Justiça impede Crivella de recolher livros e tirar licença da Bienal do Rio
Resumo da notícia
- Prefeito do Rio pediu que HQ Vingadores fosse recolhido na Bienal do Livro
- Crivella justificou que conteúdo (beijo gay) é impróprio para menores
- Desembargador diz que "alguns livros da Bienal espelham os novos hábitos sociais"
- Bienal não recolheu livros e diz que dá voz a todos os públicos como uma democracia deve ser
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu uma liminar à Bienal do Livro que impede que a prefeitura recolha publicações na feira de livros e também que casse a licença de funcionamento do evento.
Na tarde de hoje a Bienal entrou com pedido de mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça para garantir o funcionamento do evento na cidade, que acontece até o próximo domingo. A medida foi tomada após o prefeito do município, Marcelo Crivella (PRB), pedir o recolhimento da história em quadrinhos Vingadores - A Cruzada das Crianças de um estande na Bienal com a justificativa trazer "conteúdo sexual para menores".
De acordo com o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, da 5ª Câmara Cível do TJ, que concedeu a decisão, a tentativa de impedir o funcionamento da Bienal, assim como o recolhimento dos livros, é inconstitucional. "Defere-se a liminar postulada em razão da aparente afronta aos princípios constitucionais pertinentes à liberdade de expressão."
Pereira Nunes também destaca em sua decisão que não cabe à prefeitura esse tipo de fiscalização "tratando-se, na hipótese, de evento cultural relevante." "Alguns livros da Bienal espelham os novos hábitos sociais, sendo certo que o atual conceito de família, na ótica do STF [Supremo Tribunal Federal], contempla várias formas de convivência humana e formação de células sociais", diz o desembargador na decisão.
Em comunicado, antes mesmo de sair a decisão judicial, a Bienal declarou que iria manter sua programação para o fim de semana e que a medida tem como finalidade "garantir o pleno funcionamento do evento e o direito dos expositores de comercializar obras literárias sobre as mais diversas temáticas - como prevê a legislação brasileira".
Consagrada como o maior evento literário do país, a Bienal do Livro mantém sua programação para o fim de semana, dando voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser. Este é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados.
O que diz Crivella
O prefeito justificou que o conteúdo da HQ é impróprio para menores. Na obra, escrita por Allan Heinberg e desenhada por Jim Cheung, dois dos Jovens Vingadores, Wiccano e Hulkling, são namorados. "Não é correto que eles tenham acesso precoce a esses assuntos", disse Crivella sobre o livro.
Em nota de esclarecimento, a Prefeitura do Rio explica que notificou, na tarde de ontem, por intermédio da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), a organização da Bienal do Livro a adequar obras expostas na feira aos artigos 74 a 80 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). "A legislação determina que publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre (embaladas em plástico ou material semelhante), com a devida advertência de classificação indicativa de seu conteúdo".
A prefeitura diz que entendeu como inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis apresenta e ilustre homossexuais "a adolescentes e crianças, inclusive menores de dez anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo".
Apesar de os exemplares expostos na feira estarem lacrados, a prefeitura diz que houve reclamações de frequentadores pela falta de advertência na embalagem. "A própria editora sabia da obrigação legal. Tanto que a obra estava lacrada. Não havia, porém, uma advertência neste sentido, para que as pessoas fizessem sua livre opção de consumir obra artística de super-heróis retratados de forma diversa da esperada. Houve reclamação de frequentadores da feira, que têm direito à livre opinião e opção quanto ao conteúdo de leitura de filhos e adolescentes, pessoas em formação", diz o comunicado.
Na nota, a prefeitura afirma que não há qualquer ato de trans ou homofobia, ou qualquer tipo de censura à abordagem feita livremente pelo autor, "mas exercício do dever de informação quanto ao que se considerada material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes, exigindo-se, assim, o lacre e a advertência".
Hoje, por volta de 12h, agentes públicos chegaram ao Riocentro, onde acontece o evento, para uma ação de varredura com o objetivo de encontrar "material impróprio para crianças e adolescentes".
Bienal não recolhe exemplares
Antes de os livros se esgotarem, a Bienal disse que não recolheria os exemplares. Ao UOL, a assessoria de imprensa do evento disse que os exemplares do livro não seriam recolhidos porque o material não é impróprio e é comercializado desde 2016 em todo o mundo sem qualquer restrição.
E emitiu uma nota: "A Bienal Internacional do Livro Rio, consagrada como o maior evento literário do país, dá voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser. Este é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados. Inclusive, no próximo fim de semana, a Bienal do Livro terá três painéis para debater a literatura Trans e LGBTQA+".
A direção do festival entende que, caso um visitante adquira uma obra que não o agrade, ele tem todo o direito de solicitar a troca do produto, como prevê o Código de Defesa do Consumidor." A 19ª edição da Bienal do Rio começou em 30 de agosto e vai até domingo (8).
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