Festas literárias: hora de se conformar com o remendo que temos pro momento
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
A Balada Literária e a Flipoços acontecerão pela internet. A Flipelô, postergada para dezembro, avalia o cenário. Já a Flip, conforme noticiou o Publishnews, imagina que poderá ter uma edição mezzo online mezzo presencial entre novembro e dezembro - no site da prefeitura de Paraty não há data certa para a realização da festa. O futuro imediato de parte dos nossos principais encontros literários começa a se delinear em meio a um "Guerra e Paz" de incertezas.
Remendos virtuais passam longe de substituir os eventos físicos, não por acaso chamados de festas e baladas, não seminários. As mesas das programações oficiais importam, mas quase sempre o que acontece na calçada ou no bar é o mais interessante. Pela condição do mundo, entretanto, apostar no virtual é uma forma válida e necessária desses encontros sobreviverem.
Porque há que sobreviver para enfrentar o que vem pela frente. Os números da Flip mostram como a cada ano se torna mais difícil colocar a festa de pé. Em 2012, contaram com verba de R$10,3 milhões. Em 2015, esse valor estava em R$7,4 milhões. Já em 2019, os organizadores trabalharam com um orçamento de R$5,7 milhões, quase metade do tinham sete edições antes - isso numa conta tosca que não leva em conta a inflação e outras variáveis do período. Mesmo com montantes menores, a lógica de ter que se virar com cada vez menos se aplica a praticamente todos os outros eventos do setor.
Bolsonaro e seus pares foram eleitos promovendo, dentre outras aberrações, uma cruzada contra a cultura. Os atuais governantes ao mesmo tempo ecoam e fomentam o obscurantismo de parte considerável da sociedade. Passou a pegar bem entre muitos brasileiros enaltecer a estupidez. O brucutu está na moda. Tivesse que seguir lidando apenas com esse fenômeno, as festas literárias já teriam um desafio considerável.
Mas agora há de vez a pindaíba econômica. Há má vontade do governo federal com o setor. Há diminuição de incentivos públicos vindos de outras esferas do poder. Há uma retração na qual até o patrocínio por meio das renúncias fiscais ainda possíveis devem minguar (menos dinheiro circulando significa menos impostos recolhidos e uma fatia menor disponível para aplicar nesses projetos). Se o buraco é enorme, a aposta parece fácil: o que não morrer irá encolher em todos os sentidos, inclusive com a diminuição dos cachês, fonte de renda importante para nossos escritores - a Flip nunca pagou cachê, sabemos, mas costumava ser exceção e, talvez, a única a ter certo orgulho disso.
Aliás, a festa de Paraty tem especificidades para lidar. Dedicada sobretudo a turistas, dependerá que milhares de pessoas estejam com grana no bolso e se sintam sanitariamente seguras para se amontoar no centro histórico da cidade. Além disso, a programação paralela cresceu e se tornou tão importante quanto a principal, logo todas as adversidades se desdobram para editoras, coletivos, entidades e afins responsáveis pelos espaços imprescindíveis.
Em todo caso, se desejamos voltar a ter os encontros que tínhamos até ontem, com ideias discutidas em meio a abraços e cervejas, essas festas precisam seguir vivas. Daí a importância de termos pelo menos os encontros online. É mais fácil levantar um moribundo do que ressuscitar quem deixa de existir.
Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Twitter, Facebook, Instagram, Youtube e Spotify.
2 Comentários
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.
Dá gosto ler um texto tão bem escrito como esse! Rico de informações e, ao mesmo tempo, com metáforas esplêndidas. Abordou toda a situação dramática e, infelizmente, real da atualidade. Parabéns ao Rodrigo Casarin!
Como dizia Monteiro Lobato, um país se faz com homens e livros. Mas, é um fenômeno quase irreversível o aumento dos livro digitais em que as pessoas baixam a preços mais baixos. Quanto mais, as pessoas lerem, mais vão se informar e melhores decisões irão tomar na política, na vida cotidiano e nas finanças pessoais.