Por que Ed Motta quer vender o LP 'Coisas', de Moacir Santos, por R$ 45 mil
Ed Motta colocou à venda na internet parte de sua valiosa coleção de mais de 30 mil LPs. E os valores estabelecidos por ele no site de vendas americano Discogs chamam a atenção. São 419 álbuns oferecidos pela bagatela de R$ 500 mil. O mais caro da lista: "Coisas" (1965), clássico do arranjador, compositor, maestro e multi-instrumentista pernambucano Moacir Santos (1926-2006), vendido por exorbitantes 7.200 euros —cerca de R$ 45 mil, sem inclusão de frete.
Sobrevalorização à parte, maximizada pela queda do real —normalmente, ele chega a um quinto desse valor—, o álbum em questão é considerado "sagrado" no meio. Raro e com altíssimo valor histórico, o vinil é disputado a tapas por colecionadores do Brasil e do mundo, principalmente sua primeira edição, assim como a de colegas como "Paêbirú" (1975), de Lula Cortes e Zé Ramalho, "Louco por Você" (1961), de Roberto Carlos, e a dos discos da fase racional de Tim Maia (1975).
Mas por que o 'Coisas' do Ed Motta vale tanto?
É edição original
Isso conta muito. O LP de Ed Motta é a edição original em stereo do disco, lançada em 1965 pelo selo Forma. É o único da "velha geração" vendido no site, que reúne colecionadores de todo o mundo. No mercado de discos, isso compensa, por exemplo, o fato de vinil ter algumas marcas de arranhão, enquadrado na categoria "Very Good Plus" ("além de muito bom"), o terceiro nível de estado de conservação de discos, atrás de "Mint" (novo) e "Near Mint" (seminovo). A capa ainda está perfeita, segundo o cantor.
Pertenceu a alguém famoso e que tem relação com o disco
Segundo Ed Motta, o disco fazia parte do acervo particular de Roberto Quartin (1943 - 2004), criador do selo Forma, que nos anos 1960 lançou mais de 20 discos que se tornariam históricos, como "Inútil Paisagem" (1964), estreia de Eumir Deodato, "Quarteto em Cy" (1964) e "Os Afro-Sambas de Baden e Vinicius" (1966), além do próprio "Coisas". Quartin também trabalhou nos Estados Unidos e assinou a produção de discos de Carmen McRae, Frank Sinatra ("Sinatra & Friends") e da histórica gravação que registrou, em 1967, o encontro do ídolo americano com Tom Jobim, no disco "Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim".
Teve edição limitada e virou 'cult'
Por apresentar uma linguagem original, "Coisas" não foi um sucesso de vendas na época, saindo de catálogo não muito tempo depois de ser lançado. Depois de décadas no ostracismo, foi redescoberto e ganhou status de "cult" apenas em 2005, com o relançamento tardio, após a repercussão no meio musical do CD duplo "Ouro Negro", que reascendeu o interesse da nova geração da MPB por Moacir Santos. Considerado um dos mais raros títulos da música brasileira, "Coisas" ainda ganhou reedição em LP em 2013. No Discogs, essa versão é vendida mais em conta, a módicos R$ 350 (com frete).
É um disco importantíssimo
Instrumental e orquestrado, unindo música popular brasileira, jazz e erudição —todas as músicas levam o título de 'Coisas' acompanhado do número da composição, inspiradas na numeração dos opus da música clássica—, "Coisas" é um estudo intrincado de ritmos afro-brasileiros em dez temas compostos e arranjados por Santos. "Trata-se de um músico negro escrevendo música negra e não de um garoto de Ipanema contando as tristezas da favela ou de um carioca, que nunca foi a Petrópolis, a enriquecer o cancioneiro nordestino", escreve Quartin em texto impresso na edição original no disco.
Porque Moacir Santos mudou a música brasileira
Parceiro de Vinicius de Moraes, reverenciado por Milton Nascimento, Djavan, Gilberto Gil, João Bosco e João Donato, Moacir possui uma obra rica, complexa e que contrasta radicalmente a música produzida no Brasil nos anos 1960. Seu trabalho autodidata, especialmente "Coisas", misturava elementos regionais, ritmos africanos e tempos quebrados, o que também o diferia de subgêneros do jazz. Para críticos, essa sonoridade única foi responsável pela renovação da música instrumental brasileira e pode ser sentida até hoje no gênero e fora dele.
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