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Toffoli derruba decisão de apreender livro; RJ praticou censura, diz Gilmar

O presidente do STF Dias Toffoli - Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
O presidente do STF Dias Toffoli Imagem: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo

08/09/2019 13h08Atualizada em 08/09/2019 14h52

Resumo da notícia

  • Na quinta-feira, 5, o prefeito do Rio determinou que uma obra que exibia o desenho de um beijo gay fosse recolhida da Bienal do Livro
  • A Bienal foi notificada pela Secretaria Municipal de Ordem Pública do Rio, que solicitou que a obra fosse indicada como imprópria
  • Na sexta-feira, 6, o TJ-RJ concedeu ao evento uma liminar impedindo a prefeitura carioca de apreender os livros
  • No sábado, 7, a decisão foi suspensa pelo presidente do TJ-RJ
  • No domingo, 8, a procuradora-geral da República solicitou ao STF a suspensão da decisão judicial que permitia a apreensão das obras
  • O pedido de Dodge foi atendido por Dias Toffoli, presidente do STF

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, suspendeu hoje uma decisão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) que permitia a apreensão de livros com temática LGBT na Bienal do Livro no Rio de Janeiro. Toffoli atendeu a um pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge.

Em outra decisão, o ministro do STF Gilmar Mendes também derrubou a decisão do TJ-RJ e classificou o episódio como censura.

O caso foi parar na Justiça após o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, ordenar que os exemplares da HQ "Vingadores -- A Cruzada das Crianças" fossem recolhidos. Uma das páginas do livro tem uma imagem de beijo entre dois personagens masculinos. A ordem foi dada na última quinta-feira (5). O prefeito justificou que o livro da coleção Graphic Novels da Marvel traz "conteúdo sexual para menores" e que a iniciativa da prefeitura visa "proteger as crianças".

Em sua decisão, Toffoli diz que "o regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz".

De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo
Dias Toffoli, presidente do STF

O presidente do Supremo, em sua decisão, disse que a imagem do beijo entre dois homens na história em quadrinhos não viola o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Ele também destacou que, em maio de 2011, o STF reconheceu o direito à união civil para casais formados por pessoas do mesmo sexo —e que assim esses casais passaram a ter os mesmos direitos dos casais heterossexuais.

Página da HQ Vingadores: A Cruzada das Crianças, que o prefeito Marcelo Crivella afirma ser "conteúdo sexual para menores" - Wilton Junior/Estadão Conteúdo - Wilton Junior/Estadão Conteúdo
Página da HQ Vingadores: A Cruzada das Crianças
Imagem: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

"De outro lado, não há que se falar que somente o fato de se tratar do tema "homotransexualismo" se incorra em violações aos valores éticos e sociais da pessoa e da família", disse ainda o ministro.

Toffoli também diz que a liberdade de expressão é um dos grandes legados da Constituição de 1988 e defende a necessidade de preservá-la.

Ontem, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão tomada pelo seu presidente Claudio de Mello Tavares, fez com que uma ordem do prefeito Marcelo Crivella de fiscalização e apreensão de publicações com "conteúdos impróprios" voltasse a valer. No dia anterior, uma liminar do mesmo tribunal havia suspendido temporariamente a possibilidade de recolhimento de obras.

No pedido enviado hoje a Toffoli, Raquel Dodge afirmou que a ordem para apreensão de livros "visa a impedir a censura ao livre trânsito de ideias, à livre manifestação artística e à liberdade de expressão no país".

Gilmar cita censura e Celso de Mello fala em "fato gravíssimo"

Outros ministros do STF também se manifestaram sobre o caso. Em um decisão sobre um recurso apresentado pela organização da Bienal ao Supremo, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a ordem do município do Rio de Janeiro constitui censura, com o "nítido objetivo de promover a patrulha do conteúdo de publicação artística".

Assim como Toffoli, Gilmar afirmou que a imagem do beijo entre dois personagens masculinos não viola o ECA. O ministro disse, ainda, que a decisão de apreender as obras "tenta atribuir um desvalor a imagens que envolvem personagens homossexuais". "Salienta-se que em nenhum momento cogitou-se de impor as mesmas restrições a publicações que veiculassem imagens de beijo entre casais heterossexual", escreveu.

Gilmar também derrubou a decisão do TJ, que permitia a apreensão dos livros, e ordenou que o alvará de funcionamento da Bienal não seja cassado.

Já o decano Celso de Mello afirmou que a censura aos livros na Bienal do Rio "constitui fato gravíssimo".

Para Celso de Mello, "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República".

Prefeitura do Rio questiona decisão de Toffoli

Em nota, a Prefeitura do Rio afirmou que vai interpor, no STF, embargos de declaração à decisão do ministro Dias Toffoli. "No recurso, a Procuradoria Geral do Município afirma que a decisão não examina o fundamento da medida tomada pelo município do Rio de Janeiro ao fiscalizar a Bienal do Livro: a defesa de crianças e adolescentes, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado para menores devem ser comercializadas em embalagem lacrada, com advertência sobre seu conteúdo".

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado em uma versão anterior do texto, a ordem de Crivella para a apreensão dos livros foi dada na quinta-feira, dia 5, e a imagem do beijo entre os personagens aparece em uma das páginas do livro, e não na capa. Além disso, a Constituição Federal é do ano de 1988, e não 1998. As informações foram corrigidas.