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Fernanda Torres dá show na Flip e diz que se sente "nobre" como escritora

Maurício Stycer

Do UOL, em Paraty (RJ)

03/08/2014 13h15

A aguardada presença de Fernanda Torres na Flip (Feira Literária de Paraty) não decepcionou o público que, sob forte calor, lotou a Tenda dos Autores neste domingo (03). Falando de seu primeiro romance, “Fim”, a atriz transformou o evento num espetáculo, interpretando vários papéis ao mesmo tempo – foi autora, atriz, comediante e, até, ocupou o lugar do mediador.

Fernanda dividiu a mesa com o escritor Daniel Alarcón, nascido no Peru, mas morando nos Estados Unidos desde criança. Ele mora em San Francisco e é autor de “Rádio Cidade Perdida” e “À Noite Andamos em Círculos”. Aos 37 anos, é apontado em várias listas respeitáveis como um dos grandes autores da nova geração.

Lançado no final de 2013, “Fim” já vendeu mais de 100 mil exemplares, um número absolutamente fora do normal em matéria de literatura brasileira. Fernanda relatou rapidamente como chegou ao romance.

“Recebi a encomenda de um conto sobre a velhice. Escrevi em quatro dias, a história desse velho que morre atropelado e tinha quatro amigos. Ai fiquei com vontade de matar os outros quatro. Estava escrevendo na primeira pessoa. Luiz (Schwarcz, da Companhia das Letras) sugeriu: ‘tente a terceira pessoa’. Aí, fui recheando o livro com a história das mulheres deles, na terceira pessoa.”

Fernanda escritora

A atriz mencionou diversas vezes o estranhamento de se ver (e ser vista) como escritora. Está, ao que parece, muito feliz neste novo papel. “Sinto um estrangulamento muito grande de ser sensível na TV e no teatro. O patrocínio, a produção, era maior que tudo. Isso aqui (o livro) te dá uma liberdade incrível de ser sensível, sem ser acusada de roubar nas tetas do governo.”

E acrescentou: “Tenho a sensação de que entrei em um lugar nobre (a literatura), saindo da desgraça de onde eu vim (a televisão). Anteontem estava fazendo strip-tease na boate La Conga (cenário do seriado 'Tapas & Beijos'). O ator é um ser que não vale nada. O escritor, não. Vale muito”

Na sua visão, tanto o teatro quanto o cinema, hoje, estão contaminados pela exigência do “entretenimento”. Dizendo-se desanimada com esta cobrança, a atriz revelou que, por acaso, na véspera de sua participação na Flip, assistiu a um espetáculo teatral em Paraty que lhe deu vontade de voltar a fazer teatro.

Ela assistiu a “Eu, Malvolio”, uma encenação do ator britânico Tim Crouch, que recria a peça “Noite de Reis”, de Shakespeare. "A literatura está num momento quente... Cinema e teatro estão em crise: ou você é cult ou é entretenimento. E esse espetáculo desse ator inglês que vi ontem é espetacular. Fiquei muito emocionada."

Alarcón contou que, apesar de nascido no Peru, foi educado em inglês, porque se mudou muito cedo para os Estados Unidos. Só aprendeu espanhol aos sete anos. “É bonito escrever sobre o Peru em inglês. Me dá uma certa distância. Quando escrevo sobre os EUA, faço em espanhol”, disse, provocando uma piada de Fernanda: “Já foi ao psiquiatra?”

Millôr

Presente na plateia, a atriz Fernanda Montenegro mandou por escrito uma pergunta à filha, pedindo que ela falasse de Millôr Fernandes, o homenageado da Flip 2014, em sua faceta de dramaturgo. “É o mais livre pensador que já vi. É um tradutor extraordinário. Para quem é ator, uma tradução ruim de Shakespeare é incompreensível. Millôr conseguia traduzir Shakespeare não apenas em palavras mas em espirito”.

Fernanda Torres disse ainda: “Era o amigo mais inteligente dos meus pais. Não existe. A gente perdeu ele, o (João) Ubaldo, o (Ariano) Suassuna. A gente está perdendo uma geração humanista. São homens que não tem nenhum sentimento de inferioridade por escreverem em português. Agradeço aos meus pais por ter conhecido o Millôr. É o homem mais inteligente, livre e sagaz que já conheci. E o Ubaldo.”