Teatral e exagerado, "Rocketman" soa mais verdadeiro que "Bohemian Rhapsody"
Separados por pouco mais de seis meses entre os lançamentos, as cinebiografias de dois nomes consagrados do rock inglês, Queen, com "Bohemian Rhapsody", e Elton John, com "Rocketman", caíram em uma comparação quase automática para os espectadores. As particularidades de cada um acabaram resultando em um "Rocketman" que passa uma imagem mais verdadeira e natural que seu antecessor.
Como "Bohemian" dividiu opiniões e recebeu críticas por passagens exageradas na ficção, cresceu a atenção em relação ao longa sobre Elton John, que estreia amanhã no Brasil. Ele é mais teatral com suas passagens musicais, narra a trajetória do cantor e pianista de uma forma mais exagerada e leva-se muito menos a sério. E é justamente nestas liberdades que atinge seu objetivo.
Mais que a trajetória
"Rocketman" é um filme não só sobre a história de Elton John. É sobre as sensações que essa trajetória lhe causou. Até o modo como as músicas foram utilizadas no roteiro comprovam esta impressão.
"Bohemian Rhapsody" mostra o poder do Queen ao vivo, como na longa cena do festival Live Aid. Os clássicos da banda muitas vezes aparecem como detalhes da trajetória de Freddie Mercury e seus companheiros, de forma mais linear.
"Rocketman" subverte a ordem cronológica: as canções e suas letras servem à história e são utilizadas para expressar sentimentos e fases de Elton John. Tanto que outros personagens assumem parte das letras, boa parte delas escritas por seu colaborador de longa data Bernie Taupin.
Nisso entra a teatralidade e os números musicais. A famosa foto em que Elton parece levitar ao piano vira algo maior: a plateia toda ascende com ele, num prenúncio de quão meteórica seria sua fama, para exemplificar os "exageros", que fazem sentido na trama. Já "Saturday Night's Alright for Fighting" vira uma peça de musical, começando num bar e indo parar em um parque de diversões.
"Bohemian" e "Rocketman" dividem o trabalho na direção de Dexter Flescher - apesar de o crédito final do primeiro ter ficado com Bryan Singer, diretor original da cinebiografia do Queen. Mas os roteiros são trabalhados de forma muito diferente.
Carta branca de Elton x Limitações da lenda Freddie
Assinado por Lee Hall, o roteiro de "Rocketman" teve carta branca de Elton John, interpretado brilhantemente por Taron Egerton. O próprio cantor admite que preferiu se manter à parte da produção e que não via sentido em diluir suas polêmicas. Afinal, o Elton de hoje, um senhor há mais de duas décadas sóbrio, não é o mesmo do passado, um usuário pesado de drogas, remédios e álcool, viciado em compras e bulímico, como deixa claro no início do longa.
O roteiro é costurado com uma reunião de um grupo do tipo Narcóticos Anônimos a que Elton John comparece, ainda vestido com as chamativas roupas de um show - com direito a chifres diabólicos. Partindo desta sala, Elton revisita a infância tímida, os problemas com os pais, a ascensão na carreira, seus amores, desamores, a homossexualidade - com direito a cena de sexo - e como quase perdeu tudo por conta dos vícios.
Já "Bohemian Rhapsody" tem seu maior trunfo e sua maior limitação em Freddie Mercury. Um dos artistas mais adorados do século 20, mas com aquela aura quase intocável da maioria dos astros que morrem cedo, o vocalista do Queen tem sua história contada mais "cheia de dedos" pelos roteiristas. Isso custou muito ao filme, que pecou na hora de tratar da sexualidade de Freddie e muitas vezes o deixou com um tom que se aproxima do arrogante.
Elton explica a liberdade dada ao filme, muito fruto de sua experiência anterior com o documentário "Tantrums & Tiaras" (1997), que já o revelava de forma mais crua: "Eles (o estúdio) queriam diminuir o álcool e as drogas. Mas eu não vivi uma vida para um filme permitido para menores de 13 anos", disse, ao "The Guardian". "Há momentos em que sou nojento e terrível, mas, no meus piores dias, eu era nojento e terrível, e não há porque mentir."
Outro detalhe que ilustra as limitações da "lenda" Freddie Mercury estão no fato de Rami Malek apenas dublar sua voz nas músicas - o que ainda assim lhe rendeu o Oscar de melhor ator neste ano -, enquanto Taron Egerton cantou em novas versões do clássico de Elton John, numa performance tão digna de prêmios quanto a de Rami.
No mercado efervescente das cinebiografias, muitas vezes o que se vende é o "fan service", o agrado aos fãs. "Bohemian Rhapsody" se esforçou demais, e nisso deu brecha às críticas. "The Dirt", filme sobre o grupo de hard rock Mötley Crüe foi brutalmente honesta e ganhou grandes elogios, na Netflix. E "Rocketman", com seu retrato honesto e um público amplo de fãs das músicas de Elton John, tem tudo para seguir o mesmo de "The Dirt". Como Elton disse ao "The Guardian": "Nem tudo no filme é verdadeiro. Mas é a verdade".
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