Petra Costa critica Bolsonaro em artigo no NYT: "Guerra contra a verdade"
O jornal The New York Times divulgou hoje um texto opinativo assinado pela cineasta Petra Costa, indicada ao Oscar 2020 na categoria melhor documentário pelo filme Democracia em vertigem. Em seu texto, Petra faz duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao que chamou de "guerra contra a verdade" promovida por ele.
O relato de Petra Costa dá especial atenção a Roberto Alvim, secretário especial da Cultura, exonerado do cargo na última semana após utilizar-se de um discurso pontuado por referências nazistas para anunciar uma premiação cultural.
"Em 2016, eu entrevistei Bolsonaro sobre seus planos para o setor cultural e ele reclamou que nenhum filme brasileiro era bom o suficiente para ser premiado com uma indicação ao Oscar. Na semana passada, no entanto, ele desprezou nossa indicação dizendo 'para quem gosta do que urubu come, é um bom filme'. Em seguida, ele admitiu não ter visto o filme, mas isso não impediu que a legião de trolls que o seguem nas redes sociais de papaguear a acusação de que o filme era fake news", relatou ela.
"Na quinta-feira, era Roberto Alvim quem estava nas manchetes. Em um vídeo postado nas redes sociais para promover um prêmio nacional de arte, ele proclamou que 'a arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional', 'será dotada de uma grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que é profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo — o então não será nada'. O discurso repete frases do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels, proclamadas em maio de 1933. Um retrato de Bolsonaro aparecia atrás de Alvim, enquanto Lohengrin — uma ópera do compositor favorito de Adolf Hitler, Richard Wagner — podia ser ouvida ao fundo", acrescentou.
"Alvim foi deposto um dia depois, após um clamor público que incluiu a veemente condenação das embaixadas da Alemanha e de Israel. Mas creio que ele foi demitido não porque o governo condena suas opiniões e sim porque foi demasiado explícito sobre opiniões que ambos compartilham. Este é apenas um exemplo de como a democracia brasileira se aproxima do abismo."
O episódio é usado por Petra Costa no texto para explicar o que ela chamou de "assalto sistemático do governo Bolsonaro à verdade" — que, segundo ela, tomou "um rumo preocupante". Poucos dias após a indicação de Petra Costa, o Ministério Público Federal denunciou o jornalista Glenn Greenwald por participação em crimes cibernéticos, embora ele não tenha sido investigado ou indicado anteriormente.
Os episódios surgem como desdobramentos do impeachment da presidente Dilma Rousseff (tema central do documentário da cineasta) e da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, aborda a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República e a nomeação do juiz Sergio Moro ao cargo de ministro da Justiça.
"Sérgio Moro, o juiz responsável pela prisão de Lula, foi premiado com o cargo de ministro da Justiça depois que Jair Bolsonaro foi eleito. A eleição de Bolsonaro, um deputado do baixo clero, homofóbico e misógino, foi o resultado de uma extraordinária campanha baseada na disseminação de fake news nas redes sociais. Mais de 98% dos seus eleitores foram expostos a uma ou mais manchetes falsas durante a campanha e quase 90 por cento acreditavam que elas eram verdadeiras, segundo estudo da organização Avaaz. O seu governo dominou a arte de manipular a verdade", escreve Petra, que faz críticas inclusive a Lula, em quem afirma ter votado.
"Meu avô cofundou uma das maiores construtoras do país, uma das empresas investigadas pela Operação Lava Jato. Meus pais foram militantes de esquerda durante a ditadura (1964-1985), chegaram a ser presos e passaram anos no Sul do país fazendo trabalho de base com estudantes e trabalhadores. Os ideais deles me fizeram acreditar que um Brasil melhor, menos desigual e que não fosse governado por elites corruptas e autoritárias, era possível. Eu votei em Lula com a esperança de que ele faria as mudanças políticas tão necessárias. Mas logo o vi formar alianças com as velhas oligarquias do país", acrescentou.
Mais adiante no texto, Petra Costa retoma o paralelo entre a Alemanha nazista e o Brasil, tendo como foco os sistemáticos ataques à imprensa e às artes.
"É interessante que Lügenpresse, ou 'imprensa mentirosa', foi um slogan amplamente usado na Alemanha durante o terceiro Reich para descreditar qualquer jornalista que discordasse da posição do governo", citou.
"Esforços para descreditar a imprensa e as artes têm sido particularmente devastadores no Brasil. A sua influência vai muito além da política partidária. Desde 2019, as elites de extrema-direita e os grupos conservadores religiosos têm travado uma guerra cultural a níveis que não se viam desde os anos mais duros da ditadura militar", acrescenta, indo além.
"O líder do governo caracterizou o Carnaval brasileiro, uma grande fonte de orgulho em nossa cultura, como uma festa degenerada. Alguns de nossos maiores artistas foram atacados, livros escolares estão sendo reescritos e recursos foram cortados para séries e projetos cinematográficos sobre temas LGBTQ. Mais de 30 obras de arte foram censuradas, autocensuradas ou canceladas. Essa guerra cultural atingiu novos patamares em dezembro quando a produtora Porta dos Fundos foi atacada com coquetéis Molotov por conta de seu episódio satírico A Primeira Tentação de Cristo, que retrata Jesus como homossexual."
Em um balanço final, Petra Costa afirma que "não há luz visível no fim do túnel desta guerra cultural que procura censurar os valores liberais e progressistas e desconstruir a verdade para impor um fascismo tropical".
"Como aponto em Democracia em Vertigem, a elite se cansou do jogo da democracia. A história do nazismo mostra que as elites que se calaram diante do avanço do autoritarismo acabaram sendo engolidas por ele. A extinção é o preço da omissão", conclui.
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