De acusação de estupro a lei de incentivo: As polêmicas do filme do Ultraje
O Ultraje a Rigor, uma das mais populares e bem-humoradas bandas da história do rock brasileiro, tem seus 38 anos esquadrinhados no documentário "Ultraje", dirigido por Marc Dourdin, que chega aos cinemas do país nesta quinta-feira (31). Narrado cronologicamente, a partir de entrevistas com produtores e músicos de diversas formações, o filme prova que a história do grupo do vocalista Roger Moreira, hoje atração do programa "The Noite com Danilo Gentili", é tão pródiga em produzir hits quanto render polêmicas.
Dourdin, que se baseou e pesquisas e principalmente na biografia oficial do grupo, "Ultraje a Rigor - Nós Vamos Invadir Sua Praia", de Andréa Ascenção, diz que a ideia era "privilegiar histórias que não se vê no Google nem em extras de DVD". Segundo ele, Roger não interferiu em nenhum momento na produção do documentário nem fez exigências, o que abre espaço para controvérsia.
O longa foi autorizado a captar cerca de R$ 1 milhão em 2012 por meio da Lei do Audiovisual e mecanismos municipais e estaduais de incentivo à cultura, mas o projeto foi cancelado. Segundo o diretor, a versão do longa que está sendo lançada agora foi bancada por meio de parceiros privados e por recursos de um edital de 2016 do ProacSP, uma das modalidades do programa de incentivo da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
O líder do Ultraje, crítico mordaz dos mecanismos do gênero, tergiversa. "Lei Rouanet, por exemplo, [o filme] não tem", argumenta Roger ao UOL, ao ser questionado sobre o financiamento da documentário. "Que eu saiba, ele [Dourdin] só captou recursos por meio de colaborações. E nós não somos os autores do filme, somos o motivo do filme, o enredo". Sobre o documentário em si, ele adorou. "Achei o filme ótimo! Leve, divertido de se assistir, gostoso de relembrar. E sem ser chapa branca."
Outro ponto curioso de "Ultraje" é não abordar a persona politicamente engajada de Roger Moreira, que nas últimas eleições declarou apoio ao hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL). A razão foi prática. Dourdin diz que, como as filmagens terminaram em 2015, antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), essa história seria contada de forma incompleta, sem desfecho. "Cheguei a tentar montar isso no filme, mas ficou uma coisa capenga", confessa o diretor.
Controvérsias e bandeiras políticas à parte, "Ultraje" diverte e serve ainda como um documento histórico sobre o início do fenômeno do rock brasileiro dos anos 1980, que nasceu no underground, eclodiu no Rock in Rio e serviu de trilha sonora para mais de uma geração. "Nossa geração introduziu as letras em português. Nós, particularmente, sempre tivemos a ideia de que rock é pra ser divertido. Pra gente e pro público. Ou não vale a pena", resume Roger.
Veja abaixo algumas das histórias mais curiosas (e polêmicas) mostradas no filme.
Presos por pichar muro
Antes de lançar o primeiro compacto, em 1983, com "Inútil", o Ultraje a Rigor tocava covers de Beatles em barzinhos e tinha como integrante fixo o guitarrista Edgard Scandurra. Foi ele, que mais tarde saiu do grupo para se dedicar ao Ira, quem sugeriu o complemento "Rigor" ao nome "Ultraje", criado por Roger. Nessa época, os integrantes percorriam São Paulo de carro pichando em estêncil o nome da banda nos muros da cidade, para torná-la conhecida.
Num desses dias, o dono de uma casa pichada, um "policial casca grossa", flagrou a ação e levou os integrantes para a delegacia. Tudo acabou resolvido, e Roger precisou contratar uma pessoa para repintar o muro no dia seguinte. "Ele algemou imediatamente a gente. Eu tinha 200 gramas de fumo no bolso e despejei dentro do carro do cara, enquanto ele xingava a gente", diz Scandurra no documentário.
Destruindo hotel no auge da fama
O Ultraje estava na crista da onda com o sucesso do álbum "Nós Vamos Invadir sua Praia", que vendeu mais de 250 mil cópias e inaugurou uma era dourada para o rock BR. Sexo e drogas, incluindo o álcool, viraram combustível de loucuras para os músicos. Um dos trechos do documentário relembra o dia em que, inspirados na mitologia roqueira de bandas como Led Zeppelin, eles simplesmente decidiram destruir um quarto de hotel na turnê.
O momento rebelde sem causa teve terra jogada no carpete, vasos empilhados no corredor e pegadas de terra deixadas nas paredes e no teto. "Acordei e tinha uma montanha de terra na minha porta. Não consegui sair", conta no filme o baixista Maurício Defendi. Com a confusão, um hóspede vizinho começou a rezar pensando que o demônio havia reencarnado no quarto ao lado. Resultado da gracinha: para arcar com o prejuízo e evitar problemas judiciais, o Ultraje a Rigor teve de deixar no hotel o dinheiro equivalente a um carro de luxo.
Roger acusado de estuprar menor
Segundo o baixista Maurício Defendi, a turnê do disco "Sexo" (1987) foi a que mais fez jus ao nome do álbum. "Todo mundo queria transar com a gente", ele diz no filme. Nas sessões de autógrafos pós-shows, a banda tinha como hábito escolher jovens fãs para passar a noite nos hotéis. O problema maior aconteceu em Chapecó (SC), quando Roger dormiu com uma fã que, segundo ele, se recusou a ir embora do quarto. Na apresentação seguinte, em Maringá (PR), todos levara um susto quando o líder do Ultraje foi intimado por policiais a depor.
A mãe da jovem, que era virgem e tinha apenas 15 anos, havia o denunciado por estupro e, para abrir mão do processo, exigia receber em dinheiro o valor de um carro novo. Um exame de delito foi feito na adolescente, e ela não tinha marcas de violência nem havia rompido o hímen. Roger foi então acusado de seduzir e corromper a menor de idade, mas acabou inocentado nos tribunais. Tudo isso acabou arranhando a reputação do grupo. "Foi horrível. A gente estava em ascendência. [Isso] Dá uma chacoalhada, né?".
Cantando "Filha da Puta" em rede nacional
A censura já havia caído oficialmente no Brasil com o fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição de 1988, mas os ecos da proibição ainda podiam ser ouvidos nos meios de comunicação, em especial no rádio e nas TVs. Por causa disso, o grupo decidiu lançar a polêmica faixa "Filha da Puta", com palavrão exposto no título e no refrão. Para o azar do Ultraje, várias emissoras se recusaram a tocá-la, mesmo em sua versão modificada.
Nessa mesma época, os integrantes foram ao programa "Jô Soares Onze e Meia", no SBT, e o apresentador insistiu para que tocassem a música. De acordo com os músicos, o diretor da atração odiou a performance e ameaçou não exibi-la. Jô, então, peitou a emissora que havia acabado de o contratar com status de estrela. "Ele disse: 'Ou vai assim, ou eu saio também'. Foi o que a gente soube", diz Roger.
Briga com Maurício
No fim dos anos 1980, o baixista Maurício Defendi começou a namorar uma jovem americana que conheceu no Brasil. Ela passou a frequentar os shows e o dia a dia do Ultraje a Rigor, rompendo o combinado entre os integrantes de não levar namoradas em turnês. O documentário mostra que ela deu um ultimato a Maurício: ou eles continuavam namorando, ou ele teria de deixar a banda. Defendi acabou debandando, mas na base da porrada.
"Fui falar com ela. Minha ideia era falar: 'Olha, tudo bem, ele vai ficar com você. A regra está suspensa'. Mas ela começou a me ofender, me xingar. Eu não podia tomar atitude mais drástica, porque era mulher do meu amigo. E eu estava fumando e taquei a bituca na cara dela", lembra Roger. O pior aconteceu. "Aí eu fui e parti pra cima dele [Roger]. Pessoal segurou a gente. Foi um episódio na garagem do hotel. Uma coisa muito triste. A separação foi inevitável, a gente já estava saturado emocionalmente, fisicamente e psiquicamente", confessa Maurício, que deu lugar aos baixistas Andria Busic e, posteriormente, a Serginho Petrolini.
Sem MTV
Um dos pontos altos da segunda fase da carreira do Ultraje a Rigor, que renasceu no fim dos anos 1990, é o lançamento do bem-sucedido "Acústico MTV" (2005). Mas esse trecho da história do grupo precisou ser limado do documentário. O motivo: a Mamute Filmes, produtora do filme, não conseguiu licenciar as imagens da emissora musical. Cabe lembrar que, em 2013, a Abril S/A, ex-dona da MTV Brasil, devolveu os direitos da MTV à gigante americana Viacom, mas o acervo da emissora, com os registros de todos programas, não entrou no negócio, caindo num limbo.
"Passei mais de um ano tentando licenciar", revela ao UOL Marc Dourdin. "Passei pela Deck, que era a gravadora do Ultraje na época, pela Viacom, por pessoas que trabalhavam na MTV e nada. Hoje, infelizmente, ninguém está tendo autorização para licenciar esse material."
Procurados pelo UOL para comentar o caso, a Viacom e o Grupo Abril não responderam sobre o assunto até a publicação deste texto.
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