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Realizadores de "Corteo" enumeram desafios do novo espetáculo do Soleil

Mariana Pasini

Do UOL, em São Paulo e em Hamburgo (Alemanha)*

12/04/2013 07h00

Uma verdadeira operação de guerra é montada a cada apresentação de "Corteo", novo espetáculo do Cirque du Soleil em cartaz em São Paulo. Apesar da estratégia quase bélica, o objetivo é bem mais nobre: construir a atmosfera de amizade e saudade que Daniele Finzi Pasca, o criador da atração, imaginou. "Essa é uma história de amizade, de gente que viveu junto, através da história de um palhaço exatamente no momento de sua morte", conta o ítalo-suíço ao UOL.

Fatos sobre o Cirque du Soleil

O motivo de o Cirque não usar animais é simplesmente por ser mais fácil e financeiramente viável, segundo Patrick Flynn, diretor da companhia. “E achamos que é mais interessante o que você pode fazer com o corpo humano do que o que se pode fazer com um tigre”, diz Bruce Mather, diretor artístico.

“Corteo” é o maior espetáculo do Cirque em termos técnicos.

Em média, leva cerca de seis a oito meses para um artista se tornar totalmente preparado para estar no show, segundo Flynn.

Há um treinamento geral pelo qual os artistas passam na sede em Montreal e depois um específico, para o número que cada um fará.

O Soleil prima pela especialização dos artistas em alguns poucos números específicos, em vez de cada um fazer seis ou sete por espetáculo.

Mather e Flynn contam que, ao recrutar ex-atletas para o Cirque, o maior desafio é encontrar o artista espontâneo dentro do esportista disciplinado. ”É o completo oposto de tudo que eles aprenderam. É um desafio muito grande tirar isso deles”, diz Mather.

O elenco de “Corteo” nunca sabe até, normalmente, 18 meses antes de uma nova temporada para que cidade vão.

O desafio começa logo no transporte da estrutura do espetáculo, que é levada pela trupe para todos os lugares. A maior parte do material é transportada dentro de mais de 100 contêineres guarnecidos em navios, ainda que seja possível utilizar aviões. Do porto até o local do evento, mais de 80 caminhões são usados, segundo o gerente técnico Adam Landry. "Para o Cirque, 'Corteo' é o maior espetáculo em grande tenda que existe. É um dos maiores shows em turnê no planeta, se não for o maior", diz.

Landry conta que há o dobro de trilhos (estruturas que levam os artistas suspensos por cabos) de um espetáculo normal e que a quantidade de técnicos necessária para administrar a performance é bastante grande. O tamanho da estrutura montada para o espetáculo tem suas vantagens e desvantagens. Se as mais de 80 toneladas do arco central são capazes de aguentar muito mais vento do que outras estruturas, seu peso pode ser um problema. “Há lugares para onde não conseguimos ir, por exemplo, o Royal Abert Hall em Londres. É um show muito pesado. Cairia pelo chão. Mas vamos para todos os lugares que podemos ir”, diz.

Outro dos desafios é o próprio palco onde o espetáculo se desenrola: ele "passa" no meio da plateia, que se coloca em círculos à sua volta. “Eu queria algo que se deslizasse em frente ao espectador, numa forma distinta de como é no circo normalmente”, conta Finzi Pasca. A ideia da estrutura é um cenério cortado. “Em frente, você vê nos olhos dos outros espectadores o que veria num espelho.”

“Somos uma pequena cidade viajante”, define o diretor artístico Bruce Mather. Cento e quarenta pessoas trabalham no show, e há mais de 150 quando considerados seus maridos, esposas e bebês. "Tudo o que precisamos é de água e um cabo de telefone. Todo o resto nós conseguimos. Você precisa de um espaço grande e muita gente para ver o show, e pagar por isso, porque custa muito caro trazê-lo para uma cidade.”

Veja algumas das soluções técnicas em "Corteo"

FIGURINOS

Meta: As roupas precisam ser confortáveis e adaptáveis ao risco que o artista vai correr. “Com dançarinos ou atores, a noção de perigo não está lá, mas esses artistas vão para o palco todo dia e arriscam suas vidas. Nós temos que ser extra cuidadosos para que as fantasias os ajudem e não fiquem no caminho”, diz Julie de Carfel, encarregada dos figurinos.

Soluções: Sapatos têm que ter um tipo especial de sola, há figurinos e peças extras, e sugestões e trocas são feitas constantemente. “Os corpos, pesos e os tamanhos dos músculos mudam, então nós adaptamos as fantasias. Às vezes leva cinco minutos, às vezes, cinco dias”, diz Carfel.
VOOS NO PALCO

Meta: Fazer personagens voarem de um modo sutil

Solução: Há trilhos no arco de 40 toneladas que sustenta a tenda, nos quais estão conectados cabos que suspendem os artistas. Através de motores parecidos com os de um elevador, é possível movê-los pelos trilhos. “Eles podem mover qualquer coisa que voce puder imaginar”, diz o gerente técnico Adam Landry. Há oito motores e cada um deles sustenta cerca de 454 quilos (mil libras).
"SENTIMENTO DE ÉPOCA"

Meta: “Os criadores queriam que as emoções e sentimentos sobressaíssem”, explica Adam Landry.

Solução: Landry diz que teria sido mais fácil optar por luzes brancas, mas não foi esse o caminho adotado. “Temos luzes teatrais incandescentes convencionais, que têm uma temperatura mais quente. Queríamos sentir o calor e a luz causa essa emoção na plateia sem eles saberem, só porque estamos usando essas luzes convencionais.” Além disso, todas as 200 diferentes fantasias e os mais de 2 mil itens de figurino de “Corteo” são feitas na sede em Montreal, com influências entre 1880 e 1920. “Você não consegue identificar um período específico mas, inconscientemente, o público sabe que está no passado”, diz Julie de Carfel.
SINTONIA COM A MÚSICA

Meta: Os artistas e músicos precisam trabalhar em sintonia. “A música num espetáculo desse tipo tem que sustentar, como a onda sobre a qual um acrobata pode surfar”, diz Daniele Finzi Pasca. Há um sistema de back-up para o caso de um dos músicos não poder estar no espetáculo, mas a preferência é não usar faixas gravadas. “Os músicos geralmente partem do que os artistas estão fazendo no palco, eles veem e vão tocar no momento certo. É o impacto que queremos que tenha, e o único jeito de fazer é assistindo os artistas. Tem que acontecer tudo junto”, diz Adam Landry.

Solução: Tudo é ao vivo, com exceção de alguns efeitos sonoros, e há quatro “partes de bandas” espalhadas, dois de cada lado do palco, e caixas de som em todos os lados. É possível direcionar o som onde for preciso. Todos os músicos têm fones para ouvir o retorno da música e um metrônomo, que mantém o tempo das canções.
LINGUAGEM

Meta: “Corteo” tem linguagens específicas e reais para comunicar algumas mensagens da história. Mas o palhaço é italiano. “E lembre-se, estamos vivendo pelo seu sonho, e uma pessoa não sonha em uma linguagem estrangeira”, explica Patrick Flynn.

Solução: “A primeira coisa que os personagens principais têm que fazer é aprender um pouco de português”, diz Flynn. “Eles não farão todo o script em português, mas acreditamos que é importante que algumas de suas falas estejam nessa língua.”

Criação

“Leva aproximadamente 18 meses do momento em que Guy Laliberté, fundador da companhia, e as pessoas com quem trabalha têm uma ideia ou um conceito, que é de onde todos os nossos espetáculos saem, até a estreia”, conta Patrick Flynn, diretor da companhia. Os espetáculos do Soleil rodam o mundo e isso quer dizer, para Daniele, que eles têm que ter uma personalidade própria, mas precisam ser preparados para encontrar um público com visões e culturas distintas. “Tem que ser pensado como um prato muito peculiar que encontrará paladares muito distintos”, define ele.

Para Patrick Flynn, “Corteo” é bastante universal. “Há um sentimento familiar a todas as culturas”. As maiores mudanças entre as temporadas partem mesmo da reação da plateia e, em particular, a reação da plateia em relação à comédia. “Os números cômicos têm de ser adaptados ao ‘humor local’. Algumas vezes, notamos que a plateia não ri quando pensamos que é engraçado e riem quando pensamos que não é engraçado. Normalmente, no começo, leva um tempo para acertarmos os números com palhaços e cômicos. Mas os acrobáticos são recebidos mais ou menos da mesma forma em todos os lugares que vamos.”

Mudanças e “amadurecimentos” da obra, como Daniele gosta de falar, já estão previstos. O ítalo-suíço diz que essa necessidade de melhorar parte do próprio elenco do espetáculo. “Mudar não significa trocar por cansaço, e sim aperfeiçoar, essa é a atitude”, diz Pasca. “É um trabalho progressivo. E o show se desenvolve constantemente enquanto o modificamos levemente para o mercado local e a como reagem”, explica Flynn.

Porém, não houve mudanças drásticas desde que o show estreou. “A natureza de um espetáculo desse tipo é você ter a ideia e depois ter que dançar com ela", conta Finzi Pasca. "Minha avó fazia um nhoque fantástico e dizia que para fazê-lo da mesma forma você tem que mudar a cada vez um pouco as coisas. Para fazer o mesmo você tem que mudar. Todos sabem muito precisamente qual era o sabor do princípio e sabem que toda noite você tem que mudar um pouquinho para alcançar o mesmo sabor.”

Já para Bruce Mather, a mudança é uma questão de sobrevivência. “’Corteo’ não permanece como uma peça de museu, ou ficaria velho, fedido e coisas começam a crescer nele, e o espetáculo não pareceria mais o mesmo. Você mantém o conceito, mas acha meios de mantê-los vivos, senão, os artistas morreriam. Fazer a mesma coisa por oito anos para um artista é a morte. Você tem que mantê-los frescos, tem que dar a eles algo novo para trabalhar”, diz.

Uma das mudanças ocorreu no número que leva copos de cristal e foi sutil. Antes, o maestro assobiador e o violinista estavam separados, um em cada ponta do palco. Agora, eles “duelam” de frente um para o outro, como boxeadores.

Trabalho sério

Mesmo trabalhando com a imaginação e a fantasia, Mather concorda que provavelmente há mais seriedade nos bastidores do Soleil do que nos da Apple, por exemplo. “Apple vende computadores. Nós vendemos o perigo, o risco. Temos gente fazendo coisas que não são normais. A segurança é nossa prioridade número um. O espetáculo traz risadas, é divertido, mas atrás dele há muito trabalho e preparação.”

"É impossível garantir que alguém não vai se machucar, mas o melhor a ser feito é treinar e repetir", diz o diretor artístico. Mas para Mather há algo muito gratificante em toda a empreitada: trabalhar com pessoas de culturas diferentes. “Você aprende tolerância e a pensar muito cuidadosamente sobre o que fala. Todo o mundo deveria aprender o que é estar com culturas diferentes. Aí iriam entender que não somos tão diferentes.”

*A jornalista viajou para a Alemanha a convite da produtora Time For Fun