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Jornalismo está em uma "era de ouro", diz o americano David Carr

Mauricio Stycer

Do UOL, em Paraty

03/08/2014 00h11Atualizada em 03/08/2014 16h02

Na contramão de um pessimismo quase generalizado sobre a situação da mídia em tempos de internet, o jornalista americano David Carr, colunista do “The New York Times”, aproveitou a sua passagem pela Flip (Festa Literária de Paraty) neste sábado (2) para fazer uma declaração de fé na profissão e na atividade do jornalismo.

“O que aconteceu com a internet? Revistas mensais se tornaram semanais, as semanais viraram jornais diários, os jornais viraram minuto a minuto. Mas há muito trabalho de qualidade sendo feito. Porque os jornalistas estão muito mais preparados, eles sabem tudo. Nem tudo está perdido. Estamos vivendo uma era de ouro do jornalismo”, declarou durante a mesa intitulada “Narradores do poder”, na noite de sábado (2).

Um dos mais importantes e respeitados jornalistas nesta área, Carr se declarou um otimista. Ou, nas suas palavras, um sujeito que prefere ver o lado do “copo meio cheio”, e não o que sempre o enxerga “meio vazio”.

Mesmo ao analisar o governo Obama, a respeito do qual se declarou desapontado com a falta de transparência, Carr manifestou esperança no papel do jornalismo. “Apesar de sermos uma democracia, de ter uma imprensa livre, não estamos conseguindo ver as coisas claramente. Espero que o jornalismo seja uma força para o bem agora e para o futuro”, disse.

Carr retomou um tema tratado na manhã de sábado na Flip por Glenn Greenwald, o jornalista que ajudou a tornar públicos os documentos vazados por Edward Snowden sobre investigações ilegais dos Estados Unidos. Questionado sobre como via a oposição entre jornalismo e ativismo político, Carr evitou criticar Greenwald, com quem se encontrou no Rio dias antes de vir a Paraty.

“Jornalismo e ativismo vem andando de mãos dadas há muito tempo. O problema é que as vezes você não sabe quem está usando quem. Essa é uma das historias mais importantes da década”, disse, sobre as revelações feitas por Greenwald.

“Edward Snowden escolheu Glenn. E Glenn resistiu inicialmente em publicar os documentos. Ele tinha um ponto de vista muito claro, mas sempre baseado em fatos. Se eu fosse um advogado, não gostaria de enfrentá-lo num tribunal. Sua parceria com ‘Guardian’ revelou muita coisa.”.

Carr disse que o “New York Times” não se entendeu com Snowden sobre a publicação dos mesmos documentos: “Snowden queria que o assunto explodisse de imediato e o ‘New York Times’ queria estudá-lo com cuidado”, disse.

Carr falou pouco sobre jornalismo na Flip, porém. A maior parte de sua participação foi dedicada a comentar o livro de memórias que publicou em 2008, “A Noite da Arma”, lançado no Brasil em 2012. Na obra, o jornalista investiga a própria vida, tentando mostrar como foi o seu envolvimento com drogas pesadas e como se livrou do vício. “Não é diferente de outras reportagens que já fiz, exceto que era sobre mim”, contou.

A outra participante da mesa foi a jornalista argentina Graciela Mochkofsky, cujo mais recente livro, “Estação Terminal”, foi publicado há pouco no Brasil. Na obra, ela investiga a história de um acidente ferroviário em Buenos Aires, em 2012, que causou a morte de 51 pessoas e deixou cerca de 800 feridos.

“Até os anos 50, a Argentina tinha um sistema ferroviário e de transporte público muito moderno”, contou. “Era um orgulho. Mas entrou em decadência. E nos anos 90 se decidiu privatizar o sistema. Ele foi entregue a empresários privados, que não investiram. É o retrato da decadência de um país”, disse ela, resumindo o seu livro.

Foi a deixa para Carr observar: “Graciela escreveu sobre um acidente de trem e as implicações na Argentina. Eu estava escrevendo sobre um acidente de trem com uma pessoa só. Eu não conseguia lembrar nada. Só estilhaços. Não só era viciado e drogado. A minha ideia é que as coisas possivelmente não ocorreram como eu me lembrava”.

Segundo o jornalista, o que o motivou a largar as drogas e mudar de vida foi a descoberta que seria pai. “Quando estava usando drogas, engravidei a minha traficante. Talvez não tenha sido uma boa ideia. Era uma pessoa que você não deixaria cuidar do seu gato. Fui um marido ruim, um filho ruim, tudo ruim. Mas ser um pai ruim acho que seria uma coisa que Deus não me perdoaria. Elas me ajudaram a focar na vida.”