirar risadas baratas de sua exploração deste universo. Ao invés disso, vai mais fundo e revela as consequências mórbidas dos vícios incentivados por ele.

Por exemplo: em uma cena, o galerista rival de Rhodora, Jon (Tom Strurridge), confunde um amontoado de sacos de lixo com uma instalação de arte. É uma zombaria comum, a de que a arte contemporânea "pode ser qualquer coisa", e, por isso, não tem valor. Mais tarde, porém, o filme repete a piada com uma reviravolta macabra, envolvendo um cadáver.

Em meio a retornos temáticos como este, no entanto, "Velvet Buzzsaw" não constrói uma estrutura narrativa convincente. O filme se move com rapidez notável, e para isso sacrifica a tensão progressiva que os grandes títulos de terror sempre buscam construir. Gilroy parece menos preocupado com a história que quer contar, e mais com o que quer dizer através dela, e o resultado é uma obra incompleta, ainda que cheia de ideias interessantes.

Toni Collette em cena de "Velvet Buzzsaw" - Divulgação/IMDb - Divulgação/IMDb
Toni Collette em cena de "Velvet Buzzsaw"
Imagem: Divulgação/IMDb

O elenco preenche parte do buraco deixado por Gilroy ao construir personagens que convivem com a culpa latente de terem deturpado os ideais com os quais entraram no universo artístico. A personagem de Toni Collette tem o arco mais óbvio neste sentido, e a atriz australiana empresta sua costumeira expressividade e profunda frustração para o papel de Gretchen, a curadora de museu que se transforma em compradora de arte para coleções privadas.

A dobradinha Jake Gyllenhaal e Rene Russo, por sua vez, funciona de forma tão afinada aqui quanto funcionou em "O Abutre". Sempre profundamente físico em suas construções de personagem, Gyllenhaal se choca em seu exaspero expressivo com a atuação detalhista de Russo. Ela é o elemento mais natural de "Velvet Buzzsaw" -- e, não à toa, a personagem cuja tragédia entendemos melhor.

Assim como fez em seu primeiro filme, Gilroy analisa aqui o que acontece quando seres humanos transformam um ideal importante (em "O Abutre", o jornalismo; em "Velvet Buzzsaw", a arte) em um mercado onde a oportunidade de estar a frente do outro vale mais do que qualquer outra coisa. Mesmo que seja preciso pagar em sangue.