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Pussy Riot: "Para criticar Bolsonaro, você não precisa ser pró-comunismo"

Maria Alyokhina, do Pussy Riot, posa na Cooperativa Libertas, em São Paulo - Larissa Zaidan/UOL
Maria Alyokhina, do Pussy Riot, posa na Cooperativa Libertas, em São Paulo
Imagem: Larissa Zaidan/UOL

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

30/01/2020 04h00

Enquanto aguarda para conceder entrevista, Maria Alyokhina, líder da banda Pussy Riot, pede para fumar um cigarro, o que faz ao mesmo tempo em que checa as mensagens calmamente no telefone celular. Nada de fazer sala ou jogar conversa fora: apenas timidez. O jeito russo relax, beirando o solene, contrasta com o discurso afiado da ativista, que já elegeu seu alvo no Brasil: Jair Bolsonaro.

No pôster que divulga a nova passagem do grupo pelo país, que se apresenta amanhã no festival Sem Censura, promovido pela Prefeitura de São Paulo com artistas "cancelados" pelo governo federal, o rosto do presidente é desenhado como uma confusa amálgama de lixo, armas e material radioativo, que indica do que ele seria feito. Trata-se de uma mensagem é simples e contundente, ela explica.

Pôster do grupo Pussy Riot - Divulgação - Divulgação
Pôster do grupo Pussy Riot
Imagem: Divulgação

"Vendo entrevistas e lendo notícias, percebemos que ele não é um cara legal, para dizer isso de forma suave", diz Masha ao UOL. O papo ocorreu na sede da cooperativa feminina Libertas, em São Paulo, que confeccionou as balaclavas —marca registrada do grupo— que acompanham a primeira tiragem brasileira do livro Riot Days, em que Masha relata os bastidores da prisão do grupo em 2011, após protestar contra Vladmir Putin em praça pública.

Aos olhos dela, Bolsonaro e o líder russo, há duas décadas na cúpula do governo, representam dois lados de uma mesma moeda totalitária, repressiva e militarizada. "Ambos serviram nas Forças Armadas. Isso é algo que deveríamos estar a par. Porque realmente não acredito que existam pessoas que queiram entrar em guerra", diz Masha, que luta pelo feminismo mas não se considera de esquerda, por não se encaixar no espectro político clássico. Russa, ela também rechaça e qualquer "reminiscência vermelha", assim como fazem apoiadores do brasileiro.

Sobre o argumento comum de apoiadores de Bolsonaro, o de que estrangeiros não podem opinar sobre a situação política brasileira por não viveram aqui, a líder do Pussy Riot replica com uma pergunta. "Essas pessoas certamente têm uma opinião sobre o Putin, não tem? Por que não podemos ter uma opinião sobre o Bolsonaro? Por que não? É só uma opinião. Você não pode criticar a mente da pessoa. Você não pode censurar um pensamento. É muito estranho."

UOL - Com você se sente voltando ao Brasil, depois de poucos meses, agora também lançando livro?

Masha Alyokhina - Estou orgulhosa de fazer parte de um festival contra a censura, porque este é um grande problema. Pelo que sei, mais de cem artistas foram banidos pelo presidente e estarão nesse festival. E isso também acontece na Rússia. Você pode olhar para o nosso país como um exemplo do que ocorre quando babacas autoritários decidem implantar a censura.

O Pussy Riot foi um dos primeiros presos políticos da Rússia. Agora, pessoas são presas toda semana por causa de posts no Facebook ou Twitter ou por causa de protestos pacíficos na cidade.

Quem fez e qual é a mensagem do pôster contra Jair Bolsonaro?

A mensagem é muito simples. Vendo entrevistas e lendo notícias, percebemos que ele não é um cara legal, para dizer isso de forma suave.

Não consigo entender como um homem adulto, não um adolescente, possa dizer que é melhor ter um filho morto que um filho gay.

Ou como ele pode dizer que não se orgulha de sua filha por ela ser uma menina. Isso por causa dos valores tradicionais de família que ele têm, ou que quer que seja isso. É isso que o pôster aborda. É uma colaboração nossa com nossos editores e organizadores. Se isso ajudar alguém, será ótimo.

Alyokhina ajuda a finalizar confecção de balaclavas que acompanham livro Riot Days - Larissa Zaidan/UOL - Larissa Zaidan/UOL
Alyokhina ajuda a finalizar confecção de balaclavas que acompanham livro Riot Days
Imagem: Larissa Zaidan/UOL

Qual é sua opinião sobre o governo de Jair Bolsonaro assistindo a tudo de fora?

Um tempo atrás ele teve uma reunião com Putin, com ampla cobertura da mídia. E havia muitas similaridades entre eles. Ambos são pessoas "militarizadas". Ambos serviram as Forças Armadas. Isso é algo que deveríamos estar a par. Porque não acredito que existam pessoas que realmente querem entrar em guerra.

Meu país, por exemplo, esteve na mais trágica guerra, talvez da história, que matou milhões de pessoas. Que mandou milhões para campos de concentração por causa de sua visão política, ou apenas por ser parente de um dissidente. Não queremos que isso se repita.

Defensores do Jair Bolsonaro argumentam que estrangeiros não têm capacidade para opinar sobre a situação do Brasil, por não conhecerem a realidade daqui. O que diria a eles?

Essas pessoas certamente têm uma opinião sobre o Putin. Por que não podemos ter uma opinião sobre o Bolsonaro? Por que não? É só uma opinião. Você não pode criticar a mente da pessoa, você não pode censurar um pensamento. É muito estranho.

O grupo ativista (e também musical) Pussy Riot - Divulgação - Divulgação
O grupo ativista (e também musical) Pussy Riot
Imagem: Divulgação

O argumento é que adversários políticos de Bolsonaro, a maioria de esquerda, seriam criminosos. Apoiadores do presidente geralmente refutam qualquer reminiscência da cor vermelha.

Mas eu também sou contra reminiscências da cor vermelha. Eu sou da Rússia. A União Soviética assassinou pessoas. Eles mataram todos os meus poetas favoritos. Mataram todos os diretores de teatro, de cinema. Também não gosto de reminiscências vermelhas. Pode acreditar.

Para criticar Bolsonaro, você não deveria definir você como uma pessoa pró-União Soviética, pós-comunismo. Eu não sou. Sendo uma pessoa que passou dois anos na prisão, eu tenho certeza que não é certo censurar pessoas.

Não é certo dizer que pessoas são boas ou ruins por causa da opinião política ou cor da pele. Isso é fascismo.

Como você lida com críticas de jornalistas, mais ligados à música, que afirmam que sua banda não pode ser considerada uma banda, já que não lança discos e é mais conhecida pelos protestos do que pela música?

Eu não sou musicista. Eu não sei tocar nenhum instrumento. Se alguém me critica por isso, me desculpe. Eu ficaria feliz se essas pessoas pudessem fazer música realmente boa. É legal. Mas nós somos todos diferentes. De novo: me desculpe por isso! (risos)

Maria Alyokhina - Larissa Zaidan/UOL - Larissa Zaidan/UOL
Maria Alyokhina
Imagem: Larissa Zaidan/UOL

O Pussy Riot é hoje um dos grupos feministas mais proeminentes do movimento, com braços espalhados pelo mundo. O que falta para o feminismo continuar avançando?

Muita coisa. O feminismo na Rússia não é o mesmo, vamos assim dizer, do que existe nos EUA. Cinquenta anos atrás, tínhamos a Cortina de Ferro e não sabíamos o que acontecia com o feminismo no mundo. Não conhecemos toda a luta que ocorreu durante a segunda do movimento em diversos países. Tivemos que descobrir depois.

Somos o único país da Europa que não tem uma lei contra a violência doméstica. Temos muitos tradicionalistas dizendo que a lei contra violência doméstica é uma lei contra a família. Isso na merda dos anos 2020. E isso é a ponta do iceberg. Quem está lutando pelo feminismo na Rússia são majoritariamente agentes estrangeiros. Essa é a realidade que estamos tentando mudar.