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Bienal: Famílias reagem à "censura" de Crivella: "Tiro saiu pela culatra"

Público LGBTQ+ na Bienal do Livro - Marcelo de Jesus/UOL
Público LGBTQ+ na Bienal do Livro Imagem: Marcelo de Jesus/UOL

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

07/09/2019 15h19

Com uma ação de distribuição de 14 mil livros com temática LGBTQ+, centenas de famílias ocuparam a praça central da Bienal do Livro para pegar exemplares, sem poupar críticas ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella.

A ação foi financiada pelo youtuber e empresário Felipe Neto, que comprou os livros e sugeriu que fossem embalados com plástico preto com o seguinte aviso: "Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas. Felipe Neto agradece a sua luta pelo amor, pela inclusão e pela diversidade".

A ação começou pontualmente às 12h, e seguiu ininterruptamente até as 14h. Com milhares de exemplares ainda a serem distribuídos, a organização pausou a distribuição e retornará às 18h. Nas primeiras duas horas de livros grátis, pais e mães acompanharam seus filhos crianças e adolescentes. O discurso comum a todos era de repúdio à ação de Crivella, que enviou 12 agentes da Secretaria Municipal de Ordem Pública para recolher a história em quadrinhos "Vingadores: A Cruzada das Crianças" por conter uma cena de beijo gay, considerada pelo prefeito como "imprópria para crianças". A Justiça do Rio, na noite de sexta (6), proibiu novas ações similares.

Apesar do discurso de Crivella ser recheado por expressões como "proteger as crianças" e "salvar as crianças", os pais que levaram seus filhos à distribuição discordam. Juliana Ribeiro, de 36 anos, levou suas filhas Júlia, 11, e Giovanna, 12, para ganharem seus exemplares. Para ela, Crivella deveria se preocupar mais com o que realmente é grave e assuntos mais pertinentes à gestão municipal.

Chaterine Machado e Camila Carneiro exibem livros com a temática LGBTQ+ na Bienal - Marcelo de Jesus/UOL - Marcelo de Jesus/UOL
Chaterine Machado e Camila Carneiro exibem livros com a temática LGBTQ+ na Bienal
Imagem: Marcelo de Jesus/UOL
"Eu acho que tem muitos livros com conteúdos piores. Por que uma foto com beijo de dois homens incomodou tanto ele? Existem livros que são impróprios de verdade, mas esses, não. Tem muita coisa para ele se preocupar. E não é grave ter um filho homossexual. Diante de tudo que temos no Brasil hoje, do que está acontecendo, grave é ter filho desonesto, bandido. Ser gay é totalmente normal", afirma.

As irmãs gêmeas Chiara e Clarice Rodrigues, de 16 anos, também garantiram seus exemplares. Elas têm um perfil de resenhas literárias, o ChiandCla, e quando viram a notícia de tentativa de apreensão de exemplares na Bienal esperavam realmente uma repercussão grande. Para Chiara, a ação de Crivella teve efeito reverso: "O tiro saiu pela culatra. E eu me senti incomodada porque livros com beijos hetero não têm essa repercussão negativa, mas com beijos gay agem como se não fossem normal".

Clarice elogiou a ação de Felipe Neto: "Me surpreendi com a ação dele. É legal ele estar se posicionando agora, e essa é uma ação importante".

Outra jovem presente na ação e que elogiou a postura de Felipe Neto foi Catherine Machado, de 19 anos: "Foi uma iniciativa incrível e valeu a pena estarmos aqui. Eu espero que mais gente se entenda com a causa e entenda a importância do movimento", afirma. Com ela faz coro Duilio Lima, de 33 anos, um dos primeiros a obter seu exemplar. Para ele, a ação do empresário é um ponto de virada no combate ao conservadorismo: "É importante para discutir e combater o preconceito".

Denúncia ao Ministério Público

Neste sábado (7), a Aliança Nacional LGBTI encaminhou ao Ministério Público do Rio de Janeiro um ofício para que Marcelo Crivella seja investigado. A organização da sociedade civil argumenta que a ação de Crivella feriu o direito à liberdade de expressão, e que não cabe à Prefeitura recolher publicações em feiras de livros.

A Aliança Nacional LGBTI também pede que Crivella seja investigado sob a luz da decisão do Supremo Tribunal Federal que tipifica a homofobia como crime de racismo, com as mesmas penas previstas na lei 7.716/1989. O argumento final da organização é que nunca houve tentativa de censura entre o Super Homem e a Lois Lane, também personagens de histórias em quadrinhos.