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A 'Rinha de Escritores' e os intelectuais que trocaram palavras por socos

Hemingway treinando boxe. - Arquivo
Hemingway treinando boxe. Imagem: Arquivo

Colunista do UOL

19/05/2020 08h56

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"Quero falar uma coisa. Estou me sentindo muito constrangido de estar aqui e não vou me tornar constrangedor. Eu concluo que você colaborou para coisas muito negativas no país, no meu ponto de vista. Compreendo: todos nós somos humanos, erramos, nos equivocamos. Mas estou me sentindo extremamente constrangido de estar na posição de render homenagem a um tipo de ideologia que eu profundamente desprezo".

Para Rachel de Queiroz, autora de romances como "O Quinze" e "As Três Marias", que o escritor Caio Fernando Abreu dirigiu essas palavras, numa edição de 1991 do programa Roda Viva. Após um corte do apresentador ("O Caio, você tem que fazer perguntas, não render homenagens"), a entrevistada retrucou: "Eu gostaria de responder a você que nós estamos em um país democrático. Eu respeito as suas posições e espero que você respeite as minhas".

Irônico Rachel evocar a democracia. Afinal, Caio a criticava por ter sido conivente e entusiasta do Golpe de 64 e da ditadura. Por conta da nova maluquice política em que estamos metidos, o vídeo voltou a circular com força pelas redes. O bate-boca entre a cearense e o gaúcho é um clássico da "rinha de escritores brasileiros", conforme definiu o tuiteiro abaixo.

O povo adora treta, sabemos, mas é curioso como brigas entre intelectuais causam furor. Embates de ideias como o de Caio e Rachel são comuns. Engana-se, contudo, quem pensa que a desavença descambar para insultos, achincalhes e trocas de sopapos é algo distante do mundo das letras. Não são raras as baixarias envolvendo escritores, editores, leitores e outros devotos dos livros.

As tretas da Flip 2019

Na Flip do ano passado, por exemplo, um crítico, cronista e jornalista se estranhou com um crítico, romancista e jornalista no meio de uma festa. A história tem muitas versões, e todas indicam outro personagem envolvido no quiproquó: um contista, romancista, jornalista e também crítico tentava evitar que o bate-boca virasse quebra-pau. E não chegou a ser quebra-pau, mas na própria Flip de 2019 houve um episódio bastante noticiado: Luiz Schwarcz, presidente do Grupo Companhia das Letras, sentou o braço no homem que o teria xingado de "escroto filho da puta". E aqui entramos de verdade nas tais rinhas.

Não valeu o esforço do soco

Quem também largou a mão num desafeto foi o escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli. Em 2018 ele socou o peito de Marcelo Mirisola, autor do recém-lançado "Quanto Custa um Elefante?", durante a mesa de encerramento da Festa Literária Internacional da Mantiqueira. Mais tarde, o agredido escreveu um artigo apontando que a agressão havia sido premeditada; já o agressor se disse arrependido e afirmou: não valeu o esforço do soco.

Jorge Amado X Carpeaux

Troca de bordoadas nem sempre lembrada nas listas de tretas da nossa literatura é a que rolou entre o escritor Jorge Amado e o crítico Otto Maria Carpeaux em 1959, no jornal Correio da Manhã. Após um almoço, os dois resolveram tratar com os punhos as desavenças políticas arrastadas por mais de década. De barriga cheia, discutiram, trocaram uns palavrões e se engalfinharam. Por pouco tempo, porém. Logo o povo do deixa disso esfriou o acerto de contas.

O clássico das tretas literárias

Escritor saindo na mão com escritor não é exclusividade do Brasil, óbvio. A treta mais famosa da literatura também tem sangue latino-americano. Em 1976, quando o Nobel não passava de sonho para ambos, o peruano Mario Vargas Llosa desceu a marreta no colombiano Gabriel García Márquez. Até hoje ninguém sabe ao certo o motivo do soco. Desavenças ideológicas e suposta talaricagem estão entre as razões aventadas para o que resultou na clássica foto de Gabo com seu olho roxo.

Gabo de olho roxo - Rodrigo Moya - Rodrigo Moya
Imagem: Rodrigo Moya

Hooligan das letras

Se nos anos 70 o Nobel de 2010 bateu no Nobel de 1982, o vencedor do Nobel de 1954 é figura obrigatória em qualquer texto sobre hooligans das letras. Sim, falo de Ernest Hemingway, o machão. A fama de briguento acompanhou o autor de "O Velho e o Mar" ao longo de sua vida. No livro "E Foram Todos para Paris", Sérgio Augusto aponta o embate contra o escritor e editor Robert McAlmon como uma das "brigas mais patéticas" de Hemingway. Na sequência, registra o clima bélico da vida intelectual naquela pomposa Paris dos anos 1920: "Porres e porradas eram tão corriqueiros em Montparnasse quanto discussões estéticas e políticas".

Lugar onde porres, porradas e até mortes são comuns em meio a discussões estéticas, políticas e literárias é a Rússia. De lá, as histórias são tantas que precisarão ficar para outro texto, para uma rinha de escritores malucos de vodca.

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