O Oscar deles

UOL analisou vencedores de melhor filme, ator e atriz; homens protagonizam mais e têm papéis mais diversos

Beatriz Amendola e Judite Cypreste Do UOL, em São Paulo Marcel Lisboa

Dos nove filmes que concorrem ao prêmio mais importante da 92ª edição do Oscar, que acontece neste domingo, apenas um é protagonizado por um elenco predominantemente feminino: "Adoráveis Mulheres", dirigido por Greta Gerwig; dos concorrentes, só dois, "História de Um Casamento" e "Parasita", têm protagonistas de ambos os gêneros; todos os seis longas restantes têm homens à frente —"1917", "Era Uma Vez em... Hollywood", "Ford vs. Ferrari", "O Irlandês", "Coringa" e "Jojo Rabbit". É uma demonstração de que a tradicional Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood ainda resiste aos clamores por mais representatividade feminina no cinema e nas suas premiações —a mudança, ainda que exista, vem bem, bem devagar.

A afirmação acima não é feita gratuitamente. Ao longo de semanas, a reportagem do UOL assumiu a missão de analisar os vencedores de 91 edições de Oscar nas categorias de melhor filme, melhor ator e melhor atriz, a fim de identificar quais eram os protagonistas dos longas ganhadores e que tipo de papel rendeu a homens e mulheres os prêmios mais cobiçados do cinema. Lemos as sinopses de 239 filmes, indo do grande premiado do primeiro Oscar, "Asas", até "Green Book - O Guia", o campeão de 2019.

Os resultados podem ser resumidos com aquela frase que se tornou meme: decepcionantes, mas não surpreendentes.

Por coincidência, a representação de homens e mulheres entre os protagonistas dos filmes que disputam o careca dourado neste ano de 2020 encontra ecos na conta histórica encontrada pela reportagem.

Em 91 Oscars, os filmes com homens à frente levaram a estatueta de melhor filme 62 vezes, contra dez filmes liderados por mulheres. As outras 19 foram de filmes com protagonistas de ambos os gêneros.

E engana-se quem acha que isso era uma coisa das primeiras décadas do prêmio. Dos dez últimos vencedores do Oscar, só "A Forma da Água" (2018)* teve uma mulher como protagonista. De "Guerra ao Terror" (2010) a "Green Book" (2019)? Só homens.

Os poucos filmes em que elas estão à frente são "Melodia na Broadway" (1930), "...E o Vento Levou" (1940), "Rebecca - A Mulher Inesquecível" (1941), "Rosa de Esperança" (1943), "A Malvada" (1952), "A Noviça Rebelde" (1966), "Laços de Ternura" (1984), "Entre Dois Amores" (1986), "Chicago" (2003) e "A Forma da Água".

Produções como "Menina de Ouro" (2004), em que homens e mulheres têm protagonismo equivalente, foram classificadas como tendo um protagonismo misto.

*Aqui, optamos por deixar os anos em que os filmes foram premiados pela Academia, e manteremos esse padrão ao longo do texto.

A análise dos papéis femininos e masculinos foi mais desafiadora. Como, afinal, classificar quase 200 personagens de uma forma objetiva?

Do lado delas, foram 94 papéis premiados —isso porque a primeira vencedora, Janet Gaynor, venceu por três papéis, o que era permitido nas regras da premiação; e a edição de 1969 registrou um empate entre Katherine Hepburn e Barbra Streisand.

Entre os homens, foram 93 papéis. Emmil Jannings, o primeiro vencedor, levou por dois filmes diferentes, e o ano de 1932 registrou um empate entre Fredrich March e Wallace Beery.

A saída escolhida por nós foi analisar as ocupações exercidas por aqueles personagens em suas respectivas histórias, já que elas poderiam fornecer indicativos valiosos, marcando importantes distinções na forma como homens e mulheres são retratados no cinema.

No nosso levantamento, encontramos 34 mulheres que não tinham ocupação e que eram definidas exclusivamente por relacionamentos afetivos e familiares, por condições de saúde ou por serem vítimas de algum ato de violência. É o caso, por exemplo, de Bette Davis em "Jezebel" (1938): sua Julie é uma mulher de alta sociedade determinada a recuperar as atenções do pretendente ofendido. Ou o de Olivia de Havilland em "Tarde Demais" (1950), no qual vive uma herdeira que luta para ficar com um homem que seu pai desaprova.

A ocorrência desses papéis diminuiu ao longo dos anos, mas eles ainda persistem. Jennifer Lawrence, por exemplo, venceu em 2013 por "O Lado Bom da Vida", no qual interpretava uma mulher desempregada que se envolvida com o personagem de Bradley Cooper.

O comparativo com os homens é assombroso. Só dois entram nessa definição: Ray Milland, que interpretou um alcoólatra em "Farrapo Humano" (1946), e Dustin Hoffman, que deu vida a um homem autista em "Rain Man" (1989).

Atribuímos então as ocupações aos personagens. Em alguns casos, um mesmo personagem podia ter duas ocupações, como "prostituta" e "criminosa" —como aconteceu com Charlize Theron, que ganhou seu Oscar ao retratar em "Monster" (2003) a prostituta Aileen Wuornos, condenada pelo assassinato de sete homens.

Acabamos por criar categorias específicas como "nobres", para abarcar personagens da realeza ou com título de nobreza, e "prisioneiros", para identificar aqueles que estavam em cativeiro em situação de guerra —como Meryl Streep em "A Escolha de Sofia" (1982) —ou em um regime ditatorial— William Hurt em "O Beijo da Mulher-Aranha" (1986).

Não foi surpresa constatar que os homens registraram mais diversidade de papéis que as mulheres: eles exerceram 48 ocupações, contra 36 delas.

No top 10 das ocupações de todos os vencedores, registrado acima, a categoria "sem ocupação" prevaleceu, puxada para cima por conta das mulheres. E há duas categorias que chamam a atenção: a dos militares, exercida só por homens, e as dos profissionais do sexo, exclusivamente femininos.

Há papéis que não entraram no ranking, mas são simbólicos. Profissões como garçonete e enfermeira só apareceram entre as vencedoras de melhor atriz, enquanto os homens ficaram com os papéis de advogados e jornalistas.

O mergulho nos dados revelou alguns detalhes curiosos. A começar: três atrizes venceram o prêmio por interpretar personagens que não falam em seus filmes, o que é simbólico ao considerar a pouca voz que as mulheres historicamente tiveram na indústria cinematográfica —uma situação que movimentos como o #MeToo e o Time's Up vêm tentando reverter. São elas: Jane Wyman por Johnny Belina (1949), Marlee Matlin por "Filhos do Silêncio" (1987) e Holly Hunter por "O Piano" (1994).

A personagem de Wyman ainda faz parte de outro grupo que só existe entre as personagens femininas: aquelas cuja trama é movida pelo fato de elas serem vítimas de violência sexual. Ao lado dela, estão Jodie Foster por "Os Acusados" (1989) e Brie Larson por "O Quarto de Jack" (2016). Há, ainda o caso de Ingrid Bergman, que viveu uma vítima de abuso psicológico em "À Meia Luz" (1945). Foi dele que veio o termo "gaslight", que se refere ao ato de fazer alguém duvidar da própria sanidade.

Entre os homens, chama a atenção o fato de três terem dado vida a personagens soropositivos: Tom Hanks em "Filadélfia" (1994), Matthew McConaughey em "Clube de Compra Dallas" (2014) e Rami Malek em "Bohemian Rhapsody" (2019).

No que se refere à representatividade LGBT, há equilíbrio entre os dois gêneros, com cinco homens e cinco mulheres tendo representado papéis do tipo.

Os gêneros dos filmes pelos quais o Oscar premiou atores e atrizes também têm muito a dizer. O drama é o ímã de troféu para os dois —mas muito mais para as mulheres. Para os homens, o drama é seguido bem de perto pelas biografias, o que indica que há uma tendência maior de personalidades reais do sexo masculino serem retratadas nas telas. As histórias deles, portanto, são mais contadas.

No fim das contas, o Oscar acaba por ser um reflexo do que acontece em Hollywood —e na sociedade— como um todo. A situação, pelo menos, está mudando: segundo estudo da Universidade de San Diego, 40% dos filmes de maior bilheteria em 2019 tiveram uma protagonista mulher, um recorde histórico. A maior premiação do cinema, esperamos, acabará acompanhando.

Topo