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Privacidade roubada: O futuro assustador da 3ª temporada de Westworld

Evan Rachel Wood em cena de "Westworld" - Divulgação
Evan Rachel Wood em cena de 'Westworld' Imagem: Divulgação

Mariana Tramontina

Colaboração para o UOL, em Los Angeles*

13/03/2020 04h00

Sorria, você está sendo filmado. E completamente monitorado. E possivelmente manipulado.

É aquele tipo de frase que você ouve e ri de nervoso, porque sabe que pode ser verdade. É a mesma sensação ao assistir "Westworld", produção da HBO que volta para sua terceira temporada no domingo (15) às 23h. Desde o início, a série tem questionado nossa relação com a tecnologia, levantado debate sobre autonomia, poder e identidade. Mas se há uma discussão central nesta nova fase é a ideia de que a nossa vida vem abrindo caminho para ser totalmente determinada por algoritmos.

O primeiro episódio já nos coloca em um mundo totalmente novo: não o "mundo real" —afinal, quem se atreve a dizer que os acontecimentos dentro de Westworld não eram reais?—, mas o mundo lá fora. Quem viu os trailers, se deparou com cenários bem diferentes daqueles de Velho Oeste que estávamos acostumados a ver, numa mistura de Blade Runner com Daft Punk. Mas apesar de toda inteligência artificial, cidades ultra modernas, drones e carros autônomos, implantes tecnológicos e muitas luzes, a série se aprofunda em algo bem menos futurista: a política de privacidade de dados.

Cena da terceira temporada de Westworld - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

"Em Westworld, a maneira como os dados são usados está na superfície da nossa sociedade. As pessoas sabem que estão sendo monitoradas, mas escolhem por ignorar", explica Lisa Joy, co-criadora da série junto com o marido, Jonathan Nolan. "É como a tecnologia que a gente usa no nosso dia a dia, Alexa (assistente virtual da Amazon), Siri (assistente virtual da Apple) e todas essas coisas nos ouvindo, os aplicativos que rastreiam nossos movimentos."

As redes sociais sabem quem são nossos amigos e que tipo de interação temos com eles. Eles vão te mapear.

Lisa Joy, co-criadora de "Westworld"

Jonathan Nolan and Lisa Joy attend the screening & panel discussion of the HBO drama series "Westworld" at Wolf Theatre on March 06, 2020 in North Hollywood, California. (Photo by Jeff Kravitz/FilmMagic for HBO) - Jeff Kravitz/Getty Images - Jeff Kravitz/Getty Images
Jonathan Nolan e Lisa Joy
Imagem: Jeff Kravitz/Getty Images

Para quem não se lembra (já são quase dois anos desde o fim da segunda temporada), o parque Westworld é operado por uma empresa chamada Delos Destinations, que há décadas vem coletando dados de seus visitantes (desde monitoramento de batimento cardíaco a motivações de suas escolhas e até DNA) para fins ainda obscuros. Agora, o negócio se expande com outro nome na jogada: Incite, uma empresa global de coleta de dados que se vende como uma ferramenta para ajudar as pessoas a tomarem decisões em suas vidas.

Talvez pareça uma boa ideia para alguns, mas o problema é que alguém é dono dessas informações, e é aí que os criadores Jonathan Nolan e Lisa Joy voltam a explorar conceitos de livre arbítrio e ganância corporativa. Nessa temporada, enquanto seguimos Dolores (Evan Rachel Wood) em sua jornada para implementar o plano pós-fuga do parque, somos apresentados a Caleb (Aaron Paul), um veterano do exército que agora trabalha em construção civil, lutando para se encaixar em um mundo onde aparentemente não há espaço para ele. Falta de sorte, destino ou manipulação?

A atriz Tessa Thompson, que vive Charlotte Hale, diretora executiva da Delos, tem uma boa definição: "Essa temporada fala muito sobre essa ideia de um certo grupo que não vale a pena se dedicar e nós, como sociedade, não investimos em políticas que ajudam este grupo a melhorar, o colocamos em uma caixa e o punimos por isso. É sobre como é difícil viver em um sistema que é manipulado contra você". Uma frase de Dolores resume: "Não é sobre quem você é, Caleb, é sobre quem eles deixam você se tornar".

A atriz Tessa Thompson em cena de "Westworld" - Divulgação - Divulgação
A atriz Tessa Thompson em cena de "Westworld"
Imagem: Divulgação

A série não tenta só nos apontar uma visão assustadora do futuro, mas nos faz mergulhar em suas hipóteses. "Temos uma equipe de arquitetos de design de software, neurologistas, pesquisadores tentando entender para onde as tendências estão caminhando, porque queremos apresentar uma visão fundamentada do futuro", garante Jonathan, falando diretamente de um mundo onde tudo pode acontecer.

Tenha cautela

Tessa conta que estar em contato com os temas de "Westworld" a fez questionar mais sobre tudo. "Meu receio é que vivemos em uma época em que os dados pessoais ultrapassam o petróleo em termos de valor global. Isso é assustador. E eu tenho medo porque não estou preparada para mudar a maneira como eu vivo para garantir que eu tenha privacidade. E quando você pensa que algoritmos afetam decisões que tomamos, eu acho aterrorizante porque não sabemos o suficiente. Não há informação o bastante sobre isso."

Rodeados por informações, o elenco se vê ainda mais cauteloso. "Eu não faço mais aqueles quizzes na internet, 'que personagem você é' ou 'qual seu tipo de personalidade', porque eu penso: 'Isso vai estar em algum banco de dados. Está disfarçado de teste fofo, mas na verdade está me colocando em uma categoria'", diz Evan Rachel Wood, aos risos. "Eu cubro a câmera do meu computador. Eu não tenho Alexa. Por que eu teria uma caixinha espiã em minha casa controlada por alguma empresa que eu não sei? Eu já acho bizarro que eu falo sobre alguma coisa e depois aparece no meu telefone em forma de propaganda", diz a atriz.

Luke Hemsworth - Divulgação - Divulgação
Luke Hemsworth
Imagem: Divulgação

Luke Hemsworth, o segurança Ashley Stubbs, compartilha do mesmo receio. "Essas coisas de reconhecimento facial, ferramentas de monitoramento, eu tento não usar, mas você não consegue viver sem isso. O fato de você saber que os dados estão sendo usados como arma contra nós, como comércio, é algo assustador, eu me sinto como um avestruz com a cabeça na areia. Mas a gente segue a vida, porque eu não sei se a gente tem o poder de mudar isso. Nós estamos numa caminho que nunca vamos nos livrar dessa tecnologia."

Não à toa, Jonathan Nolan não tem bons olhos para o que pode vir a acontecer no futuro próximo, em tempos de Cambridge Analytica, consultoria que usou indevidamente dados dos usuários do Facebook. "As próximas eleições nos EUA serão um desastre. É só você ver como o país está respondendo ao coronavírus. Todo mundo viu isso chegando e eles não tentaram impedir, metade de nós ainda nega que é um problema, há todo tipo de informação sendo atirada em todas as direções. Está tudo completamente desregulado. O governo abandonou totalmente qualquer tentativa de regular essas tecnologias, o que é patético mas também compreensível, afinal como você pega uma faca caindo no chão? Essas tecnologias mudam tão rápido que é um desafio tentar qualquer tipo de legislação."

Apesar dos maus ares, há quem prefira buscar o lado positivo. "Há coisas incríveis que podemos fazer usando a tecnologia e as redes sociais", diz Tessa Thompson. "Eu vejo jovens sendo ativistas sobre como tratamos nosso planeta. Eu vejo como nossas ideias sobre gêneros estão sendo transformadas e é inspirador quando você é um jovem que mora em uma cidade pequena e não se sente confortável ao seu redor, mas pode encontrar uma comunidade online com outras pessoas que se sentem assim. Acho que precisamos conhecer os dois lados da tecnologia e ter em mente que ainda estamos desenvolvendo nossas éticas sobre como usamos essas coisas."

Aaron Paul (que sequer tem um computador há mais dez anos) também prefere abraçar a esperança de bons tempos. "As pessoas tendem a gravitar para o lado negativo das coisas. Eu leio o roteiro da série e algumas coisas ali me fazem ter em mente que temos que ser mais gentis uns com os outros. Precisamos deixar de ser sufocados por toda a negatividade. Eu acho que se começarmos a enviar mensagens positivas, isso pode começar a nos afetar de uma maneira bonita. A minha mensagem para o futuro é essa: seja bom, lave as mãos e faça gentilezas."

*A jornalista viajou à convite da HBO