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Gilberto Gil e BaianaSystem celebram cultura baiana em show histórico

BaianaSystem e Gilberto Gil em show em Salvador Imagem: Magali Moraes/Divulgação

Alexandre Matias

Colaboração para o UOL, em Salvador*

04/11/2019 08h31

A mera presença de Gilberto Gil e BaianaSystem em uma mesma noite já seria motivo para celebrar a cultura baiana. O maior nome vivo da música brasileira e uma das mais expressivas manifestações culturais do país deste século também sintetizam a essência de seu estado de origem, berço do Brasil, e resumem a cultura local dos últimos cinquenta anos - e além. Mas quando este encontro acontece na cidade-natal dos dois, num evento gratuito, e os coloca para dividir um mesmo palco, não há adjetivo que exprima melhor este acontecimento que histórico.

Foi isso que mais de 30 mil pessoas puderam assistir no final deste domingo, no Parque das Exposições, em Salvador. O primeiro espetáculo da série Encontros Tropicais, promovido pela plataforma Tropical Transforma, começou a acontecer justamente quando os dois estiveram no elenco do festival mineiro Sarará, em Belo Horizonte, no último dia do agosto passado.

A foto nos bastidores foi o início de uma conexão que foi anunciada há pouco menos de um mês e teve seus ingressos esgotados em questão de horas após serem disponibilizados gratuitamente pela internet. Mas o encontro que moveu dezenas de milhares de pessoas para uma região distante da área central da capital baiana não era a única atração musical da noite.

McCartney brasileiro

Imagem: Magali Moraes/Divulgação

A abertura, que teve um atraso considerável que acabou encurtando os primeiros shows, ainda contou com apresentações do DJ Patrick Torquato, do soundsystem Ministéreo Público e da cantora e compositora Luedji Luna. Esta mostrou como está cada vez mais desenvolta no palco e é um dos grandes nomes da atual música brasileira, equilibrando a leveza e doçura de sua presença e voz com um discurso cada vez mais politizado - um dos principais temperos da noite -, ao bradar com veemência: "Parem de nos matar" entre duas de suas suaves canções.

Gilberto Gil começou a parte principal do domingo ao cair da noite, subindo com sua banda e apresentando hits precisos para envolver completamente seu público conterrâneo. E como Gil tem hits, ele é praticamente nosso Paul McCartney, desfilando-os sempre com um sorriso e um olhar tenro e familiar: "Palco" seguido de "Tempo Rei" seguido de "A Novidade", que encerrou com um coro de "Lula livre" vindo da plateia.

Sua filha Nara Gil, nos vocais de apoio, aproximou-se e sussurrou algo em seu ouvido, a senha para que Gil, que foi ministro da Cultura no primeiro mandato do ex-presidente Lula, cutucasse a plateia com o princípio do jingle de campanha "olê olê olê olá, Lula, Lula" para ser abraçado pelo público. "Tomara que brevemente ele possa estar em nosso convívio de novo", confessou.

"Uma canção de amor", disse antes de começar sua balada-símbolo "Drão" e depois passar por "Andar com Fé" e até acenar para fora da Bahia com uma versão para "Pro Dia Nascer Feliz", do Barão Vermelho, todas cantadas em uníssono pelo público. Mas a partir de "Vamos Fugir" (seu reggae mais popular), Gil começou a aproximar do tema central do encontro, mostrando os braços de sua carreira que conversam com os da outra atração da noite.

Encontro histórico

Dali passou pelo protesto "Punk da Periferia" e pela deliciosa "Toda Menina Baiana", quando chamou os integrantes do BaianaSystem para subirem ao palco. Já havia se passado quarenta minutos e o show ainda não estava nem na metade. O público aos poucos passou a usar ou exibir a já clássica máscara sem expressão do grupo representado pelo incendiário MC Russo Passapusso e pelo guitarrista Roberto Barreto, guitar hero local que empunha uma emblemática guitarra baiana.

Escolheram começar pela conexão jamaicana, reverenciando Bob Marley com sua "Is this love?", reconhecendo o peso que o reggae tem na música baiana das últimas décadas. O groove caribenho seguiu com uma versão quente para "Nos Barracos da Cidade", continuou com uma hipnótica "Extra" e seguiu com "Pessoa Nefasta".

O repertório do encontro foi composto apenas por músicas de Gil quase todo escolhido pelo Baianasystem, claramente puxando para as músicas que conversavam com a Bahia e suas conexões jamaicana e africana, exaltando o orgulho negro e baiano. A guitarra de Gil lentamente misturava-se à de Roberto Barreto e a do outro guitarrista do Baiana, Junix, os três seguros pelo grave marcante do baixista Seko Bass. E a química entre Russo e Gil é precisa, impecável. Era a primeira vez que tocavam juntos mas pareciam velhos cúmplices de vidas passadas.

Foi quando começaram a puxar faixas menos prováveis como "Sarará Miolo", "Serafim" e a eterna "Emoriô" e transformaram o palco num delicioso terreiro suave, encontro de entidades poderosas, invocando energias solares para o meio da noite, com Russo Passapusso invadindo com a letra de sua "Dia da Caça".

A força do encontro era traduzida em ritmo e graves, mas sempre com a melodia em primeiro plano, sem apelar para a velocidade ou a catarse energética, mantendo o cozido em fogo brando enquanto Gil misturava-se ao Baianasystem de forma muito natural. Dançando com Russo, cantando solos de guitarra junto com Barreto, incitando o público às palmas ou aos versos, Gil flutuava numa cama musical perfeita e ainda participou do primeiro número do BaianaSystem, antes de despedir-se.

Finda a segunda parte da noite, foi a hora do BaianaSystem coroar a apresentação aumentando o fogo para engrossar o caldo e ferver a pressão. Começaram com "Água", ainda com Gil no palco, e após a saída do guru passaram a desfilar músicas do disco que lançaram no começo do ano, O Futuro Não Demora, "Sulamericano" e "Saci", que fizeram o público arder. Logo depois cederam nos hits de seu disco mais popular, Duas Cidades, de 2016, e aí sim ligaram o público na tomada. Enquanto na apresentação com Gil o clima era manhoso e malemolente, após a saída do mestre o Baianasystem acelerou os BPMs e aumentou - bem - os decibéis.

A sequência "Lucro: Descomprimido", "Calamatraca", "Capim Guiné", "Barra Avenida, Pt. 2" e uma versão Rage Against the Machine para "Playsom" fez abrir rodas de pogo e a massa pular como um bloco só, mas sempre sorrindo e sem tensão. Russo dividiu os holofotes com o bailarino Elivan, que apresentou-se pela primeira vez com o grupo e roubou a cena em vários momentos, entre a agressividade física e a delicadeza do movimento. A instrumental "Forasteiro" encerrou o show com direito a fogos e a gosto de quero mais.

Um encontro que deixou o público extasiado e os artistas naturalmente envoltos uns com os outros, abrindo a possibilidade para novos desdobramentos deste momento único. Uma noite para não sair da memória.

*O jornalista viajou a convite da organização do evento.

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