Topo

Na abertura da Flip, Hatoum destaca texto político e irônico de Graciliano

Mirella Nascimento

Do UOL, em Paraty (RJ)

03/07/2013 19h53

Graciliano Ramos era pessimista e irônico, autocrítico ao extremo e imprimiu política e crítica social em sua obra como poucos. Foi assim que Milton Hatoum e o curador da 11ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Miguel Conde, apresentaram o homenageado deste ano na conferência de abertura da festa, realizada na noite desta quarta-feira (3).

Hatoum começou sua fala com uma anedota sobre o pessimismo do autor alagoano. "Você dava boa noite e ele respondia 'Você acha mesmo?'. Graciliano tinha fama de ser áspero e intratável como um cacto do poema de Manuel Bandeira, mas um cacto já se humanizando, como disse Murilo Mendes no poema 'Murilograma a Graciliano Ramos'. Era afetuoso entre amigos e parentes e irônico quando se referia a si mesmo", disse o escritor.

HOTSITE DA FLIP 2013

  • Mirella Nascimento / UOL

    Veja página especial do UOL sobre o evento

Mais adiante, destacou como o alagoano usou os narradores de seus romances para tratar de assuntos sociais. "Exceto em 'Vidas Secas', narrado em terceira pessoa, os protagonistas de Graciliano são narradores contrafeitos, quase coagidos a contar sua história. Ironicamente, enquanto escrevem, criticam a palavra ardilosa de certos literatos", afirmou.

Conhecedor da obra de Graciliano, Hatoum usou relatos pessoais de seu encontro com os livros do homenageado e os aliou à discussão sobre a importância do trabalho do alagoano para a cultura brasileira, da literatura à política.

O escritor usou passagens de Graciliano e de outros autores, como João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz e Jorge Luis Borges, para analisar as principais obras do homenageado. Em mais de um momento, comparou características do autor, como o pessimismo e a crítica social de seus textos, à obra de Machado de Assis.

Ao introduzir um panorama da festa deste ano, o curador lembrou o quanto Graciliano tratou de política na sua obra sem ser panfletário e o como ele era avesso "a momentos solenes como a própria Flip não pode deixar de ser" e desconfiado da mitificação da figura do escritor, especialmente em um país onde há tantos analfabetos.

"É como se fosse impossível realizar essa homenagem sem sentir que o olhar de admiração que a gente lança hoje para Graciliano é devolvido por ele com um olhar meio desconfiado", disse o curador.

Política e protestos
Conde também falou sobre o momento político que passa o país e que a organização da Flip trouxe o assunto para esta edição -- na última semana, foram criadas três novas mesas na programação para tratar do assunto

"Desde que a Flip foi criada, ela funciona como um espaço de encontro de intelectuais, que combina celebração e reflexão. E este momento político exige um esforço redobrado de pensamento. É isso que a gente espera oferecer nesses dias aqui", disse Conde.

Mais Graciliano na Flip
Na Tenda dos Autores, outros dois debates têm Graciliano como tema principal. Na sexta-feira, às 10h, a mesa "Graciliano Ramos: ficha política" reúne o biógrafo do escritor, Dênis de Moraes, o sociólogo Sergio Miceli e o brasilianista americano Randal Johnson para discutir o envolvimento do escritor com a conjuntura brasileira de sua época.

A partir das 11h de domingo, a mesa "Graciliano Ramos: políticas da escrita" terá os professores Wander Melo Miranda, Lourival Holanda e Erwin Torralbo Gimenez para explorar os elementos usados por Graciliano em seus livros para construir as relações entre linguagem, escrita e crítica social.

O cineasta Nelson Pereira dos Santos também foi convidado para falar sobre a relevância da obra de Graciliano, na sexta, às 21h30, ao lado de Miúcha. O diretor irá revisitar as adaptações para o cinema de "Vidas Secas" (1963) e "Memórias do Cárcere" (1984).

Uma exposição sobre o escritor homenageado, cuja morte completou 60 anos no dia 20 de março, está na Casa da Cultura em Paraty.


Confira a programação principal da Flip:

Quinta-feira (4 de julho)
10h – Mesa 1: "O dia a dia debaixo d'água", com Alice Sant'Anna, Ana Martins Marques e Bruna Beber; mediação de Noemi Jaffe
12h – Mesa 2: "As medidas da história", com Paul Goldberger e Eduardo Souto de Moura; mediação de Ángel Gurría-Quintana
14h30 – "Mesa Zé Kleber – Culturas locais e globais", com Marina de Mello e Souza e Gilberto Gil; mediação de Alexandre Pimentel
17h15 – Mesa 3: "Formas da derrota", com José Luiz Passos e Paulo Scott; mediação de João Gabriel de Lima
19h30 – Mesa 4: "Olhando de novo para Guernica, de Picasso", com T. J. Clark; mediação de Paulo Sérgio Duarte

Sexta-feira (5 de julho)
10h – Mesa 5 : "Graciliano Ramos: ficha política", com Randal Johnson, Sergio Miceli e Dênis de Moraes; mediação de José Luiz Passos
12h – Mesa 6: "O prazer do texto", com Lila Azam Zanganeh e Francisco Bosco; mediação de Cassiano Elek Machado
15h – Mesa 7: "A vida moderna em Kafka e Baudelaire", com Roberto Calasso e Jeanne-Marie Gagnebin; mediação de Manuel da Costa Pinto
17h15 – Mesa 8: "Ficção e confissão", com Tobias Wolff e Juan Pablo Villalobos; mediação de Ángel Gurría-Quintana
19h30 – Mesa 9: "Lendo Pessoa à beira-mar", com Maria Bethânia e Cleonice Berardinelli
21h30 – Mesa 10: "Uma vida no cinema", com Nelson Pereira dos Santos e Miúcha; medição de Claudiney Ferreira

Sábado (6 de julho)
10h – Mesa 11: "Maus hábitos", com Nicolas Behr e Zuca Sardan
12h – Mesa 12: "Encontro com Eduardo Coutinho", mediação Eduardo Escorel
15h – Mesa 13: "O espelho da história", com Aleksandar Hemon e Laurent Binet; mediação de Ángel Gurría-Quintana
17h15 – Mesa 14: "Os limites da prosa", John Banville e Lydia Davis; mediação Samuel Titan Jr.

Domingo (7 de julho) 
11h – Mesa 16: "Graciliano Ramos: políticas da escrita", com Wander Melo Miranda, Lourival Holanda e Erwin Torralbo Gimenez; mediação de José Luiz Passos
13h – Mesa 17: "Tragédias no microscópio", com Daniel Galera e Jérôme Ferrari
15h – Mesa 18: "Literatura e revolução", com Tamim Al Barghoutti e Mamede Mustafa Jarouche; mediação de Arthur Dapieve
17h – Mesa 19: "A arte do ensaio", com Geoff Dyer e John Jeremiah Sullivan; mediação de Paulo Roberto Pires
18h45 – Mesa 20: "Livro de cabeceira – Convidados da Flip leem e comentam trechos de seus autores favoritos"; mediação de Liz Calder