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'Playboy' is over: mudou o homem ou mudou o mundo?

Primeira edição da Playboy americana com Marilyn Monroe na capa e autografada por Hugh Hefner - Gabe Ginsberg/Getty Images
Primeira edição da Playboy americana com Marilyn Monroe na capa e autografada por Hugh Hefner Imagem: Gabe Ginsberg/Getty Images

Roberto Sadovski*

Colunista do UOL, em São Paulo

21/03/2020 04h00

A revista Playboy, que por anos materializou o estereótipo do ideal masculino do mundo, deixará de ser publicada em papel. A próxima edição da matriz americana, que celebra a chegada da primavera no Hemisfério Norte, será a última que a empresa vai colocar nas bancas. O motivo, segundo o CEO da empresa, Ben Kohn, é o distúrbio na cadeia de produção causado pela pandemia do coronavírus.

Segundo o executivo, foi o estopim para acelerar uma mudança interna para repensar o produto impresso. O título vai se manter em formato digital com suas entrevistas, guias de estilo e, obviamente, ensaios de modelos nuas. Kohn garante que a revista pode retornar às bancas ano que vem. Eu duvido.

Criada em 1953 por Hugh Hefner, exibindo um poster central com uma foto de Marilyn Monroe, a Playboy teve papel crucial em uma guinada nos costumes, na revolução sexual e no abrandamento das leis que regulavam a exposição de fotos obscenas na imprensa. Nos anos 1960, a marca transcendeu o papel para batizar clubes, programas de TV e uma infinidade de produtos estampados com o logo do coelho.

A Playboy atingiu seu auge na década seguinte, quando a venda da edição nas bancas encostou em 6 milhões de exemplares. Era um império, Hefner no centro, que anunciava um estilo de vida sofisticado e elegante, pontuado por carros caríssimos, roupas luxuosas, viagens nababescas e mulheres deslumbrantes.

Afinal, a Playboy vendia uma fantasia masculina que a própria revista ajudou a criar. Assim como publicações sobre viagens vendem um sonho, e revistas de moda vendem tendências, a Playboy mostrava a seus leitores que era, sim, possível almejar uma vida tão incrível quanto a de seu fundador.

O sonho era potencializado pela mídia em torno de Hefner e da Mansão Playboy, palco de festas recheadas de modelos e celebridades, um lugar onde o hedonismo era lei e a busca pelo prazer não tinha limites. Gente muito importante contribuiu para essa fantasia, inclusive Arthur C. Clarke, Ian Fleming, Chuck Palahniuk, Margaret Atwood, Harvey Kurtzman e Ray Bradbury —todos com trabalhos impressos na revista.

A realidade, porém, provou-se brutal. Biografias de coelhinhas da Playboy publicadas nos últimos anos mostram que a rotina na mansão passava longe das cores mostradas ao público, com jovens seduzidas por dinheiro e poder, mas que terminavam vendendo seus próprios sonhos para manter a ilusão. O mundo moderno também jogou uma luz diferente no próprio conceito de revista masculina.

Claro, a Playboy tomou sua posição a favor do aborto e do empoderamento feminino, especialmente no tocante ao domínio de seus corpos: mulheres com desejos e em controle, e não meramente objetos sexuais. Mas o novo século não recebeu bem uma publicação que trazia a frase "entretenimento para homens" embaixo de seu logo, e as mudanças empreendidas para alcançar a sensibilidade da sociedade moderna passaram longe do alvo.

A morte de Hugh Hefner em 2017 já profetizava o declínio de sua criação, mantida mensalmente nas bancas por aparelhos provavelmente para não sucumbir antes de seu criador. Ano passado a publicidade em revistas nos Estados Unidos despencou 18%, acentuando um declive observado ao longo da década de 2010 e apontando claramente que os anunciantes preferem investir em gigantes online, como Facebook e Google, que apresentam engajamento e retorno imediatos.

A Playboy a essa altura já se tornara uma publicação trimestral, e nem de longe comandava o tipo de atenção em seu auge. Para comparação, a edição brasileira, publicada por 40 anos pela Editora Abril, sucumbiu ao peso do mercado em 2015, ressurgindo com o grupo PBB Entertainment no ano seguinte, mas só conseguiu colocar dez edições em banca até jogar a toalha no ano seguinte.

É difícil argumentar a necessidade de uma revista como a Playboy no mundo moderno. Com a pressão dos argumentos contrários à objetificação do corpo feminino, a direção da revista nos Estados Unidos baniu os ensaios nus —o que durou um ano. Entender de que forma uma publicação concentrada na exposição da nudez teria espaço em uma realidade com novas regras e novos olhares se mostrou tarefa inglória.

A Playboy, por fim, era o reflexo da visão que Hugh Hefner tinha para o mundo. Liberal, sim, mas com uma visão que hoje soa datada. Era o mundo ideal para o homem que tudo desejava, uma vitrine para uma realidade onde tudo era possível. O realinhamento das relações entre homens e mulheres no novo século, e a proliferação da nudez (e pornografia) online fizeram com que suas páginas se tornassem não apenas redundantes, mas caras para ser produzidas.

A marca, claro, não vai desaparecer. Playboy hoje ainda simboliza um estilo de vida, pulverizado porém em um mundo virtual com uma infinidade de opções. Os números vão bem, com as assinaturas da revista digital crescendo em 30%, e o e-commerce da marca atendendo a cerca de 1 milhão de clientes a cada mês —as camisetas com o coelhinho ainda fazem circular uma nota preta.

"A parte do negócio que mais me interessa são as ideias, e não os dólares", disse Hefner à Forbes em 1971. "O mais importante é o nosso produto. A Playboy é uma imagem pessoal." Com o fim de sua jornada em seu formato original, é também uma cápsula do tempo de uma era que definitivamente ficou no passado.

* Roberto Sadovski é colunista de cinema do UOL e foi diretor de redação da revista Sexy