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Susto, tristeza e alívio: como clientes deram adeus à antiga Amoeba Music

Fachada da antiga Amoeba Records, em Los Angeles - Getty Images
Fachada da antiga Amoeba Records, em Los Angeles Imagem: Getty Images

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em Los Angeles

19/05/2020 04h00

Autoproclamada a maior loja independente de discos do mundo —a mais famosa, ao menos, ela é—, a Amoeba Music causou uma síncope em fãs, músicos e colecionadores ao anunciar que não reabriria mais no lendário endereço da Sunset Boulevard, em Los Angeles, mais uma vítima da pandemia do novo coronavírus.

Mas não há motivo para pânico, fã de discos: ela voltará às atividades repaginada, em novo endereço, que por sinal já estava sendo preparado para receber a sede antes de o mundo se familiarizar com o significado da palavra "pandemia".

Ameaça de fechamento

Epicentro da cena artística da Califórnia, um dos mais balados pontos turísticos da cidade, a Amoeba já havia deixado seus frequentadores apreensivos em 2015. Foi quando os proprietários anunciaram que a loja, a terceira da rede que nasceu e Berkeley e se expandiu em San Francisco, teria de deixar o imóvel de 2.200 metros quadrados ocupado desde 2001 no distrito de Hollywood, próximo à Calçada da Fama.

O motivo: o local fora vendido por US$ 34 milhões à desenvolvedora GPI Companies, com o plano e erguer uma torre residencial de 25 andares no terreno. Foram de três anos de negociações e incertezas até o anúncio em fevereiro de que a Amoeba mudaria de endereço. O novo espaço ficará no número 6.200 da Hollywood Boulevard, a rua do teatro do Oscar, a apenas 750 metros do antigo. O melhor cenário possível para clientes e aficionados.

Interior da Amoeba Records - Leonardo Rodrigues/UOL - Leonardo Rodrigues/UOL
Interior da Amoeba Music
Imagem: Leonardo Rodrigues/UOL

Mudança de quase 1 milhão de itens

Segundo o coproprietário e gerente Jim Henderson, o novo espaço, que ocupará o térreo do complexo residencial-comercial El Centro, será 15% menor, mas o suficiente para acomodar os quase 1 milhão de itens da loja. LPs, CDs, DVDs de música e filme, camisetas, equipamentos de som, acessórios e a mais variada sorte de memorabilia musical encontrarão nova morada.

E mais uma boa notícia: o efeito coronavírus não alterou o cronograma da mudança. Ela ainda está prevista para acontecer no outono americano, possivelmente no fim de outubro. Envolvendo centenas de pessoas, todo o processo deve levar até dez dias. Cabe lembrar que a Amoeba fechou as portas em abril, cinco meses antes do previsto, e, até lá, os frequentadores ajudarão a pagar o aluguel via crowdfunding.

O UOL visitou as dependências da Amoeba no fim de fevereiro, em um sábado de fervo, poucas semanas antes do fechamento, e aproveitou para conversar com clientes. Encontramos um misto de surpresa, preocupação —muitos clientes nem sequer sabiam da mudança— e um sentimento geral de alívio. Em plena era do streaming, a história da loja de discos mais amada do planeta, felizmente, está longe da última nota.

Pré-requisitos para a nova sede

Henderson nos explicou que a demora para oficializar o novo endereço veio da necessidade de juntar o útil ao agradável. O novo espaço precisava estar no mesmo distrito, Hollywood, e ser amplo o suficiente para abrigar o gigantesco acervo. "Nossas perspectivas no início eram realmente muito assustadoras", confessou ele ao UOL.

Se não tivéssemos conseguido encontrar o local para alugar, precisaríamos mudar para um imóvel muito pequeno ou distante. Mas tudo deu certo. Fãs podem ter certeza que manteremos nossa aura, com o mesmo acervo, mesmas seções, calendário de shows e produtos. Estaremos bem ao lado do Teatro Fonda, onde muitos músicos tocam. Continuaremos em um distrito artístico. Será uma mudança natural.

'Importante é continuar existindo'

Funcionários da loja não autorizados a dar entrevistas, mas a reportagem conversou com clientes da nova e velha guarda. Todos disseram que mudar não é problema. O problema seria deixar de existir.

"Tenho uma história com a loja. Descobri aqui músicas que fizeram parte da minha vida. Para mim, é o lugar mais feliz do mundo. Ninguém vai gostar de ver fechada por um tempo, mas, se é necessário, tudo bem", disse o vendedor Terry Foldenauer, 52 anos, enquanto mergulhava na seção de CDs de música clássica. E ele não estava sozinho.

Para evitar surpresas a seus milhares de fãs e clientes, a Amoeba vem informando detalhes da mudança em seus canais de comunicação, o que inclui uma ilustração mostrando como ficará a fachada reformada do novo edifício, sem sua icônica marquise, letreiro de eventos e torre de luz neon. Mas essa comunicação poderia ser melhor, especialmente no interior da loja, reclamam frequentadores.

"Até você falar, eu não sabia desse problema no imóvel. É muito triste", lamentou a estudante Sid Tonus, 20 anos, na seção de DVDs que ficava no mezanino e agora migrará para o térreo. Essa será a principal diferença no espaço físico, que manterá seu pequeno palco e continuará abrigando shows.

Eu não sei nem o que dizer. É uma pena, porque amo vir aqui. Amo os discos, os DVDs. Amo passear pelos corredores. Você encontra músicas e filmes para qualquer tipo de gosto. Acho que nada substitui o formato físico. Espero que tudo continue exatamente igual no outro lugar.

 Interior da Amoeba Records - Leonardo Rodrigues/UOL - Leonardo Rodrigues/UOL
Imagem: Leonardo Rodrigues/UOL

Artistas e turistas nos corredores

Uma das marcas da Amoeba, que recebe centenas de pessoas nos fins de semana, são seus clientes famosos. Músicos, cineastas e escritores são figuras tarimbadas entre corredores e gôndolas. E são eles as estrelas do famoso quadro "What´s in my Bag", do canal da loja no YouTube, em que exibem e discorrem sobre as amadas mídias físicas que levam para casa. Há quem atravesse o país só para fazer isso.

O UOL esbarrou, por exemplo, no corredor de reedições de LPs de rock, com o escritor jamaicano Marlon James, vencedor do Prêmio Booker de 2015 pelo livro "Breve História de Sete Assassinatos" (Intrínseca). E para ele, que esteve no Brasil em 2017 para participar da Flip, ir a Los Angeles é sinônimo de xeretar loja de discos.

Eu fico realmente feliz que a Amoeba não vai mais fechar. Aqui é como um templo.

"Eles têm a melhor seleção, as melhores seções, os melhores gostos. Têm discos e edições que não encontro em nenhum outro lugar, nem em Nova York, onde vivo. Você pode conhecer pessoas, conversar sobre música. Eu adoro", ressaltou James, que preferiu não posar para foto, assim como todos os clientes americanos com quem o UOL conversou.

O estudante Pedro Brando, 19 anos - Leonardo Rodrigues/UOL - Leonardo Rodrigues/UOL
O estudante Pedro Brando, 19 anos
Imagem: Leonardo Rodrigues/UOL

Mas no meio deles havia um brasileiro mais simpático ao clique, o estudante universitário Pedro Brando, de 19 anos. Ele cursa produção musical em Los Angeles e, mal entrou, correu para o espaço das camisetas de banda da Amoeba. A grana curta de estudante não foi desculpa para abortar o passeio.

"Levei um susto quando soube que poderiam fechar. Sempre que posso venho pra cá. É um lugar que tem uma alma. É mais do que música. Vejo muito influência e estilo de lojas clássicas, como a Tower Records. Isso faz a diferença", afirmou Pedro, usando uma camisa com a inscrição LSD, nostálgico e feliz.