O sucesso de 'Parasita': afinal, a tal 'barreira das legendas' caiu?
"Quando vocês conseguirem escalar o muro de 3 cm das legendas, terão acesso a um novo mundo de cinema", declarou Bong Joon Ho no palco do Globo de Ouro, ao receber o prêmio de melhor filme estrangeiro por "Parasita". A fala do diretor sul-coreano, obviamente, repercutiu. O cineasta se referia à histórica rejeição de Hollywood a filmes de língua não-inglesa. Isso, somado à indicação de "Parasita" a melhor filme no Oscar (além da barbada de filme internacional, antiga categoria de melhor filme estrangeiro), abriu espaço a uma discussão: afinal de contas, será que chegou a vez dos longas de outros idiomas ganharem espaço na América do Norte?
Somente nos Estados Unidos, "Parasita" já ultrapassou US$ 31 milhões em bilheterias desde sua estreia, em 11 de outubro. Ele se tornou o filme estrangeiro de maior arrecadação em 2019 e o sétimo maior na história do país, acumulando o título de longa sul-coreano mais lucrativo na América do Norte. O incensado longa de Bong Joon Ho é apenas o 12º filme de língua estrangeira a concorrer na categoria de melhor filme do Oscar, isso no 92º ano da premiação. No ano passado, "Roma", de Alfonso Cuarón, todo falado em espanhol, já havia engrossado o rol. Mas será o caso de "Parasita" (e de "Roma") exceção ou sinal de mudança?
Para o analista de mídias e bilheterias Jeff Bock, do Exhibitor Relations, o distanciamento do público norte-americano é mais do que uma simples rejeição natural ao que é de fora. "É uma triste verdade que as massas que frequentam os cinemas multiplex na América do Norte normalmente ignoram filmes com legenda", confessa.
É uma preguiça generalizada? Talvez. Mas, além disso, é uma falta de publicidade, então é algo paradoxal. Os estúdios não investem em divulgar filmes de língua estrangeira, então a maior parte do público não sabe deles.
Este foi justamente um dos diferenciais para a boa marca deixada por "Parasita". A distribuidora Neon adquiriu o filme ainda em outubro de 2018, no encerramento das filmagens. O motivo? A companhia basicamente não havia superado a dor de perder "Okja", o anterior de Bong Joon Ho, para a Netflix. Isso deu à Neon tempo para criar uma estratégia que funcionasse e também para identificar os festivais e eventos para a imprensa para os quais poderia levar o filme, ajudando-o a encontrar o seu público. Deu certo.
"A Neon, assim como a A24, é uma das maiores distribuidoras de filmes independentes hoje no mercado cinematográfico", explica Bock. "A estratégia de lançamento deles não foi muito diferente de qualquer outro dos seus projetos, mas o 'momentum' foi contagioso, as críticas foram estelares e o boca-a-boca foi sem precedentes. É isso que faz de 'Parasita' um produto superior."
Difícil para quem vê, difícil para quem vende
Se o sucesso da Neon com Parasita é louvável —o filme recentemente superou "Eu, Tonya" e tornou-se o mais lucrativo da distribuidora— em geral os lançamentos acabam em um ciclo vicioso de pouco retorno financeiro e, por isso, pouco investimento de volta. Analistas consideram que um filme estrangeiro arrecadar mais de US$ 2 milhões em bilheterias nos Estados Unidos já é sucesso. Enquanto Parasita está na casa dos US$ 30 milhões, outros filmes marcantes da temporada como "Dor e Glória" (de Pedro Almodóvar), o drama documental "Honeyland" e "Retrato de uma Jovem em Chamas" (de Céline Sciamma) arrecadaram respectivamente US$ 4,3 milhões, US$ 711 mil e US$ 118 mil.
Os novos jogadores e a era do streaming
Enquanto para as distribuidoras independentes uma das maiores questões é financeira, este não é um problema para a Netflix. Investindo em produções originais desde 2012, a companhia também sentiu que o público norte-americano segue avesso a produções estrangeiras, mesmo no streaming. O diretor de produtos Greg Peters revela que uma pesquisa feita em 2018 constatou que uma alta porcentagem dos assinantes dos Estados Unidos não querem ver conteúdos em outros idiomas. "Foi um resultado super depressivo", afirmou. "Então decidimos ignorá-lo."
Esta rejeição é vista na prática. Segundo os dados divulgados pela plataforma, a terceira parte da série "La Casa de Papel" foi a atração mais assistida da Netflix em todos os territórios que não têm o inglês como língua nativa, durante as quatro semanas após o lançamento. Embora os números de audiência divulgados pela gigante do streaming não sejam verificáveis, a mesma também revelou que a série foi apenas o oitavo dos seus dez lançamentos internacionais mais populares na América do Norte em 2019, atrás de desenhos animados infantis e comédias de baixo orçamento voltadas para o público adolescente.
Mas o investimento em conteúdos estrangeiros tem outros objetivos. Foi daí que veio o longa mexicano que rompeu barreiras no Oscar 2019 e levou os prêmios de melhor filme estrangeiro, melhor diretor e melhor fotografia. "Roma", de Alfonso Cuarón, saiu em vantagem financeira porque a Netflix oferece o que nenhuma distribuidora independente poderia: a empresa teria gastado mais de US$ 20 milhões somente com a campanha do filme para o Oscar, de acordo com o New York Times.
O lançamento de Roma foi uma "tour-de-force". O longa chegou a ficar em cartaz em 250 salas de cinema somente nos Estados Unidos durante as 15 semanas de exibição. Analistas estimam que, se as exibições em circuito contabilizassem bilheterias tradicionalmente, a arrecadação teria ficado na casa dos US$ 4 milhões: um relativo sucesso, mas nada fora da curva.
"O fato de filmes em língua estrangeira estarem disponíveis agora mais do que nunca não significa que o público está indo até eles mais do que antes", afirma Jeff Bock, sobre a presença das produções que vêm do streaming. "Quando Roma estreou na Netflix, tive que fazer uma longa pesquisa para encontrá-lo. O serviço sequer destacou o filme na primeira página. Isso também é uma preocupação, enquanto cineasta. Será que o streaming é a melhor forma de encontrar um público? Eu espero que, à medida que mais filmes estrangeiros forem disponibilizados, o público passe a ir em busca deles com mais frequência."
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