Silvero Pereira sobre looks drags: "Quero mostrar o que reprimiram a vida inteira"

Destaque em Bacurau na pele do misterioso e sanguinário Lunga, o ator cearense Silvero Pereira vem atraindo os mais glamorosos holofotes durante as pré-estreias do filme dirigido por Kleber Mendonça Filho, que estreia amanhã no circuito comercial brasileiro.

No Festival de Cannes, em maio, aos olhos de fotógrafos do mundo, ele escolheu como traje de gala um longo vestido nas cores azul e rosa choque, além de ostentar um penteado cacheado. Na coletiva de imprensa, o look foi substituído um tubinho preto básico e cabelos negros e lisos.

Anteontem, no Rio de Janeiro, mais uma avalanche de flashes: o ator causou ao usar um tomara que caia branco, com cabelos loiros na altura do ombro e uma tarja colada na boca com a inscrição "Censura não" --referência ao boicote do governo a projetos audiovisuais com temática LGBT+.

Em entrevista ao UOL, o Silvera Pereira explicou que seus looks femininos, que não aparecem em Bacurau -a sexualidade do personagem passa em segundo plano na história--, são fruto de uma vontade tão antiga quanto reprimida, que só agora ele pode explorar fora de cena, como sempre desejou.

"Aparecer em Cannes montado, da maneira como apareci, foi uma questão pessoal. Quando era criança, gostava de colocar toalha na cabeça. Gostava de me vestir com lenções. Mas tudo isso acontecia de forma reprimida. Pessoas vinham e diziam que não podia fazer aquilo nem ser daquele jeito", diz Pereira.

"Se eu fosse vestido de 'pinguim', eu, um ator desconhecido, teria passado batido ali. Tive a oportunidade e pensei: 'Agora eu vou botar minha toalha na cabeça, meu vestido e vou mostrar para o mundo o que tentaram me reprimir a vida inteira'. Foi uma grande oportunidade. Pra mim, foi um gol bem marcado."

História

Nascido em Mombaça, sertão do Ceará, e formado em artes cênicas no IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará), Silvero já explorou fortemente seu lado drag no Coletivo Artístico As Travestidas, fundado por ele em Fortaleza em 2005. Formado por atores, transformistas, artistas plásticos, fotógrafos, músicos, publicitários e designers, o grupo é responsável por espetáculos e pesquisas sobre o universo trans.

Dois fatos foram decisivos para ele chegar a Bacurau: sua estreia no cinema no longa Serra Pelada (2013), mais tarde convertido em minissérie na TV Globo, e o dia em que foi descoberto por Glória Perez na peça BR-Trans, montada no Rio. A autora o assistiu, amou a performance e o convidou para o papel da travesti Elis Miranda na novela A Força do Querer.

Com o sucesso da personagem em rede nacional, ele ganhou a simpatia do público e foi indicado ao prêmio Melhores do Ano do Domingão do Faustão como ator revelação. Na TV, Silvero afirma ter cumprido seu primeiro grande objetivo: levar temas como o preconceito e o debate de gênero às salas de estar das famílias de todo o país.

Política

Assim como toda a equipe de Bacurau, o ator tem usado entrevistas e aparições públicas para se posicionar politicamente e, principalmente, protestar contra o governo de Jair Bolsonaro, que ele acredita ter perdido legitimidade a partir do momento que passou a atacar minorias e a cercear o direito de grupos como o LGBT+.

No último dia 15 de agosto, o presidente afirmou nas redes sociais ter garimpado na Ancine (Agência Nacional do Cinema) produções audiovisuais que estariam prontas para captar recursos e que já teriam sido "abortadas" por ele, incluindo títulos que abordam sexualidade, gênero e questões ligadas ao movimento LGBT+.

"Precisamos continuar lutando e exigindo nossos direitos. Estamos em um momento complicado e não podemos aceitar nenhum tipo de retrocesso. Precisamos resistir ao movimento que estamos vivendo. Acho que essa é a mensagem de Bacurau e a mensagem que precisamos defender", afirma ele.

"Tenho visto uma resposta muito positiva nas pré-estreias. Na semana de pré-estreia, houve mais 15 mil espectadores. Pra mim, é muito importante entender que as pessoas estão reagindo a toda essa cultura que nos está sendo enfiada goela abaixo, que somos obrigados a absorver", conclui.