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Autor de livro sobre depressão comove com relato pessoal da própria doença

Mauricio Stycer

Do UOL, em Paraty (RJ)

01/08/2014 22h08

Na mesa mais emocionante da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) até o momento, o jornalista americano Andrew Solomon arrebatou a plateia ao falar dos temas de seus dois principais livros.

O mais famoso, “O Demônio do Meia-Dia”, acaba de ganhar uma nova edição brasileira. É um dos mais elogiados e premiados estudos sobre depressão. O mais recente, “Longe da Árvore”, mostra como pessoas com problemas tão variados como surdez, nanismo, autismo, esquizofrenia, entre outros, convivem com as suas “diferenças”.

Sem medo da exposição, Salomon tratou abertamente de seus problemas pessoais, abordados nas duas obras. Começou brincando, dizendo que se surpreendeu ao receber pagamento por direitos da venda de “O Demônio do Meia-Dia” no Brasil. “Pensava que todo mundo aqui era feliz”.

Mas logo enveredou mais seriamente pelo tema da depressão, explicando que a sua decisão de escrever sobre o assunto está diretamente ligada à experiência que viveu – e ainda vive. “Depressão é uma condição crônica. Tomo medicamentos e as vezes tenho recaídas.”

Solomon defende a ideia de que a doença está descrita há séculos. O que mudou é o conhecimento sobre o assunto. “A depressão é vista como um dos mais típicos males contemporâneos. Temos mais motivos que os antepassados para nos sentir deprimidos ou descobrimos que podemos ser? Fiz alguma pesquisa histórica e há descrições em todas as sociedades humanas”, disse.

“A escala do diagnóstico aumentou muito. Sabemos mais sobre a doença. No século 19, se você sofresse de depressão, não havia o que fazer. Se internava no asilo. Hoje, ao reconhecer a depressão há muitas coisas a fazer”, acrescentou.

Solomon argumenta que a doença é causada por fatores bioquímicos combinados ao estilo de vida. “Depressão é moderna? Não. Mas há muitos aspectos da vida moderna que contribuem para a depressão. O ritmo da vida moderna é muito intenso. Hoje fazemos muito mais coisas. Não dormimos tanto quanto antigamente. Interagirmos muito com máquinas. O isolamento dentro da modernidade permanece muito grande.”

Respondendo a questões propostas pelo mediador, o jornalista Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha de S.Paulo, e do público, Solomon falou: “Muita gente me pergunta se escrever sobre a depressão foi catártico. Escrever o livro me ajudou de duas formas. Conhecimento é poder. Quanto mais conhecimento as pessoas têm, mais vão entender. E descrever a depressão dos outros ajuda a pessoa a se sentir menos sozinha. Isso foi uma lição muito valiosa. Outra coisa: eu achava que os anos de depressão tinham sido anos perdidos. Quando transformei em livro, redimi aquele tempo.”

Ao final do encontro, o escritor foi questionado por uma pessoa de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, sobre o que poderia dizer a pais que ainda enfrentam a depressão por conta da morte dos filhos no incêndio da boate Kiss em janeiro de 2013. “As pessoas confundem luto e depressão”, disse. “Com o tempo, a situação de luto tende a ficar melhor. Depressão é uma condição que piora. Não são exatamente a mesma coisa. O luto é um dos sinais de reação à vida. Se o luto te paralisa, aí às vezes precisa de tratamento”, respondeu.

Em “Longe da Árvore”, Solomon entrevista surdos, anões, portadores de síndrome de Down, autistas, esquizofrênicos, portadores de deficiências múltiplas, crianças prodígios, filhos concebidos por estupro, transgêneros e menores infratores. O seu objetivo é entender como as famílias lidam com filhos marcados por estas situações de excepcionalidade.

A origem do estudo também está relacionada a duas questões pessoais. Na infância, ao ser diagnosticado disléxico, recebeu todo o apoio e carinho dos pais. Mais tarde, ao descobrir a própria homossexualidade, enfrentou rejeição.

Solomon se interessa em entender como as situações enfrentadas pelos filhos são vistas de duas maneiras diferentes, dependendo da situação. “Temos duas ideias: uma é doença, a outra é identidade. Quando queremos falar negativamente, é doença. Quando queremos falar positivamente, é identidade. A condição gay, por exemplo. No meu mundo, hoje, ser gay é uma identidade, não é tratado como doença. Como o grupo que pertenço passou de uma situação de doença para identidade?”

O escritor foi aplaudido por alguns minutos ao final da exposição. Também emocionou a plateia, a certa altura da conversa, ao chamar ao palco um de seus filhos biológicos, George, de 5 anos.