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"Eu queria falar com ele", diz Lila Azam Zanganeh sobre falsa entrevista com autor de "Lolita"

Mirella Nascimento

Do UOL, em Paraty (RJ)

05/07/2013 13h46

Vladimir Nabokov e Roland Barthers, dois autores do século 20 que tentaram valorizar a literatura em função de sua potência erótica, foram o tema da mesa "O prazer do texto", na tarde desta sexta-feira (5) na 11ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

O debate, com participação do ensaísta brasileiro Francisco Bosco e da franco-iraniana Lila Azam Zanganeh, abordou diferentes formas de leitura e escrita, com prazer e gozo.

"Desde o princípio da história da literatura, as grandes histórias de amor foram histórias de transgressões. No século 20, quando quase tudo era permitido, os únicos tabus são o incesto e a pedofilia. Em 'Lolita', Nabokov consegue escrever um dos mais importantes romances de amor usando esses dois tabus, disse, em português, a autora de "O Encantador", uma mistura entre ensaio, biografia e ficção em torno de Vladimir Nabokov, e vencedora do Roger Shattuck Prize for Criticism, prêmio concedido a ensaístas emergentes.

Em "O Encantador", Lila relata uma entrevista fictícia com Nabokov --o russo, autor de "Lolita", morreu quando a francesa tinha 10 meses. "Para escrever um livro autêntico, eu queria falar sobre imaginação, sobre ficção. Então, o narrador sou eu por dois capítulos, com voz verdadeira. Depois, são todas mentiras".

E explicou porque criou situações como a falsa entrevista: "Nabokov não era perfeito, tinha algumas ideias erradas. Uma delas era não gostar de escritoras mulheres e tradutoras mulheres. Eu sonhava muito com ele. Mas, para escrever, eu queria também falar com ele, não apenas sonhar. Não queria escrever uma carta de amor".

Em uma dos poucos debates desta edição da Flip que passou à margem das discussões políticas, Francisco Bosco introduziu o assunto da mesa destacando que Barthes abre "O prazer do texto" com uma espécie de renúncia ao político.

"Ele declara uma renúncia ao político, ao conflito. O conflito é estado moral da diferença. Entrar no registro do conflito é incapaz de produzir prazer. A linguagem de Barthes é subjetiva e sutil. Se ele renuncia a linguagem política, por outro lado e ao mesmo tempo ele reafirma a política da linguagem. É uma reivindicação de prazer e gozo com os textos literários".

Barthes faz uma distinção entre "textos de prazer", nos quais o leitor reconhece a língua, as representações e se sente confortável, e "textos de gozo", que produzem desconforto e colocam em xeque todas as nossas representações, em uma mistura de prazer e dor.

Os autores
Lila é filha de iranianos, nasceu em Paris e se mudou para os Estados Unidos aos 20 anos. Aos 23, já era professora de Harvard. Escreveu para publicações como "Paris Review", "New Yorker". Fala seis línguas, inclusive o português. Segundo a apresentação bem-humorada do mediador Cassiano Elek Machado, é fã de vinagrete, do limão verde e frequentadora da Mercearia São Pedro, na Vila Madalena, em São Paulo.

Francisco Bosco, doutor em teoria literária, escritor e compositor, é filho do cantor João Bosco. Colunista do jornal "O Globo", também escreveu para revistas como "Cult" e "Trip". Ambos têm 36 anos, são professores e têm desenvolvido, cada um à sua maneira, o gênero do ensaio.